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28 de fevereiro de 2007

A LÍNGUA PORTUGUESA E O FUTEBOL


No início do ano letivo, apresentamos sempre uma série de fenômenos gramaticais que já devem ter sido esquecidos por muita gente que estudou até o último ano do segundo grau. Mas é bom recordar, principalmente quando relacionamos esses fatos gramaticais com um esporte de massas como é o caso do futebol. É isso mesmo: futebol também é cultura!

Hoje veremos o tal de EUFEMISMO. Vocês sabem o que é isso? Estão esquecidos?
Vejamos, então. EUFEMISMO é a suavização de uma idéia ou de um acontecimento, ou de um fato, que poderá chocar por seu realismo. É, portanto, uma enunciação atenuada de idéia ou coisa tida como desagradável, grosseira ou indecorosa em determinado meio social. O termo ou a expressão é substituído por outros de sentido mais impreciso ou aproximado. Por exemplo. Em vez de dizermos "ele morreu" para darmos a notícia do falecimento de alguém, dizemos que ele entregou a alma ao criador...

Agora, muito interessantes são os comentários esportivos, em Portugal, principalmente na imprensa, nos jornais especializados em futebol. Alguns jornalistas, tentando eufemizar algumas situações, isto é, tentando criar um EUFEMISMO, utilizam expressões muito estranhas e até engraçadas, com muito giro, como falam nossos irmãos de além-mar. O que vamos apresentar agora, leva-nos a admitir que foi pior a emenda do que o soneto. Vejam, lá: "Ele levou com uma bola naquele local qu
e se usa para fazer bebés, mas está tudo correndo bem " (Jornal Record, 27/09/95, p.11).
No Brasil, chama-se SOPRADOR DE APITO, o péssimo árbitro de futebol, como fazia Mário Vianna, antigo comentador de arbitragens nas rádios e ex-árbitro da Federação Carioca de Futebol, do Rio de Janeiro. Mas isso foi há muito tempo...
Ficamos por aqui. Gostaram?


VOLTANDO A LAGES



De Marcelino Ramos voltei para Lages. Lá, só me instalo na Pousada Rural do SESC. Consegui, durante muitas estadas, criar um relacionamento bastante cordial com o pessoal da administração, da recreação, do refeitório, do bar e dos serviços gerais. Realmente, os rapazes e as moças que lá trabalham são muito simpáticos, preparados e bem treinados, deixando o usuário satisfeito com tudo. Cheguei, novamente à pousada debaixo de um temporal, que meteu medo, pois a estrada parecia um caudaloso rio e não se via nada, de tanta água que caía. Tinha, ainda de visitar mais alguns municípios da Serra Catarinense. Como o tempo melhorou, à noite, a recreação da Pousada Rural programou uma reunião no Galpão da Tradição, sob o comando do Professor Paulo, o Paulão, contador de “causos” e animador da melhor cepa, profundo conhecedor das tradições gauchescas e da história de Lages. Aliás, é preciso sempre dizer que a cidade de Lages é considerada a mais gaúcha cidade catarinense, epíteto adquirido pela sua colonização, quando por lá passavam, obrigatoriamente, os tropeiros vindo do sul do Brasil, que levavam mulas, cavalos e grandes rebanhos bovinos para São Paulo, mais precisamente, para Sorocaba. Paulão reuniu os hóspedes no espaço da tradição gaúcha e o sanfoneiro tirou de sua gaita as mais melodiosas e tradicionais músicas do repertório campeiro. Há um ditado gaúcho que diz que quando o gaiteiro toca, todo mundo desentoca e, por isso, a dança comeu solta e todos os presentes dançaram em torno do fogo de chão, que só não ardeu porque o tempo era chuvoso, mas sem frio, posto que nessa época de verão, a friagem ainda está longe de se fazer presente. Quem a tudo presenciou e ficou encantado com a alegria dos dançarinos e suas prendas foi o meu fantasma amigo. Ele não conhecia o encanto da cantoria cabocla. Gostou e quase se materializou, o que, fatalmente, me deixaria em situação muito constrangedora, pois não saberia explicar ao pessoal o fenômeno, verdadeiramente sobrenatural, que quase aconteceu naquela festeira e descontraída reunião de início e fim de noite. No dia seguinte fui a Bocaina do Sul, pequeno município, às margens da Rodovia BR-282, entre Lages e Bom Retiro, a uns 37 quilômetros do centro da maior cidade da região serrana, fundada por Correia Pinto, no século XVIII. O fantasma só falava na dança da noite passada e do som da gaita ou acordeon, objeto de que ele nunca teve notícia, no seu tempo de mísero mortal, e lá pelas bandas das terras lusitanas, onde nasceu, morreu e procurou se reencarnar, tornando-se um ser ímpar e fiel amigo meu, quando o conheci no castelo de Monte-Mor-o-Novo, tentando assombrar um turista mexicano, a quem dei carona, desde Lisboa, há alguns anos atrás. Afirmo isso, porque o acordeon foi desenvolvido por volta de 1829 em Viena, época em que meu amigo fantasmagórico ainda estava quietinho em seu túmulo. Sua construção foi baseada num instrumento de sopro chinês chamado Cheng, com o mesmo sistema de palhetas. No século XIX ganhou o mundo depois de passar pelas regiões de Stradella e Ancona na Itália, onde surgiram importantes fábricas como Paolo Soprani e Scandalli. Logo foi difundido por toda a Europa. Os primeiros registros da presença do instrumento no Brasil são do tempo da guerra do Paraguai, por volta de 1864. Mas ficou popular mais para o final do século XIX, trazido para o Brasil principalmente pelos imigrantes italianos. O acordeon é um instrumento feito principalmente para a dança. No campo, os tocadores ainda animam bailes, nas aldeias, tanto na Europa como no Brasil, principalmente no sul e nas cidadezinhas do interior.
Em Bocaina do Sul, visitamos o Mini Pantanal, no distrito de Santa Rosa, onde as belas paisagens nos encantaram. O SESC de Lages organiza passeios a este belo recanto, oferecendo, assim, a seus hóspedes um diferencial no tratamento turístico, de muito bom gosto e bem organizado. Vale a pena conferir. Até o próximo passeio!

