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31 de março de 2015

A língua falada e a língua escrita nos veículos de comunicação de massa




A língua falada pode seguir dois destinos. Um será o de se perpetuar. Ela se perpetua nos textos literários de inúmeros autores, até recentes, onde se pode ver, às vezes, um linguajar já caduco, na fala de personagens que usam termos, expressões, gírias e frases feitas, que nós não mais entendemos de pronto. Também nas obras de autores de antigamente vamos encontrar muitas palavras que hoje não fazem mais parte do léxico ativo da língua, mas os termos da língua falada lá ficaram registrados. Isso é muito bom!
O outro destino da língua falada é ficar sem nenhum registro escrito. Expressões populares e muitos termos podem se perder sem deixar vestígios. Enquanto a tradição oral existir nas sociedades menos complexas, alguma coisa desse acervo oral pode ficar resguardada da destruição, isto é, do esquecimento total. Mas será por pouco tempo. E isso é péssimo!
A língua falada por uma sociedade civilizada pode se apresentar sob a forma de registro oral e de registro escrito.
O povo vai imprimindo na língua que fala suas maneiras peculiares de dizer as coisas. Vai-se expressando como aprendeu ao berço materno e à escola. De acordo com sua posição na segmentação social a que pertence, vai-se expressando, ora respeitando as regras conscientemente incorporadas, ora desrespeitando-as por completo. Assim, obedecer aos padrões rígidos da língua é se expressar pela norma-padrão do idioma. Mas só aqueles que têm linguagem adquirida (1) é que por suas regras se expressam e, mesmo assim, com muitos deslizes na linguagem descuidada do dia-a-dia, quando, por exemplo, se emocionam ou se estressam. Portanto, “as diferenças entre linguagem escrita e linguagem oral permitem-nos falar em norma da escrita e norma da oralidade, aproximando-se a primeira do que Bally definiu como língua adquirida – a que se aprende na escola – em oposição à língua transmitida – aprendida natural e diretamente no seio da família” (2). Isto significa que tanto a linguagem escrita quanto a linguagem oral são balizadas por uma norma-padrão, expressão culta, identificada com o poder dominante de uma sociedade estruturada, definida e organizada. Qualquer transgressão a esta norma-padrão será considerada como um desvio linguístico. Segundo Eugenio Coseriu, a norma caracteriza-se como “um conjunto de traços distintivos, impostos por uma tradição cultural e social” (3). Norma-padrão, portanto, será este conjunto de traços distintivos, elevado à estatura de modelo.
Por tudo isso, qualquer transgressão, repetimos, será considerada um desvio linguístico, tanto na linguagem escrita, como na linguagem oral. Esta ocorrência deve-se a problemas de interferências extralinguísticas no processo de atualização da língua, isto é, a materialização da “langue” em “parole”. Tal processo de atualização denomina-se “desempenho”, ou seja, o uso que fazemos da língua, resultado de numeroso complexo de fatores linguísticos e extralinguísticos. Afinal, desempenho é “aquilo que efetivamente realizamos quando falamos ou ouvimos, ou escrevemos, ou lemos” (4).
Portanto, deve-se sempre salientar que as transgressões à norma-padrão da língua se efetivam, tanto no registro oral, como no registro escrito, isto é, tanto há transgressão à norma culta quando se fala, como há, quando se escreve. Essas transgressões ocorrem porque um determinado contexto influencia vertiginosamente os conteúdos informacionais do sintagma frasal, forçando uma modificação significativa (alteração), em prol de maior expressividade e de melhores informações. O desgaste contínuo da informação, motivado pelos padrões sígnicos estruturados do sistema linguístico, sempre com a mesma “fórmula”, força as mudanças, que ocorrem em nome dessa exigência categórica do contexto. Desvio, portanto, é a pressão do contexto sobre o texto.
Desta forma, comungamos com o pensamento de Edite Estrela e com o de Pinto Correia, quando afirmam que “o desvio, que, para nós, não contém qualquer conotação negativa tem de ser entendido como a alteração justificada no enunciado, de acordo com a intencionalidade do sujeito enunciador ou do extracontexto da enunciação, em relação ao rigor e à neutralidade canónicos da norma” (5).
