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23 de março de 2012

HOMENAGEM A CHICO ANÍSIO

Publico aqui uma homenagem a Chico Anísio, o mais talentoso humurista brasileiro de todos os tempos, falecido hoje, no Hospital Samaritano, Botafogo, Rio de Janeiro.

Trata-se de um antigo trabalho de formatação acadêmica, cujo título O CHISTE NA CULTURA DE MASSA E O SEU CONSUMO ou O HUMOR NOS TEMPOS DA DITADURA já denuncia a participação do humor e sua análise. Para tanto, não poderia deixar de chamar para a participação deste ensaio a figura do grande humorista que o Brasil perde nessa tarde de uma sexta-feira que ficou triste, como estão tristes todos os corações que amaravam o seu trabalho digno de um formidavel artista.

É um ensaio longo, mas, creio, vale a pena apresentá-lo.

S U M Á R I O
1. INTRODUÇÃO
1.1. Pressão contextual: o humor como riso.
1.2. Pressão textual o humor como amor e dor.
2. O CHISTE COMO FORMA SIMPLES
2.1. Veículos para a atualização do chiste.
2.1.1. A linguagem
2.1.2. A mímica
2.1.3. A História em Quadrinhos
2.2. Disposições mentais que geram o chiste.
2.2.1. O cômico
2.2.2. A zombaria
3. CONCLUSÃO

1. INTRODUÇÃO

Se, como afirma André Jolles (Formas Simples, 1974, p. 205): “não existe época nem lugar, provavelmente, onde o chiste não se encontre na existência e na consciência, na vida e na literatura", abre-se um grande manancial de pesquisa em torno desse tipo de humor dentro da cultura de massa e, em especial, nas áreas de atuação dos mass-media.

Assim, o chiste como dito de espírito torna-se pan-crônico, ganhando, ora forma de nível elevado, ora forma eminentemente popular. Quando popular, caracterizará o povo e suas vivências coletivizadas, definindo grupos e marcando o tempo onde aparece. O chiste é a forma que melhor permite entender como, para uma determinada disposição mental, uma forma se atualiza de modos diferentes, segundo povos, épocas e estilos.

A predisposição mental para a irritação, para o aborrecimento, angústia, mal-humor, além de muitas outras, é causada nos indivíduos dos grandes centros urbanos pela complexa atividade social em que vivem, censurando-os a todo o momento, esmagando-os contra o paredão das sofisticadas regras impostas pelos aparelhos ideológicos. É neste quadro de neuroses que surge o chiste, desatando coisas e desfazendo nós.

1.1. Pressão contextual, o humor como riso.

O humor gera o chiste como forma simples dentro de uma atmosfera de pressão das regras sociais. Isto ocorre quando o contexto predomina sobre o texto e surgirá por descobrir a fenda ou o espaço vazio de qualquer identidade, onde o vazio não será encontrado sem o seu questionamento. Ao descobrir a fenda das individualidades, surge a correção, que, de certa forma, poderá ser interpretada como um mecanismo repressor, porque atuará eticamente, ajustando tudo ao modelo pré-concebido da visão ideológica do poder dominante.

Assim, mostrar-se-á a atuação do chiste dentro dos espetáculos dos mass-media em Chico City da TV Globo, RJ, na personagem Alberto Roberto, criada pelo conhecido ator comediante, Chico Anísio. Alberto Roberto é a caricatura do mau galã e do mau ator, que desde o nome próprio - combinação insólita de dois pré-nomes que rimam, aponta para o ridículo. A fenda caracterizada será a insuficiência artística, e, o que se questiona, de maneira restrita é o lugar do belo, e, de maneira ampla, o lugar da arte. A repressão está na correção ética das funções sociais mal executadas, e, assim, a função estética se estrutura sob a ótica do lado doutor da sociedade, que impõe o seu modelo, centrado na objetiva do receptor. Tenta-se dizer, portanto, que, tanto o mau ator, como o ator feio, isto é, eles não podem ocupar espaço num espetáculo de massas.