27 de fevereiro de 2007

MARCELINO RAMOS É UM BALNEÁRIO GAÚCHO


Na sexta-feira, à noite, fiquei muito contente com a dedicação de meu fantasma amigo, pois desenrolando os dois palimpsestos que me entregara, pude encontrar neles, sem nenhuma dificuldade de leitura, pois não havia muitas escritas sobrepostas, característica desse tipo de pergaminho, uma magnífica informação sobre a cidade de Marcelino Ramos, localizada a noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, na região do Alto Uruguai, com uma população estimada em mais de cinco mil e quinhentos habitantes. Quase todos são descendentes de imigrantes italianos, alemães, poloneses, portugueses e negros, vestígio da escravidão - uma das mais vergonhosas páginas de nossa história - todos influindo na arquitetura local, nos hábitos e no costume da população. Com lindos vales, rios e montanhas, o município, que apresenta moderna infra-estrutura turística, é conhecido como a Capital do Turismo do Alto Uruguai. Sua rede hoteleira é ocupada, primordialmente, por quem procura por um balneário de águas termais, além de quem quer desfrutar de um turismo náutico, incluindo passeios de barco pelo lago do Rio Uruguai. Com a perfuração de um poço, à procura de petróleo, a PETROBRÁS, em 1959, encontrou águas termais, a uma profundidade de 2.590 metros. Assim foi iniciada uma nova etapa da vida do município: o turismo das águas hidrominerais. Mas a história da cidade ainda pulsa, vivinha, no apito chiado da Maria Fumaça, uma locomotiva a vapor, da década de 60, que era o único meio de ligação férrea entre o Rio Grande do Sul e o restante do país, transportando o progresso, naqueles tempos românticos que não voltam mais... Mas o grande momento da viagem de agora - um passeio turístico até a cidade de Piratuba - é a travessia da ponte de ferro sobre o rio Pelotas. O turismo religioso na região está intimamente ligado à fé católica dos primeiros colonizadores europeus que perpetuaram a devoção a Nossa Senhora da Salete. Sempre no último domingo de setembro ocorre a romaria em louvor à mãe de Deus, em seu Santuário, no alto da encosta, junto ao Seminário, com bonita vista para o rio. Já a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, sobre as águas do rio Uruguai, passa pelo rio Pelotas, indo até o Balneário. São numerosas embarcações e centenas de devotos que acompanham o bonito ato de fé, no segundo domingo do mês de fevereiro. O agroturismo, ou turismo rural é realizado pelos proprietários de fazendas centenárias, sempre incutindo no visitante o respeito à natureza, com o objetivo de preservar nossas águas, nossas matas, nossa fauna, tudo tão necessário à preservação da vida. Completando a diversidade turística da cidade, encontramos o turismo náutico, desenvolvido a partir da formação do Lago do Rio Uruguai, para alimentar a Usina Hidrelétrica Ita. Vale a pena conhecer o município gaúcho de Marcelino Ramos, que recebeu, em homenagem póstuma, o nome do ilustre engenheiro, responsável pela execução, nos idos de 1911, do trecho ferroviário entre Passo Fundo e esta encantadora cidade.







PONTE ALTA - MATA FECHADA NA SERRA CATARINENSE

Passei por Ponte Alta, a 42 quilômetros de Lages, pois me dirigia para o oeste do Estado de Santa Catarina. Ia pela BR-116 Norte e teria de entrar à esquerda no trevo de entroncamento da BR-470, em direção a Joaçaba. Meu destino final era Piratuba, estância termo mineral, com fontes de água alcalina, bicarbonatada, sódica, sulfurosa e hipertermal, a 38,6 graus, com inúmeras indicações terapêuticas. Como Piratuba fica a 250 quilômetros de Lages, fui visitá-la, mas antes deixei meu fantasma amigo bem confortavelmente instalado num casarão colonial, assustadoramente mal assombrado e vazio, à beira da BR-116, em Ponte Alta, para anotar tudo sobre esse município, que tem as matas nativas mais conservadas entre todos os outros da Serra Catarinense. Sua missão, portanto, era investigar a pequenina cidade com pouco mais de cinco mil almas, localizada praticamente nos limites da Serra Catarinense. Sua orografia é ímpar, pois lá as montanhas se ramificam entre as serras Geral, Caraguará e Cafundó, muito além da Serra de São Filipe e do Areial. O município de 567 quilômetros quadrados possui matas cerradas, com densas florestas de madeiras nobres e muitas araucárias centenárias. Mas sua economia está mesmo presa à produção agrícola de abóboras, e isso fez com que ficasse conhecido como a “Capital da Moranga”. Bem, foi esse o curto relatório que meu fantasma amigo me apresentou, quando chegou em Piratuba já bem tarde da noite, porque levou muito tempo para encontrar todas essas informações. Além disso, o pobre ser esvoaçante – maneira muito humana de dizer - encontrou no alpendre da antiga e maltratada residência colonial, onde eu o deixara, uma linda alma penada, por quem – e ele me disse isso com os olhos esbugalhados de fazer dó – quase se apaixonou perdidamente...Bem, segui para Piratuba.