Assim, os responsáveis pelos desvios linguísticos, tanto na língua oral como na língua escrita são as diversas e múltiplas situações extralinguísticas existentes no contexto social. Quanto mais complexa for a sociedade, maiores e mais numerosas serão as solicitações extralinguísticas; logo, maiores serão as possibilidades inevitáveis de desvios de inúmeros tipos: no subsistema fonético-fonológico, morfo-sintático-lexical e semântico de uma língua.
É importante, agora, tentar apontar as principais situações extralinguísticas, responsáveis pelo desencadeamento dos desvios. Antes, porém, parece necessário dizer que os desvios linguísticos são os responsáveis pelo surgimento das chamadas linguagens especiais, que reúnem indivíduos (falantes/ouvintes), unidos por interesses, situações de trabalho, lazer, credo, profissão e atividades esportivas entre outras. São grupos de pessoas que agem de forma diferente, mas se expressam pelo mesmo sistema linguístico, que pode se apresentar desviante da norma culta da língua geral comum.
E quais são estes fatores extralinguísticos? São muitos e de diferentes origens.
Dependendo do “corpus” estabelecido para uma pesquisa captadora de desvios de um tipo de linguagem, haverá fatores extralinguísticos determinantes. Deve-se, aqui, atentar para a lição epistemológica de Leodegário A. de Azevedo Filho, que distingue CORPUS de UNIVERSO. Universo será uma dimensão ampla, heterogênea, abrangendo elementos até bem diversos, contudo, estruturalmente unidos por unidades contidas nas diversidades apresentadas. Já CORPUS será uma dimensão homogênea de elementos, unidos por unidades representativas, apresentando traços comuns em seus elementos constituintes. Se, por exemplo, o “corpus” escolhido for a linguagem dos esportes de massa, os fatores extralinguísticos serão os mass-media e suas atuações como agentes destruidores das regras e normas pré-estabelecidas. Destarte, é neles, nos veículos de comunicação de massa, que se devem procurar os desvios linguísticos, proporcionados por seus agentes: os locutores, comentaristas, repórteres e jornalistas das crônicas redigidas nos meios gutenbérticos, nas suas colunas especializadas de muitos jornais e revistas. Sem perdermos a linha do raciocínio, vamos prosseguir, mostrando que alguns desvios linguísticos imediatos, apresentam, por sua natureza, uma tendência de serem incorporados às subnormas emergenciais. É nessa tendência que se reconhece o estágio intermediário entre a transgressão e a norma. Os desvios aprisionados nesse limbo esperimentalista ficarão em quarentena, à mercê do uso, que os utilizará ou não, marcando, assim, seu sucesso ou seu insucesso. Ou se afirma ou cai no ostracismo e desaparece.
Os meios de comunicação de massa que vão ser os responsáveis pelas alterações na língua geral serão o rádio, a televisão, os jornais e as revistas. Nos dois primeiros, a língua oral vibrará intensamente e será, por sua própria estrutura volátil, muito mais afetada do que a língua geral utilizada nos dois últimos mass-media impressos, os jornais e as revistas, que trabalham com o registro escrito da língua. Os dois registros têm suas características intrinsecas. O registro oral, ou língua oral, é mais descuidado do que a língua ou registro escrito, e como já diziam os romanos, verba volant, scripta manent. São esses os meios de comunicação de massa que “falarão” a linguagem dos esportes, uns, transmitindo pelas ondas hertzianas suas mensagens e os outros, fixando no papel, seus lances e suas emoções envolventes.
Como o rádio e a televisão “falam” já foi demonstrado em nosso trabalho sobre a linguagem da gíria no futebol (6). Mas como “fala” o jornal?
O jornal é um meio mecânico de comunicação de massa, em oposição, por sua natureza, aos meios eletrônicos, rádio e televisão. Essa clássica dicotomia é mais didático-pedagógica do que, rigorosamente, técnica, pois hoje em dia, os jornais não se estruturam sem a informação, produzida por engrenagens sofisticadíssimas de mecanismos de toda espécie tecnológica. Este medium, o jornal, “fala” através de duas linguagens: a verbal e a não verbal, isto é, “fala” pelo código linguístico e pelo código não linguístico ou, ainda, pictórico. O que diz, diz por mensagens temporais, raras e redundantes, mais redundantes do que raras (7). Tem funções bem claras para “falar” a um público especial, que é aquele que descodifica a linguagem escrita. Isto limita seu destinatário, forçando-o a resolver esse importante ruído de comunicação. Suas funções estruturais básicas são: informar, formar, vender, prestar serviços e divertir (8).   