Surge daí uma indagação. Qual será, sob este prisma, a função do riso? Diremos que será a de delimitar o ridículo. Esta função é metacensora (*), pois justifica o perigoso e prepara o seu expurgo, logo, é um trabalho ético.

O cômico, portanto, será uma forma de humor como riso e, nos programas de rádio e televisão se apresenta sob a forma de sátiras.

Para André Jolles (1974), p. 211, “a sátira é uma zombaria dirigida ao objeto que se repreende ou se reprova e que nos é estranho. A sátira destrói, a ironia ensina". Apesar do ponto de vista deste autor, não vemos a sátira como uma forma destruidora e sim como uma forma que tenta explicitar ou dizer a fenda, zombando do que é reprovado, no contexto social, para uma posterior correção.

Por outro lado, a descoberta do espaço vazio, muitas vezes se dá em nível manifesto, enquanto a correção ética, pelo questionamento das insuficiências sociais, se dá em nível latente.

As sátiras, dentro do humor como cômico, podem ser de três tipos: a) Sátiras políticas; b) Sátiras cívicas; c) Sátiras sociais. Examinemos estes tipos:
a) Sátiras políticas. Estiveram por muito tempo ausentes do contexto dos mass-media, por força de um modelo político que as tirou de cena.
b) Sátiras cívicas. Estão presentes no contexto dos programas de rádio e televisão. São discursos que falam dos temas produzidos pelo Estado e pela política do Estado. Seu domínio abrangente é a propaganda. Seu modelo discursivo está presente nos “spots” publicitários e ideológicos das empresas estatais e para-estatais, como o Banco do Brasil, SUDEP, Programa PIS/PASEP e muitos mais. Estiveram presentes na programação da ARP (ex-AERP - Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República -).
Imposto esse modelo pelos órgãos representativos dos diversos aparelhos ideológicos do Estado, a iniciativa privada dele se serve e dele se apropria como foi o caso, por exemplo, do filmete veiculado pela Rede Globo de Televisão: O PESSIMISTA É ANTES DE TUDO UM CHATO ou “VAMOS DAR UM JEITO NO JEITINHO BRASILEIRO” (A Lei de Gerson, certo!). Isto ocorreu durante o período da ditadura militar, quando proliferavam sátiras cívicas de teor ideológico, enaltecendo o cuidado com as massas: uma obrigação do Estado. Todas as campanhas de interesse público passaram a se basear, de uma forma ou de outra, neste modelo discursivo. Assim, depois de algum tempo, essas sátiras veiculadas na televisão, difundida a sua mensagem verbal e icônica, através de trilhas sonoras bem marcadas e imagens bem cuidadas, tudo depositado no repertório ativo do receptor, as sátiras cívicas transportam-se para o rádio e para a película cinematográfica de 35mm ou 70mm, em bitola comercial, numa redundância proposital, abrangendo e dominando todos os media eletrônicos. Muitos exemplos de discursos que propiciaram o aparecimento de sátiras cívicas poderiam ser citados, sem uma preocupação com a cronologia de seus surgimentos. Assim: Filmetes sobre o Ano Internacional da Criança e Ano I da Criança Brasileira; Ano Internacional do Deficiente Físico; Ano Internacional dos Idosos; Agricultura: Plante esta Idéia; Projeto Rondon; Mantenha a sua Cidade Limpa; A Segurança depende da Confiança que você tem em si e nos outros; etc.
c) Sátiras sociais. São as mais encontradas no repertório dos programas dos mass-media. Estão presentes em dois níveis, por oposição (um é o oposto do outro). Assim, as sátiras sociais se dividem em dois tipos:

1) Aquelas que criticam os representantes da cultura comunitária;

2) Aquelas que criam estereótipos de indivíduos que causam inconvenientes sociais ou comunitários.

Para exemplificação, colocaremos o programa Chico City dentro do primeiro tipo de sátira social, e o programa Os Trapalhões dentro do segundo tipo.

Para caracterizar o humor como riso, que emerge nos textos das sátiras sociais, passaremos à análise de alguns programas, quase todos em horários nobres das televisões brasileiras em rede.