ATÉ BREVE



UMA CIDADE DO VALE DO CONTESTADO





Quando entrei na sauna do hotel, não sei por que, percebi que poderia encontrar por lá meu fantasma amigo. Tinha-o deixado em Marcelino Ramos, pequena cidade do Rio Grande do Sul, às margens do rio Uruguai e que faz divisa com Santa Catarina, distante uns vinte quilômetros de Piratuba, onde eu estava confortavelmente hospedado. Cheguei em Marcelino Ramos por uma estrada de terra batida, sempre beirando o rio do Peixe até o mesmo desaguar no rio Uruguai. Passa-se para a outra margem por uma ponte rodoferroviária, trabalhada em ferro rendado, fechada em cima, como um casulo de aço escuro, deixando no ar a admiração do viajante. Fora pela manhã visitar a cidadezinha gaúcha que possui também bonito balneário de águas quentes e minerais. Deixei meu hialino amigo no Cemitério Municipal para tentar encontrar algum conhecido dos tempos dos desbravadores daqueles sítios. Sabia que ele iria gostar de percorrer os corredores sombrios do Seminário de Nossa Senhora de Salete, pois me havia falado, há alguns dias, de uma instituição homônima nos Alpes franceses, com duas casas de vocações sacerdotais, que poderiam perfeitamente estar ligadas, por laços afetivos, à sua vida ou, talvez, à sua morte, não sei bem. Sempre me confundo ao lidar com meu transparente amigo. Disse-lhe que obtivesse o maior número possível de informações sobre o município gaúcho e até uma biografia resumida da pessoa que, atualmente, dá nome à cidade. Voltei para Piratuba. Almocei, tirei uma soneca, fui para as piscinas mornas do Balneário Municipal. Entrei na sauna a vapor do hotel. Não havia viva alma nas salas de repouso. O cano que saia da caldeira lançava vapor branco bem quente pelas brechas da porta de alumínio. Entrei. Senti a presença de meu esbranquiçado amigo e começamos a conversar, convencionalmente, pois se alguém entrasse nada de anormal perceberia, pois o branco do vapor se confundiria com o seu corpo esvoaçante. Ali, fumaças e fantasmas combinavam harmoniosamente e o ambiente úmido mascarava tudo. Ele me disse que conseguira o que lhe pedi, e me entregaria o relatório, à noite, em meu quarto. Pediu licença para se retirar, porque havia se emocionado muito ao rever alguns de seus etéreos parentes, lá no interior da gruta do Mosteiro. Com um chamado, aparentemente mágico, havia conclamado grande parte da família do ramo português do Algarves, para conhecer aquela organização tropical da ordem religiosa francesa. Coisas esquisitas de fantasma, pensei eu. Aceitei sua ponderação e, deixando para trás aquele ambiente enfumaçado, terminei meu delicioso banho, com uma magnífica massagem, aplicada por uma especialista em Ayurveda, o relaxante conhecimento da vida. De madrugada ele apareceu e me entregou o relatório. Um longo pergaminho em estado de palimpsesto, com uma escrita bem cuidada. Estava primoroso. Vamos esperar para ver as histórias que meu amigo conseguiu de Marcelino Ramos, na cidade que o homenageia.
Bem, a cidade de Piratuba tem seu nome preso à língua tupi, pois deriva de “pira”, peixe e “tuba” sufixo que dá a idéia de quantidade. Teve início em 1910, com a construção da estrada-de-ferro São Paulo – Rio Grande do Sul.
Foram dias magníficos os que passei por lá. No fim do sétimo dia de merecido descanso acenei para meu esbranquiçado amigo que pegou carona numa nuvem branquinha e foi se reunir com seus antepassados, alguns deles responsáveis pelas obras de engenharia da empresa “Brazil Railway”, desbravadora daquela linda região, há muitos anos atrás.


ATÉ BREVE

22 de fevereiro de 2007

PONTE ALTA - MATA FECHADA NA SERRA CATARINENSE


Passei por Ponte Alta, a 42 quilômetros de Lages, pois me dirigia para o oeste do Estado de Santa Catarina. Ia pela BR-116 Norte e teria de seguir para a esquerda e entrar no trevo de entroncamento da BR-470, em direção a Joaçaba. Meu destino final era Piratuba, estância termo mineral, com fontes de água alcalina, bicarbonatada, sódica, sulfurosa e hipertermal, com temperatura média de 38,6 graus, com inúmeras indicações terapêuticas. Como Piratuba fica a 250 quilômetros de Lages, fui visitá-la, mas deixei meu fantasma amigo bem confortavelmente instalado num casarão colonial, assustadoramente mal assombrado e vazio, à beira da BR-116, em Ponte Alta, para anotar tudo sobre esse município, que tem as matas nativas mais conservadas entre todos os outros da Serra Catarinense. Sua missão, portanto, era investigar a pequenina cidade de pouco mais de cinco mil almas, localizada praticamente nos limites da Serra Catarinense, com uma orografia ímpar, pois suas montanhas se ramificam entre as serras Geral, Caraguará e Cafundó, além da Serra de São Filipe e a Serra do Areial. O município de 567 quilômetros quadrados possui matas cerradas, com densas florestas de madeiras nobres e muitas araucárias centenárias. Mas sua economia está mesmo presa à produção agrícola de abóboras, e isso fez com que ficasse conhecido como a “Capital da Moranga”. Bem, foi esse o curto relatório que meu fantasma amigo me apresentou, quando chegou em Piratuba já bem tarde da noite, porque levou muito tempo para encontrar todas essas informações, pois se deparou, no alpendre da antiga e maltratada residência colonial, uma linda alma penada, por quem – e ele me disse isso com os olhos esbugalhados de fazer dó – quase se apaixonou perdidamente...
Bem, sobre Piratuba esperem mais notícias, brevemente.