Não há nessa ordem de apresentação a predominância de uma função sobre a outra e, na verdade, todas são, indiscutivelmente, cumulativas e necessárias à existência desse médium. Por tudo isso, o jornal terá que convergir sua “falação” para um público-alvo numeroso, alfabetizado, mas heterogêneo, de preferencias e gostos variados, público fragmentado e, principalmente, anônimo. Tem, ainda, de alcançar os que não decodificam a língua escrita, tornando-se redundantemente, material para ser usado em programas radiofônicos ou televisivos, onde os textos acabados dos jornais do dia são lidos e comentados, num exercício pleno de metalinguagem. Dissemos que o público do jornal, enquanto medium gutenbértico, era anônimo.  Anônimo não significa dizer que o retorno da mensagem esteja prejudicado ou inviabilizado. Quer dizer que as suas mensagens são dispersadas entre receptores que não as consomem imediatamente, podendo deixa-las em “Stand-by”, voltando a elas quando bem os aprouver. E mais, com isso o feed-back não é imediato, mas existe e deve ser considerado. Explicá-lo fica para outra ocasião, mas para não deixar no ar como isso acontece, lembramos que quase todos os jornais, diários ou não, possuem a seção CARTAS DO LEITOR. Eis aí o feed-back.
O jornal fala pelo código escrito e aí a linearidade do código linguístico impede a superposição de outros signos organizados, como ocorre no rádio ou na televisão, quando a fala de alguém pode surgir em primeiro plano, audível, e em “background”, outro som sustenta ou aumenta a emoção, tudo sempre adredemente construído. Isso não podendo acontecer no jornal, impõe a esse medium uma limitação à informação. A informação estará sempre na linha da sucessão do código apresentado graficamente. Não pode haver a superposição de signos. Portanto, o jornal “falará” por suas próprias mensagens. Mas temos de caracterizar estas mensagens quanto à sua natureza. A mensagem jornalística será sempre a informação, tratada ideologicamente, qualificada como notícia. Assim, a notícia será a “vedeta” da fala jornalística, pois ela, a notícia, é o que você ainda não conhece.
Por outro lado, no jornal cabem todos os tipos de discurso. Os discursos verbais e não verbais. Do texto linguístico às histórias em quadrinhos, ou, como se diz em Portugal, às bandas desenhadas; das fotografias às charges de todos os tipos; dos grafismos simbólicos (figuras, signos zodíacos, horóscopos, brasões clubísticos, iluminuras a cores ou preto e branco) aos gráficos matemático-financeiros; das reproduções de obras de arte às caricaturas ilustradoras de reportagens ou sátiras politicas ou religiosas e muito mais...
Sem dúvida alguma, o que mais significativamente caracteriza o jornal é a sua linguagem verbal, explicitada pelo código linguístico, naturalmente, materializado na forma de língua escrita, que o profissional da área, o jornalista, deverá dominar plenamente. Essa língua escrita deverá estar sintonizada com a norma culta do idioma, seja qual for o público-alvo a que o jornal se destina. Algumas exceções podem ser concedidas, quando é visível a intenção de transgredir o código linguístico, dentro de uma gramaticidade e aceitabilidade incontestáveis, apresentadas na formação das estruturas sobredeterminantes da “langue”, fluindo daí uma “parole”, identificada com personagens da vida real, retratadas ao longo da narrativa das reportagens, como um “marketing” de apresentação de um produto diferente. Em Santa Catarina, é o caso do popular “Diarinho”, jornal que traz as notícias da região do Vale do rio Itajaí-açu, numa linguagem baseada nas considerações acima. Formas esdrúxulas de produção jornalística à parte, vemos que todos os manuais orientadores dos alunos dos Cursos Superiores de Jornalismo dedicam vários capítulos ao ensino ou à revisão de temas ligados ao uso escorreito da língua e formas típicas de tratar esses mesmos assuntos, direcionados ao leitor. Mesmos no caso citado do jornal “Diarinho”, visto por muitos olhares críticos como uma produção “underground”, sua Direção dá a este veículo de informação um tratamento correto de buscas de seus objetivos básicos, como o de informar, formar opinião, prestar serviços, vender e divertir, apresentando, contudo, em sua linguagem estereotipada, todos os corretos funcionamentos das estruturas básicas do código linguístico. Se não, vejamos. Se perguntarmos a alguém em que língua o referido jornal se expressa, todos dirão, sem titubear: língua portuguesa.
