“Urutu” é um óleo sobre tela, de 60
x 72 cm, pintado por Tarsila do
Amaral em 1928, portanto, com 86 anos agora. Urutu é o nome de várias espécies
de cobras da “família crotálidas”.
Vamos à composição desse belo quadro de nossa pintora modernista.
O conteúdo pictórico apresenta-nos, em um único plano, um ovo branco dominante,
a cobra-grande (urutu), cor de cobre, enroscada em um símbolo fálico vermelho e
preto de cabeça para baixo. Fundo azul-chumbo e terra verde. Esta composição
está comprometida tematicamente com o movimento antropofágico, mutação do
movimento Pau-Brasil.
O movimento
antropofágico, só para ficar bem registrado, teve como líder Oswald de Andrade,
que o redigiu, assinou e o datou: ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.
Reconheço que esse movimento fora estudado nas escolas de nível médio e aparece
redigido em compêndios didáticos de Literatura Brasileira, para o grande
público, como um movimento de características bem simplistas e factuais, não
interpretadas à luz de suas verdadeiras pretensões, ditas sobre o que é
manifesto e esquecidas quanto ao que é latente. Assim, entendemos a
antropofagia oswaldiana como uma nova utopia. Oswald de Andrade recoloca o posicionamento
freudiano na transformação do tabu em totem. Trata-se de uma revisão da ótica
freudiana. O tabu, proibição, é desmitificado ao ser explicitada a sua
representação. Totem seria a manifestação exterior de parentesco; animais,
vegetais, fenômenos naturais etc. Relações teológicas e de parentesco. O totem
estaria vinculado à estrutura matrilinear de parentesco e sua adoção visa
evitar o incesto. O tabu seria o mistério, a proibição tácita, o sagrado,
estabelecendo relações teológicas e de parentesco, vinculado à estrutura
patrilinear de parentesco. Sua adoção, da mesma forma, visa evitar o incesto.
Então, sob a ótica freudiana, o totem é substituído pelo tabu na evolução dos
grupos tribais, para que a repressão seja simbólica, evidenciando e tornando
sobredeterminado o nome do Pai. Isto, segundo Freud, construiu a nossa cultura,
dita civilizada. O que fez Oswald de Andrade? Colocou Freud de cabeça para
baixo. Sob a ótica de Oswald, o tabu fora substituído pelo totem. Assim, o
matriarcado de Pindorama somou-se ao mito grego da plenitude da Idade de Ouro,
para ser afastada a repressão simbólica, o nome do Pai, de nossa cultura, dita
civilizada, onde tentou fazer a releitura da Escola pela Selva. Mas, como só a
manifestação exterior, que é o totem, explicita o tabu, isso retira a
interiorização da Lei, logo é uma utopia, porque o incesto é proibido tanto no
totem, como no tabu. Portanto, é sob estas considerações que devemos analisar e
interpretar o quadro “Urutu” de Tarsila do Amaral, não esquecendo que o
movimento Pau-Brasil foi um grande impasse e o movimento antropofágico foi uma
utopia. Seguindo:
Podemos
dizer que este óleo sobre tela comportaria a seguinte legenda: A cobra-grande
engole o Ovo de Colombo.
O símbolo
nativo e seu totem fálico, representando a Selva, deglutindo a Escola,
simbolizada pelo Ovo de Colombo, é o marco da dominação europeia. Neste discurso
antropofágico, Tarsila do Amaral coloca-se sob a ótica oswaldiana, substituindo
o tabu pelo totem, explicitando um ideal social de liberdade, característica do
matriarcado de Pindorama (entenda-se Pindorama como o nome gentílico do Brasil).
Se a manifestação exterior, o totem fálico, que o “Urutu” segura, explicita o
tabu (mistério) imposto pela cultura europeia, a repressão simbólica da nova
estrutura social estaria afastada, pois teria sido deglutida pela Selva, que
impõe, agora, novos valores, liberando o desejo louco. Assim, os objetos
básicos da gênese da vida estão simbolizados nessa concepção pictórica de
Tarsila do Amaral, como diria Roberto Pontual, “onde o universal se
particulariza e o popular se funde no erudito”.
ATÉ A
PRÓXIMA
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