21 de fevereiro de 2007

UMA VISITA MUITO RÁPIDA




Hoje, duas coisas aconteceram, o que fez com que minhas visitas aos municípios vizinhos de Lages, na Serra Catarinense, ficassem prejudicadas. A primeira foi a intensa chuva que começou fininha, com um céu azulzinho no horizonte sul, mas foi engrossando até cair forte mesmo.
A segunda foi a pirraça que o meu amigo fantasma fez, quando soube que as três senhoras do último passeio tornaram a pedir uma carona para tentar passar o tempo, na manhã nublada, molhada e, porque não dizer, enfadonha, no Hotel do SESC, onde estávamos. Não que a Pousada Rural, como é chamada e conhecida, ofereça poucas opções de lazer, isso não! Lá há bastantes atividades e os recreadores são muito alegres e estão sempre improvisando, tornando a estada de todos muito agradável. Mas chuva para turista e principalmente no verão é a coisa mais chata do mundo!
Partimos em direção a Capão Alto, a poucos quilômetros de Lages. Tomamos a BR-116 Sul e entramos na SC-458, na altura do quilômetro 268. Chegamos logo. Chamou minha atenção, na entrada da cidade, o cemitério municipal, um tanto grande para uma cidadezinha de pouco mais de três mil habitantes. Parei, saltei do carro e fui verificar se não fora ilusão de ótica. Era mesmo grande! Muitos túmulos antigos apresentam datação do fim do século XIX, quando o povoado foi fundado, em 1899. Percebi que o "campo santo" era enorme porque lá estavam , descansando eternamente, quase todos os primeiros gaúchos, lagunenses, italianos e turcos, que vieram do Rio Grande do Sul e se uniram aos nativos da região, para, juntos, desenvolverem a agricultura, a criação de gado leiteiro, o cultivo da maçã, naquele verde capão de matas nativas de araucárias, a mais de mil metros de altitude.
Foi, justamente, quando observava a morada santa das almas que notei a falta de meu amigo fantasma. Não querendo assustar as minhas três turistas idosas, tentei chamá-lo, disfarçando o mais que podia, pois o vi no meio dos mausoléus, cruzes, vasos floridos, sepulturas simples e covas rasas, rasteiras, com capim alto e poças d’água, encharcando as aléias daquele centenário cemitério. Em vão. Deixei de lado meu diáfano e imaterial amigo e parti para o centro da cidadezinha.
Capão Alto só tem uma praça e duas ruas, bem às margens da SC-458, no início de um caminho que leva para o oeste do Estado, até o município de Anita Garibáldi, a possibilidade de integração entre os inúmeros centros produtores e as grandes praças de distribuição das riquezas telúricas de Santa Catarina.
Voltamos para Lages, deixando meu amigo fantasma no seu meio, entre seus pares, alegre e faliz, conforme soube, tarde da noite, quando, sussurando em meu ouvido, disse que havia encontrado a alma penada de um italiano de Gênova, contra-parente de um bôbo-da-côrte, muito amigo seu, que viveu, há muitos e muitos anos, no Castelo de Monte-Mor-O-Novo, Algarve, no Portugal alegre de sua infância...