Assim, se um jornal se afasta da norma culta e recai nessas veredas de linguagens típicas ou especiais, vê-se claramente que seu público-alvo também ficou bem definido. Por outro lado, dentro de um jornal, com linguagem basicamente culta, encontramos também seções que tratam temas populares (esporte, policial, prostituição) ou pouco intelectualizados, usando linguagem menos rígida, quanto à adoção das regras da norma culta. São afastamentos  bem setorizados da norma culta. Nas seções esportivas, dedicadas ao futebol, por exemplo, muitos jornais em Portugal apresentam crônicas apaixonadas, repletas de modismos, palavreado em baixo calão, léxico e sintaxe extravagantes, dificultando, muitas vezes, alguém, de fora daquele contexto, entender o que tudo significa. Justificando essa linguagem mais solta e mais livre, cito as palavras de Arnaldo Saraiva: “É bom que a energia de uma palavra não derive da magia ou da interdição, mas do bom uso dela, e do trabalho livre de quem a usa”, In: Bacoco é bacoco..., 1995, p. 131).
O jornal antes de ser palavra, texto, sintaxe é, também, organização mercadológica, envolvida num mundo plurifacetado de atividades especializadas, na busca de informação. Na busca da notícia, a informação que você ainda não conhece e tratada sempre ideologicamente. A estrutura administrativa do jornal-empresa é um universo de atividades variadíssimas, específicas, idênticas às diversas e modernas empresas capitalistas, que investem e vivem do retorno do capital aplicado, com seu lucro embutido. Às vezes, tudo pode sucumbir, não por falta de estruturação material, mas tudo rui quando a estruturação de outra ordem falha: a ordem que ordena a ética, por exemplo. A linguagem impõe, também, essa ordem ética. Por ela, a linguagem, a parcimônia, a reflexão e, sobretudo, a semântica vão alinhar o pensamento editorial com a incessante busca da verdade, quando tudo converge para o fato, para a informação, para a notícia, muitas vezes, pulverizada pelos inúmeros temas trabalhados. Temas esses quase que sobredeterminados pelo objetivo de se manter, o jornal vivo. E para isso o jornal tem de vender. E como o jornal vende? Seu público-alvo já está delimitado. É numeroso. Pertence a uma determinada faixa social de um poder econômico identificado e fiel às suas opiniões, conselhos e ideologias. Esse público tem um poder aquisitivo definido pelos institutos de pesquisa de opinião e é potencial consumidor de produtos e serviços, para empregarmos as expressões constantes das leis brasileiras que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (10). A propaganda vive desses elementos aglutinados e joga o seu “canto de sereia” nas páginas dos jornais, em forma de significativos apelos ao consumo. A propaganda oficial (a do Governo, em todas as esferas) não pode deixar de comparecer, sendo que, sob esse aspecto, estabelece-se, sempre, uma relação política entre as partes, que vivem em constante tensão, no eterno discurso da  dialética do poder. É pressão dos dois lados...
Assim sendo, pode-se perceber que há público para todos os assuntos e temas para todos os públicos. Diante disso a linguagem vai-se ajustando, consciente ou inconscientemente, a uma forma especial, peculiar, de dizer as coisas, dentro ou fora da norma linguística oficial. Essa forma peculiar de dizer as coisas, num primeiro momento, manifesta-se como um mero destoar em relação à linguagem oficial. À medida que se avoluma e se torna usual, transforma-se em desvio e, como tal, pode transmutar-se em subnormal. Neste movimento diacrônico, pode-se transformar em norma, fechando-se o círculo, começando tudo novamente, num tempo qualquer no futuro. Então, o olhar sincrônico da descrição linguística retoma a sua função crítica...
Portanto, se a língua oral e a língua escrita, de alguma forma, não forem estudadas em seus aspectos desviantes, os desvios poderão ser considerados “erros grosseiros”, “formas desprezíveis”, “tolices”, entre tantos outros epítetos discriminatórios. E o destino da língua falada é ficar sem nenhum registro escrito. As expressões, muitos termos, frases feitas completas perdem-se sem deixar vestígio. Isso, repetimos, é péssimo.
Finalmente, parece que os jornais acabam se transformando num útil repositório desses falares, no qual o pesquisador encontrará o material necessário para não deixar que muitas expressões linguísticas se percam integralmente. E, para que o destino da língua falada não seja desalentador, é necessário que se multipliquem as pesquisas sobre os falares do homem do povo, não só nos jornais (trabalho filológico), mas também nas inúmeras vozes eletrônicas, ou não, (trabalho linguístico) que atingem um numeroso público, como acontece com os variadíssimos programas de rádio e de televisão, que abordam temas vulgares e músicas populares, mas ricos em fraseologias inéditas, em neologismos, em estrangeirismos, em estranhamentos (11) e em desvios linguísticos de toda ordem. É o que acontece com a linguagem dos homens do esporte, como locutores e comentaristas das emissoras de rádio e televisão. E é, ainda, a linguagem dos jornalistas e cronistas esportivos que falam do futebol, nas páginas das seções especializadas de seus periódicos. Os jornais que apresentam este material, procurado por nossos olhos ávidos por encontrar termos e expressões desviantes, além de neologismos e estrangeirismos adaptados ou não ao novo sistema linguístico, podem registrá-los em suas mensagens temporais, mas isso ainda não é o bastante para se dizer que esses fenômenos estão suficientemente resguardados do esquecimento. Não. Só estarão se forem retirados de lá e analisados por outro discurso, esse, sim, espacial (12) e portador da credibilidade científica: o discurso universitário, acadêmico. Não é que seja somente esta forma de descrever estes objetos aquela que diga a verdade sobre os termos ou expressões desviantes, mas é a consagrada pela comunidade científica, com teoria e técnica, com investigação metodológica e, porque não dizer, também, com engenho e arte.
NOTAS
1-       Língua adquirida é aquela que se aprende à escola.
2-       Cf. ESTRELA. Edite e PINTO-CORREIA, J. David. Guia essencial da língua portuguesa para Comunicação Social, 3 ed. Lisboa: Editorial Notícias, s/d, p.20.
3-       Cf. COSERIU, Eugenio. Sistema, norma y habla, Montevideo, 1952; Sincronía, diacronia y tipologia, in: Actas del XI Congresso Internacional de Lingüística y filologia Románica, Madrid, 1968p 269-281; Lições de Linguística geral, tradução de Evanildo Bechara, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980, p. 119.
4-       Cf. PERINI, Mário. Gramática gerativa, Belo Horizonte: Ed. Vigília, 1976, p. 27.
5-       Cf. ESTRELA. Edite e PINTO-CORREIA, J. David, Op. Cit., p. 17.
6-       FEIJÓ, Luiz Cesar Saraiva. A linguagem dos esportes de massa e a gíria no futebol, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994, p. 53.
7-       Mensagem temporal é aquela que é veiculada pelo rádio e pela televisão, não ficando gravada por nenhum processo capaz de, posteriormente, reproduzi-la. Mensagem redundante é aquela em que a decodificação é automática e o repertório do emissor é igual ou semelhante ao repertório do receptor. Mensagem rara é aquela em que a decodificação não é automática, necessitando de alguma reflexão para o entendimento, pois o repertório do emissosr é diferente do repertório do receptor.
8-       Estas funções são as mesmas do rádio e da televisão. Cf. Rafael Sampaio, TV e Sociedade, in: Briefing, Ano 3. Nº 25, Set. 1980, p.61.
9-       Podemos, para o jornal, servir-nos da análise de Rafael Sampaio sobre a função de vender da Televisão: “a função de vender não é uma função para a sociedade como são as outras, nem existe em todos os países e em todas as emissoras.... é a função publicitária comercial, utilizada por anunciantes de todos os setores e tamanhos nos seus esforços de comunicação publicitária”. Briefing, Nº 25., 1980, p. 63.
10-    João Marcelo de Araújo Jr. (Da qualidade dos produtos e serviços, da prevenção e reparação dos danos) esclarece que a palavra “produto”, no Código do Consumidor, é empregada em sentido econômico como “fruto da produção”. Algo elaborado por alguém com o fim de coloca-lo no comércio, para satisfazer uma necessidade humana. “Serviço” é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista. In: Comentários ao Código do Consumidor, Orgs. José Cretella Júnior e René Ariel Dotti, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 57.
11-    Para Victor Chkloviski, figura de impacto do formalismo russo, “as palavras são usadas para transmitir um choque. Não há nenhuma motivação interna para sua escolha, qualquer termo poderia ali se encontrar desde que provocasse idêntico choque”. Luiz Costa Lima, Estruturalismo e teoria literária, Petrópolis, Vozes, 1973, p. 166-167.
12-    Mensagem ou discurso espacial é o que fica registrado por algum método de gravação ou impressão, podendo ser resgatado a qualquer momento.