20 de fevereiro de 2007

CORREIA PINTO FUNDADOR DE LAGES




Ia me esquecendo de dizer que antes de sair para o Planalto Serrano Catarinense, recebi um comunicado telepático de meu fantasma amigo, dizendo que havia chegado a Florianópolis num vôo de classe econômica, vindo de Portugal. Como vocês sabem, essa figura assombrosa mas amiga viajou comigo durante muito tempo por terras lusitanas e frequentou muitas de minhas crônicas no jornal da cidade do Porto, O PROGRESSO DA FOZ. Meu amigo branquinho chegou a morar comigo aqui no Brasil e passeamos por lugares lindos, onde o astral dos trópicos e das terras visitadas suavizou muito sua sina de alma errante. Mas voltou para seu vetusto túmulo quando soube da derrubada da ala norte do último castelo que habitou nas encostas da Serra do Buçaco, sítio de magníficas águas minerais, famoso desde os tempos da reconquista das terras ocupadas pelos mouros. Pois bem, ele quis porque quis que eu o apanhasse no aeroporto da Capital. Sairia de uma bolsa de mão de uma senhora, toda de preto, que o trazia desde Lisboa. Não foi difícil encontrá-lo. Levei-o para o porta-luvas de meu carro e fizemos a terceira viagem em torno dos municípios serranos que circundam Lages. Esperei a chuva miúda parar, o chão secar, o mormaço aparecer, o sol ensaiar um sorriso e abrir, no céu cinzento, nesgas de azul... Parti. A cidade de Correia Pinto, a vinte e cinco quilômetros de Lages, fica à beira da BR – 116, entre onde eu estava hospedado, na Pousada Rural do SESC, e o município de Ponte Alta. Correia Pinto foi o fundador de Lages, como já mostramos em crônica anterior e o município herdou seu nome em homenagem àquele insigne desbravador. Correia Pinto foi criado em 1982, quando se emancipou de Lages. Possui aproximadamente 16 mil habitantes e tem sua economia subordinada, praticamente, à industrialização da celulose, por isso mesmo, é considerado a "Capital do Papel". Sua área rural está repleta de extensas plantações de "pinus elliotis", dando uma visão verdejante aos vales e ao planalto serrano. A agricultura, a pecuária e a apicultura completam a riqueza da região.Mas foi justamente quando visitei o que, nos folhetos da Secretaria de Turismo do Município, aparece como um dos principais "Pontos Turísticos", é que a coisa, como se diz vulgarmente, ficou preta. Estava eu nesse dia com três senhoras no carro, a quem resolvi convidar para o passeio. Elas aceitaram e partiram conosco, felizes e animadas... Perguntei a um morador como chegar às "Águas Sulfurosas". Explicado o caminho, partimos para a "atração turística", que deveria ser muito interessante, pois fontes termais e fontes de águas minerais criam sempre expectativas e ansiedade, pois água é a fonte da vida - não é mesmo ? - diziam as doces senhoras, até então, encantadas com o passeio. Mas ao chegarmos, que decepção! Um cano escuro no meio de um lamaçal, com touceiras de capim em volta, limo verde e lodo escuro, um filete d’água correndo para um rio turvo... que horror! Mas, de qualquer modo, bebemos alguns goles da água sulfurosa. Deixei até minha assombrada companhia lamber minha mão em concha, com aquela água de cheiro forte... Ele gostou, mas não se conteve em ver tudo aquilo abandonado, numa total falta de iniciativa administrativa da Prefeitura, despreparada para o turismo receptivo. Imediatamente soltou um urro do outro mundo de desaprovação, que deixou minhas convidadas em estado catatônico. Elas nada entenderam e chegaram ao hotel pálidas, com as mãos na barriga, correndo desesperadamente, para o banheiro.


ATÉ BREVE

ESTOU NO MEIO DO ESTADO DE SC.


O município de Lages fica no centro do Estado de Santa Catarina. Por aqui passaram os tropeiros que iam das planícies dos Pampas do Rio Grande do Sul, levando gado para Soracaba, São Paulo. Muitas histórias aconteceram nestes campos verdejantes, hoje descaracterizados de sua vejetação primitiva, sem as lindas araucárias, mas com imensas plantações de pinus, em reflorestamentos formidáveis, para alimentar as indústrias de papel... Mas o próprio município se descaracterizou lingüisticamente, pois é grafado com -G- em vez de -J-. Do dendrocídio ao esquecimento etimológico, tudo aconteceu por aqui... Quanto à grafia do nome do município, talvez tenha predominada a tradição que, no século XIX, levou nossa ortografia por uma vereda pseudo-etimológica. Também encontramos nos escritos do século XVIII as forma "Lagens" e "Lajens", locativos dessas plagas, como constam em documentos que atestam a fundação da cidade. A História de Lages inicia-se em 1766, quando o governador da Capitania de São Paulo - antiga proprietária da região - incumbiu o bandeirante Correia Pinto de fundar um povoado. A localidade devia servir como defesa contra a invasão dos castelhanos que cobiçavam as terras, ao mesmo tempo em que oferecia proteção aos tropeiros e viajantes que cruzavam o Planalto Serrano transportando gado do Rio Grande do Sul para São Paulo. A fundação do povoado de Nossa Senhora dos Prazeres dos Campos das Lajes foi oficializada em 22 de novembro de 1766. Em maio de 1771, a povoação foi elevada à categoria de vila, permanecendo assim até 1820, quando foi desanexada de São Paulo e passou a fazer parte de Santa Catarina. O antigo nome só foi substituído por Lages em 1960, e foi grafado com –G-, contrariando as regras ortográficas em vigência. Mas é por estas bandas que costumo passar os feriados prolongados, por me sentir dentro da história verdejante desse lugar de clima ameno no verão e bem frio no inverno. Fico na Pousada Rural do SESC, recomendada por todos os excelentes predicados naturais e pelo fabuloso calor humano, dispensado aos hóspedes, por seus educados e preparados funcionários... Estas paragens ficam bem perto dos Campos de Cima da Serra Gaúcha e dos Prados Paranaenses do monumental planalto brasileiro, rota obrigatória da passagem dos tropeiros, verdadeiros povoadores do grande pedaço da Capitania Hereditária do sul do Brasil. Venho sempre para estas bandas e aqui convivo com o povo de Lages, simpático e hospitaleiro. Que assim permaneçam estas plagas por muitos e muitos anos... Amem!

19 de fevereiro de 2007

DE LAGES A SÃO JOAQUIM





SÃO JOAQUIM É CONSIDERADA A CIDADE MAIS FRIA DO BRASIL, CHEGANDO MESMO A NEVAR, MAS, NO VERÃO, AS TEMPERATURAS SÃO AMENAS.