               
 ATÉ A PRÓXIMA

26 de março de 2015

UMA FLOR AMARELA*






            Íamos em direção ao Algarve. Havíamos saído de Viana do Castelo bem cedinho. Como não conhecia o sul de Portugal, aceitei o convite de meu ex-aluno, em cuja casa estava hospedado, para ir à Universidade de Faro. Lá, poderia fazer alguns contatos importantes para a minha pesquisa. Não me arrependi.
            Em Vila Franca de Xira nosso veículo cruzou o Tejo e eu dois dedos da mão direita, para que nada acontecesse com a "carrinha" que disparava, agora, por um caminho estreito, já com algum trânsito, pois o conforto da autoestrada não mais existia.
            Alertei o Marcelo, inclusive para a possibilidade de sermos parados por alguma patrulha rodoviária. Mas nada. Não adiantou. O Marcelo não ouvia e, na pista, nenhum sinal de fiscalização. A paisagem seca e desértica que nos recebera até então, agora já nos mostrava suas verdes oliveiras, seus castanheiros carregados de ouriços afiados e muitos sobreiros em carne viva, o que me deixou, também, vermelho de raiva, pois não soube reconhecer, de imediato, a tradicional árvore da cortiça.
            Marcelo e sua "carrinha" infringiram, na estrada até Albufeira, todas as leis de trânsito, possíveis e imaginárias. Ultrapassagens proibidas e perigosas; excesso de velocidade; tráfego pelo acostamento; parada na pista para fotografar a terra queimada pela seca e alguns alentejanos em sua modorra, à porta de casas típicas e muito mais. Tudo em nome de uma ânsia aflitiva, para que conseguíssemos aproveitar todos os momentos e chegarmos cedo a Faro.
            Não posso dizer que, no fundo, no fundo, não tenha compartilhado daquela maluquice, digna dos meus tempos de adolescente, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, nos idos de 1960, quando era um "barato" participar de "rachas motorizados", proibidos pela polícia. Mas digo, também, que censurei meu ex-aluno, com toda moral de um mestre-escola dos tempos de antigamente. Ele compreendeu, penitenciou-se e não mais repetiu seus atos de vândalo do volante. Mudou seu comportamento da água para os bons vinhos do Alentejo. Parecia uma moça que tinha recebido recentemente a carta de motorista. Chegava a irritar...
            Mas na volta, em Ourique, acreditem. Depois de muitos quilômetros de viagem tranquila, ecológica, civilizada, rodoviariamente correta, muito tempo depois dos idos de 25 de julho de 1139, nos jardins do castelo, ou melhor, no miradouro do castelo, fui multado por um responsável pela guarda da cidade, que me flagrou colhendo uma linda flor amarela, quando a depositava nos pés do enorme bronze, no centro do lajeado, homenageando o fundador da nacionalidade portuguesa.
            Fui punido pela Lei, mas vi claramente o sorriso de agradecimento de D. Afonso Henriques do alto do pedestal de sua magnífica estátua.

 ANOTAÇÕES

1- “carrinha” - Termo que designa, em alguns lugares de Portugal, uma caminhonete utilitária de dois lugares na cabine e uma caçamba aberta, atrás.

2- "um barato" - Uma coisa ótima (gíria brasileira, muito usada no Rio de Janeiro).

3- "rachas motorizados" ou "pegas" - Corridas exibicionistas de automóveis, com acrobacias perigosas, em plena rua, com grande assistência e claque.

 4- 25 de julho de 1139 - Data da batalha em que D. Afonso Henriques obteve retumbante vitória sobre os Mouros, em Ourique.

5- Dom Afonso Henriques. Primeiro rei de Portugal, fundador da nacionalidade portuguesa.

* Esta crônica deu título ao meu livro publicado em 2005, com poucos exemplares numerados e que estará sendo, agora, 10 anos depois reeditado, neste ano de 2015 e será lançado em Balneário Camboriú, Blumenau, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e  Rio de Janeiro. Avisarei aos meus amigos os locais e datas.

 ATÉ A PRÓXIMA




16 de março de 2015

FEIJÃO TORPEDRO





Recebi um vídeo desses que aproveitam o falar deturpado do povo humilde, sem contato nenhum com a língua culta, que faz o pessoal rir, ao usar essa incrível ferramenta da moda, implantada em quase todos os celulares, chamada  WhatsApp, que na linguagem popular é facilmente traduzido por Zap-zap. O vídeo recebido, um desdentado, incentivado por um grupo de desocupados, é filmado, tentando dizer o que iria almoçar na casa de um amigo, que o convidara para uma festança. Iria, segundo o pobre coitado, participar de um almoço com o famoso “feijão torpedro”, servido com “esgonofe” de frango e “apicão” com linguiça “vianese” e “estocana afofumada”. As gargalhadas sufocavam o ambiente e o o nosso personagem ria, repetindo a pedidos, várias vezes, aquela baboseira toda, que se referia ao cardápio suculento de um feijão tropeiro, com estrogonofe de frango e salpicão com linguiça vienense e toscana, defumada.
Repassei esse vídeo para uma ex-aluna, que ficou braba comigo. “Por que as pessoas se deliciam com a ignorância alheia? Seria para aumentar o próprio valor? É triste!” Então, tentei acalmá-la, dizendo que ela tinha razão e, para me redimir, tentaria explicar tudo isso, dentro de minhas limitações, é claro, à luz da ciência da linguagem, que estudo há muitos anos.
Parece que hoje em dia as pessoas que desfrutavam de poucas atividades sociais, se misturaram com outras de maior repertório e conhecimento, por força da disseminação de tecnologias, e tiveram um aumento significativo de renda, aliado ao acesso incontestável a inúmeros bens de consumo, chegando mesmo a mudarem de classe social, segundo as vozes políticas dos “pais dos pobres”, donos dos partidos que dominam o poder central de nossa nação, atualmente.
No bojo dessas mudanças, tudo junto e misturado, veio a necessidade de esses indivíduos nomearem os fatos, todas as coisas e as diversas situações novas, que passaram a viver e que os envolveu. Novos sinais, novos índices, novos símbolos, novos signos e novos significantes com modernos significados teriam de ser usados para a comunicação continuar existindo entre esses incluídos na nova ordem social sobredeterminante, cujos representantes, disputados como importantes consumidores e copartícipes de várias outras situações de inclusão são, hoje, numerosíssimos. Esta situação tão inusitada vai desde a debutância em ágapes condominiais até as viagens aéreas e a vapor, nos belos e gigantescos transatlânticos de bandeiras de estranhos paraísos fiscais, encravados no Mar Mediterrâneo, lá na Europa distante...