Hoje terminei meu roteiro para poder usufruir com tranqülidade, dentro do possível, a estada na Serra Catarinense. São dezessete municípios em torno da cidade de Lages para onde me dirigi, gozando as férias de fevereiro. Esses dezoito municípios serranos, catalogados pela Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Esporte de Santa Catarina merecem a visita do viajante para percorrer as paisagens maravilhosas desse recanto brasileiro e, sobretudo, para conhecer seu povo trabalhador e ordeiro. O turista irá se entusiasmar, não só com a acolhida, mas, principalmente, com a exuberante natureza, guartiã de uma história de muitas lutas e heroísmos.

Como escreveu Paulo Ramos Derengoski, "o Estado de Santa Catarina lembra todos os países do mundo. Tem praias como na Espanha, ilhas tal na Grécia, festas como na Alemanha, balé como na Rússia, comida e música tal na Itália. Mas a Serra Catarinense é única".

Ontem iniciei meu périplo por esses sítios, tentando aproveitar o clima ameno do verão, mesmo sabendo que poderia encontrar incríveis variações climáticas - pois o tempo está mesmo doido - , como de fato ocorreu quando subi de Lages para São Joaquim. Se os campos do altiplano desmatados enchem de tristeza o coração do viajante, o desenvolvimento do povo daquela região contrabalança a gana de ver o verde sumindo, dando lugar a pastos abandonados... A alegria chega então, quando vemos as fazendas, no entorno da "Cidade das Neves". Elas são verdadeiros indicadores da pujança econômica, cultivando de modo racional e científico a maçã, a batata-semente, a uva, além de dar à pecuária e à extração da madeira um desenvolvimento sustentado, através de políticas racionais e inteligentes, incrementando, inclusive, o turismo rural. O acesso a São Joaquim, a partir de Lages, pela SC - 438, está em bom estado de conservação, mostrando que é assim mesmo que o poder público deve atuar nesse caso, levando aos brasileiros progresso e felicidade...

Valeu a pena a incursão, mesmo sem ter a ajuda de São Pedro, que mandou uma chuvinha fina e soprou, benevolente, um ventinho frio, mas gostoso, pra cima de nós todos.

Aguardem notícias de outros passeios.

11 de fevereiro de 2007

COISAS DO FUTEBOL - COISAS DA LINGUAGEM



Aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo - Aconteceu no final da partida de futebol. Na gíria da língua geral, diz-se quando algo só foi resolvido no último instante possível.
Agora é só correr para o abraço - Expressão usada por muitos narradores de partidas de futebol, pelo rádio ou pela televisão. Mais uma vez, o prestígio desse fabuloso esporte de massas faz reproduzir na gíria da língua geral essa expressão, quando alguém fez tudo certo e agora só vai receber os cumprimentos pelo que realizou, comemorar.
Bate um bolão - Diz-se de um jogador que está atravessando uma excelente fase. Na gíria da língua geral, diz-se quando alguém que é muito bom em determinada coisa.
Bater na trave - A bola quase entrou na meta, mas não foi gol. Essa imagem do futebol fez surgir na gíria da língua comum o sentido de quase acontecer/conseguir algo.
Chutar - No futebol é tocar na bola com força, numa direção qualquer. Na gíria da língua comum é desprezar alguém; afirmar alguma coisa sem ter certeza, mentir.
Comer (a) bola - No futebol significa jogar muito bem. Passou para a gíria da língua comum como: a) falar ou fazer algo inconveniente sem perceber; b) vacilar, deixar alguma chance passar ou ser enganado.
Dar bola a - No futebol é lançar a bola a um jogador companheiro. Na gíria comum é dar confiança a; dar entrada a, para namoro (aplica-se às mulheres).
Deixar fora da jogada - Um drible desconcertante deixa o adversário completamente fora da jogada, mesmo! Na gíria da língua geral é excluir alguém.
Deixar no banco - O técnico pode contar com alguns jogadores para serem usados durante o decorrer do jogo. Eles ficam sentados no banco. Na gíria da língua comum é deixar algo/alguém em segundo plano.
Entrar de sola - Jogada brusca, punida pelo juiz com um tiro direto. Na gíria da língua geral é ir direto ao assunto, sem fazer cerimônia.
Ficar/deixar pra escanteio - No futebol é um recurso legítimo para se desfazer da bola, jogando-a pela linha de fundo. Na gíria da língua comum significa deixar algo/alguém de lado, esquecido.
Freguês - No futebol, diz-se que um time é freguês do outro, quando uma equipe perde seguidas vezes para esse outra equipe. Do futebol passou para a gíria da língua comum, em qualquer situação em que ocorra um insucesso constante.
Marcar um gol - Do futebol para a gíria da língua geral, com o mesmo sentido. Neste caso presentifica-se o grande prestígio de futebol, influenciando falares neutros. Portanto, significa conseguir atingir um objetivo, principalmente quando foi difícil conseguir tal coisa.
Na marca do pênalti - No futebol significa que a bola está preste a entrar no gol adversário, pois pênalti é coisa que não se perde... Na gíria da língua comum significa última alternativa para alguma situação, única maneira de se resolver algo; quando alguém está pronto para tomar alguma decisão importante.
Pendurar as chuteiras - O jogador, que se aposenta, pendura seu instrumento de trabalho, as chuteiras. O prestígio do futebol estendeu esse significado para todas as profissões, num linguajar de gíria. Aposentar-se.
Pimba na gorduchinha - (Ver GORDUCHINHA) Expressão criada pelo locutor Osmar Santos. Pimba é o chute. Gorduchinha é a bola. A expressão saiu do futebol e significa, na gíria comum, ter de fazer algo rápido por falta de tempo, equivalendo a uma outra gíria vapt-vupt, também recuperada pela linguagem dos meios de comunicação (de um programa humorístico), numa espécie de pingue-pongue de usos distintos desses termos.
Pisar na bola - Diz-se, no futebol, que isso é coisa de quem não sabe jogar. Ora, onde se viu alguém pisar em cima da bola. É tombo certo! Logo, na gíria da língua geral, quando alguém pisa na bola, é sinal de que fez algo errado, condenável.
Tá na área e se derrubar é pênalti - É claro que se isso acontecer num jogo de futebol, é pênalti, mesmo. Na gíria da língua geral: é quando falta só um detalhe para alguma coisa ser concluída.
Tirar o time de campo - Quem manda o time sair de campo se responsabiliza por esta indisciplina e desiste da competição. Assim, reproduz-se, na gíria da língua geral, com o sentido de desistir de algo.
Um a zero para mim - É um placar (V.) minguado, mas vale uma vitória... A gíria da língua comum se apropriou disso e diz que é quando alguém está em uma situação de vantagem.
Vestir a camisa - Com o advento do profissionalismo no futebol, os jogadores passam, constantemente, de um time para outro, assinando contratos novos, ao fim ou no meio de algumas temporadas. Assim, perde-se o romantismo do ideal e amor a camisa do clube, objeto emblemático, ícone verdadeiramente desencadeador de paixões e delírios, amor e deslumbramento pelos clubes. Hoje, isso é muito raro. As cenas de jogadores que mudam de time, beijando a camisa da nova equipe é um ato mais de marketing do que de sinceridade, fidelidade, intimismo ou amor verdadeiro. Na gíria da língua comum, diz-se de quem acredita e defende alguma coisa, algum ideal.
Zona do agrião - Expressão criada por João Saldanha. Refere-se à grande área, local onde ocorrem jogadas importantes para o ataque e para a defesa. O local (zona) onde é plantado o agrião é um local pantanoso, portanto perigoso de se pisar. Com esse sentido é usada na gíria comum.