Bem, para que esse admirável mundo novo chegasse até esses novos cidadãos – e creio que ainda não chegou - , seria necessário o domínio, por parte deles, do mais importante e significativo fato social que existe, o idioma, representado pelo código linguístico. É por ele que nomeamos arbitrariamente as coisas, as qualidades, as ações, as emoções, as circunstâncias, exprimindo nossos anseios e todos os nossos mais recônditos desejos.
Por outro lado, a língua transmitida, aquela que vem do berço e do colo de nossa mãe, correrá frouxa, dentro de sua deriva, de forma espontânea, nas comunidades, até ser burilada pelas regras da língua adquirida, aquela que se aprende à escola. Faltando a escola, o lugar específico e sistemático para sua transmissão, com método, regras e muita repressão, também, a língua adquirida ficará à deriva, sem nenhum trocadilho linguístico. Naquele mundo novo, onde o econômico sobredetermina o social, por imposição de um modo de produção capitalista, que nos governa a todos, faltando a escola, grande parte dos valores culturais – e a língua é o maior tesouro guardado nesse baú sagrado – grande parte dos valores culturais, repetimos, é perdida, ficando o indivíduo falante sem incorporar o código linguístico da língua culta. Para que não nos esqueçamos, é sempre importante salientar que, sendo a língua um fato social, ela irá representar a comunidade, sendo, inegavelmente, o mais importante traço de cultura de um povo. Já dissera o linguista francês Antoine Meillet que as línguas são o que delas fazem as sociedades que as empregam, pois a vontade dos que as falam intervém, contribuindo para o seu destino. Será que isso está acontecendo agora, com a ascensão dessa nova classe social que fala pela deriva da língua portuguesa, com a falência da instituição Escola? Pode ser, mas o mais importante é culturalizar as massas e não massificar a cultura.
No caso das expressões que causaram horror à minha ex-aluna, como o famigerado “feijão torpedro”; o sofisticado “esgonofe”, prato das elites brancas; o tradicional “pudim de leite condenado” e a nossa mineiríssima “linguiça estocana afofumada”, agora com roupagem estrangeira, são expressões estropiadas de um falar popular, relacionadas ao espaço social – a periferia desestruturada e esquecida -, caracterizado pela língua transmitida por ascendentes aos descendentes nas suas comunicações diárias, entre pessoas de pouca ou nenhuma cultura, afastando-se profundamente da norma, com flexões bastante simplificadas, apresentando incrível espontaneidade de realização fonética e um vocabulário, geralmente imitativo, eivado de expressões afetivas, de modismos e de gírias, não raro com alguma galhofa, na falta de algo mais substancial. Desconhecendo a palavra apropriada, o falante apela para a tradução analítica do pensamento e, assim, se faz ou procura fazer-se entender. Bom apetite, e não naufraguem com este feijão torpedro de fim de semana.

ATÉ A PRÓXIMA










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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.