PARA A LUA ESCUTAR


Fernando Maia está lançando seu primeiro CD.
Todas as músicas são de Fernando Maia e as letras de Luiz Cesar Saraiva Feijo, Emanuel Marques Porto Cortês, Roberto NascimentoAntônio PM e Robertson Tilscher.
FICHA TÉCNICA
Produzido por Carlos Savalla
Voz - Fernando Maia
Piano e Teclado - João Coutinho
Baixo e Violões - Garrafa
Percussão - Pablo Savalla e Carlos Savalla
Sax e Flautas - Zé Carlos (Bigorna)
Violão em "Estrelinha" e "Contemplar" - Fernando Maia.
Gravado e mixado nos estúdios "Pablo's House" por Carlos Savalla
Masterizado na Digital Master Solutions por Luigi Hofler
Projeto Gráfico - Pistache Design.
Dentro de poucos dias, você poderá ouvir trecho de algumas músicas, clicando o ícone específico neste BLOGGER. Aguardem.
Pedidos e informações: lcfeijo@uol.com.br

UM CASO MUITO ESTRANHO


Mais uma crônica do cotidiano de Luiz César Saraiva Feijó

Ele já não saía pelas manhãs para o trabalho. Parecia que andava doente. Os filhos também não eram vistos e só se tinha notícia do paradeiro daquela família, quando a empregada deles, diga-se de passagem, muito ignorante, vinha jogar o lixo fora. Aí conversava rapidamente com quem estivesse por lá. Ela que não caísse na besteira de dar com a língua nos dentes, dizendo que o casal brigava a toda hora, um batendo no outro...e tome tapa!. Um dia chegaram até a se comportar como cães no cio. Era dentada pra todo o lado... Um berreiro infernal! Se a infeliz da criada falasse alguma coisa para alguém do Condomínio, estaria na rua no mesmo instante. Como as coisas andam pretas e ninguém consegue emprego mesmo, ela não falava nada do que acontecia, lá em cima, no alto do edifício, onde o bancário morava com a mulher e seus três filhos. Ele trabalhava numa agência longe do centro da cidade, quase em outro município. Dizem que foi parar lá por castigo, pois isso é o que acontece com os funcionários públicos chatos e sempre da oposição... Ele era um porre! No condomínio não se dava com ninguém. Até aí, tudo bem, porque cada um constrói a sua história de vida e imprime a ela o seu modo de viver. Por outro lado, cumpria rasoavelmente o regulamento do prédio e não cometia nenhuma falta grave, só umas muito leves, como dizia a oposição. Mas ele escondia muita coisa, sim, senhor! Sua história era muito esquisita e não agradava a ninguém. Era muito antipático. Tinha um discurso gongórico e sua fala oblíqua, dissimulada, muito estranha mesmo, irritava os seus interlocutores. Mesmo com todos esses predicados às avessas, chegou a síndico do Residencial Palmeiras Verdejantes, onde comprara seu apartamento, num dos últimos andares da Torre Sul.
Vocês sabem como é a vida num condomínio. Todos querem mandar e ninguém quer respeitar nada. Mas ser síndico ninguém quer... Aí o cara foi eleito, creio que só para todos falarem mal dele, com toda a razão, porque, besteira é o que ele sempre soube fazer. Depois de eleito, foi uma tristeza. Não houve mais paz por aquelas bandas. O cara não resolvia nada. Não decidia coisa alguma. Não pagava os fornecedores em dia, mesmo com a caixa cheia de dinheiro, pois a receita do condomínio era muito boa. Não fazia isso por mal. Era indeciso, titubeante, desconfiado, pegajoso, um nojo. E, com esse peculiar modo de ser, o pobre coitado ia levando sua vidinha. Economizava umas ninharias, pois estava isento de pagar a cota condominial, além de receber meio salário mínimo, pleiteado para ajudar seus deslocamentos de ônibus até ao centro da cidade, e ficava, a cada dia que se passava, mais zura ainda. Sua mulher sofria muito com a avareza do pobre diabo. Queria um carro mais novo e nada. Queria umas roupas mais modernas, e nada. Desejava passar os feriadões nas belas estâncias da serra, e nada. Assim era aquela triste figura, porque seus atos sempre materializavam um comportamento estranho e diferente, nas mínimas coisas que fazia. Sabemos, por outro lado, é verdade, que ninguém tem o poder de ver o íntimo de seu próximo com os olhos da pureza, privilégio dos santos. Portanto, se algum condômino daqueles tempos distantes, idos e vividos, estiver me lendo, poupe-me de suas críticas.
O coitado deixava, com suas atitudes, sua família muito desesperada. Os filhos não podiam fazer nada que não estivesse dentro de um código de regras de comportamento, que nem os tempos medievais registraram. As duas meninas eram as que mais sofriam. Até as roupas que usavam eram submetidas a uma aprovação prévia. Tudo o que não estivesse compatível com a sua moral, como calças apertadas, blusinhas que não cobrissem a barriguinha, shortes curtinhos e apertadinhos e muito mais, jamais poderia ser usado pela dupla. Conclusão. As gurias saiam de casa com uma roupa e trocavam logo, logo, dois andares abaixo, deixando tudo dentro de uma caixa de incêndio abandonada, um tipo de alçapão falso que um dia elas viram o pai, no início da função síndico, tentando estudar um meio de fechar aquilo tudo, mas nunca conseguiu escolher um entre os quase oitenta e quatro projetos que mandou preparar por firmas especializadas, inclusive uma que tinha sede no estrangeiro. Pois bem, as meninas trocavam de roupas naquela cafua e caíam na farra com os amiguinhos da escola, que moravam no mesmo do bairro. Parece que sua mãe tinha conhecimento de tudo e dava o maior apoio a elas, pois era também uma sofredora e passara maus momentos na companhia daquele traste, figura estranhíssima em todos os sentidos, diga-se mais uma vez, a bem da verdade. A mulher nunca aprovou o relacionamento do marido com as filhas. Digo isso movido por sintomas, pois, como gosto de sublinhar, ninguém pode ver o mal que se esconde nos corações humanos. Creio que nem o Sombra, personagem do antigo programa da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, dirigido por Álvaro Aguiar e que Hollywood transfigurou num filme de suspense, dirigido por Russel Mulcahy. Pois bem, a infeliz patroa – era esse o título que ele dava à esposa - já não agüentava mais a vida sofrida que levava e tudo piorava nas crises terríveis de avareza, deixando a coitadinha sem um vintém no bolso para pegar uma condução sequer, além de ser proibida de falar com qualquer homem do prédio. Uma loucura. O cara era também muito ciumento. Mas como não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe, a primeira dama do Residencial Palmeiras Verdejantes deu seu grito de independência. Aí é que a vaca foi mesmo pro brejo. O homenzinho pirou de vez. Ela passou a sair de casa pela manhã e só voltava altas horas da noite, sempre saindo de dentro de um carrão preto. Que luxo!
Então, o silêncio da noite passou a ser quebrado, lá nos últimos andares e a discussão passou a comer solta. A vida do síndico era, a cada dia que passava, uma agonia sem fim. Seu humor, cada vez mais em frangalhos, deixava-o abatido e agressivo com todos. Mas a mulher não se intimidava. Escancarou e mandou ver!
Um dia, depois de quase uma semana à espera da mulher, que disse ter ido à casa de uns amigos para descansar, financiada pelas economias da filha mais velha que sempre ganhava uns cobres dos avós, o cara desceu lá do alto de seu apartamento, abriu a porta principal do saguão de acesso ao Residencial, sentou-se num pedestal inacabado, que desde a sua posse como síndico estava destinado a receber uma caixa de correios, e iniciou uma greve de fome. Ficou lá durante alguns dias à espera da mulher e, por incrível que pareça, passou a ser muito bem tratado por todos, que compreenderam perfeitamente a sua aflição, o seu desespero, a sua agonia, o seu calvário. Ele se recusava a aceitar qualquer ajuda. Mas ali não poderia ficar eternamente. Foi levado à força – pura maneira de dizer - para o seu apartamento pelo morador do primeiro andar, um médico de renome na região, que lhe botou uns remedinhos na boca e o deixou na cama. O síndico se recusava terminantemente a se alimentar. Dava um trabalho danado aos filhos e à empregada. Ninguém o visitava. Só aquele médico de renome que iniciou um tratamento intensivo, à base de medicações modernas e que deram certo em casos semelhantes, segundo relato posterior às autoridades. Sua mulher sumiu. Ficou para sempre na casa de um amigo, bondoso e bonitão. Os filhos repetiram o ano na escola. O Residencial ficou abandonado por algum tempo. Uma bagunça. Um horror!
Os condôminos só souberam do desfecho desse estranhíssimo caso, quando a tal empregada deles noticiou a todo mundo, ao anoitecer de um domingo, que seu patrão já estava bem de saúde, quando morreu, pelo início da manhã. De repente. Mas bem melhorzinho...









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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.