Como representante da sátira que critica os representantes da cultura comunitária (Tipo 1 ) , comentaremos o programa Chico City.
Este programa humorístico teve duas fases distintas:

1ª Fase: Fase agrária, representativa da República velha. Lá, as personagens atuavam na marcação das insuficiências comunitárias, como, por exemplo, o prefeito Raimundo Canavieira, político corrupto, dotado de artimanhas maravilhosas para o trato com as coisas públicas em seu benefício. Era o prefeito da cidade. Outra personagem era o coronel Limoeiro, latifundiário, representante do poder econômico, homem que tudo comprava com o dinheiro, inclusive o amor da mulher, Maria Teresa. Neste ambiente, onde uma oligarquia detinha o poder, a oposição se fazia pela voz de um agitador da esquerda política, jornalista, cujo público, as galinhas, jamais se manifestava (era época da repressão política).

2ª Fase: Fase da metrópole, representativa da República nova, caracterizada pelas críticas às instituições sociais da grande metrópole, como exemplifica a personagem Zé da Silva, o detetive incompetente, que age à americana ou à inglesa. Fase que critica, ainda, as funções sociais, como serve de exemplo a personagem Coalhada, jogador de futebol, à mercê dos cartolas, despreparado para as funções, cheio de vícios e ávido de fama. Críticas às funções do galã e do ator (Alberto Roberto). Críticas também às funções dos assalariados (Quém-Quém, o garçom). O repertório cultural é criticado na figura da personagem Bozó. Roberval Taylor é crítica à cultura de massa. A situação econômica proporcionou o aparecimento da crítica ao ganho fácil, o que gerou o malandro vigarista picaresco, Azambuja. Os desmandos morais da sociedade geraram o aproveitador e o viciado, Tavares. A contestação social gera a hippy, que deslumbra um ingênuo, português culto, um “alfacinha, formado em Coimbra, maravilhado pelo insólito das instituições, trazidas à cena pelo modo de sua noiva encarar a realidade circundante. A crise econômica gerou a personagem avarenta, Gastão Franco. A personagem Painho, ainda neste plano, mostra a fragilidade do sagrado numa sociedade altamente dominada pela materialidade, pelo ter, pelo consumo e pelo modismo. Painho, duplamente travestido. Travestido de fêmea e de santo, assume um entre-lugar no social: um representante de minorias sociais com poderes sobrenaturais. É o divino protegendo o profano (aliás, a mesma figuração do Capitão Gay, de Jô Soares, só que lá, numa alusão clara ao mito dos super-heróis). Nessa segunda fase, o programa imprime quadros que trazem personagens pan-crônicos, como Pantaleão, o mentiroso, por exemplo. Aparecem, ainda, o italiano do Brás e Popó, personagens anacrônicas ou saudosistas. Ocorre também a crítica ao misticismo que graça nos grandes centros urbanos, tendo na figura do Velho Zuza, a perfeita união entre o sagrado e o profano, aliando credo e filosofia num discurso, praticamente, ecumênico. Com a personagem O Divino, Chico Anísio interpreta o charlatão libidinoso, que encontra, ou na inocência, ou na malícia da parceira, uma forma fantasiosa de mascarar o real, invocando referencialidades de outro sistema de codificação simbólica: o astral. Nos modelos de programas como Os Trapalhões, O Planeta dos Homens, A Praça da Alegria, Viva o Gordo, A Festa é Nossa, encontramos o desajeitado que cria embaraços sociais e o anti-herói. São personagens inconvenientes, que não sabem o que está errado na comunidade. Por outro lado, há determinado tipo de inconvenientes, que sabem que a comunidade não sabe o que está errado nela, mas estas personagens não são comuns nos programas de rádio ou de televisão, que trabalham com mensagens redundantes. É o caso da personagem McMurf do filme “Um Estranho no Ninho “de Millos Forman. A fase atual do programa Os Trapalhões utiliza o código cinematográfico, servindo-se de mensagens redundantes (nunca raras), como as que se encontram em filmes de fácil decodificação. O Tubarão e Swatt isto exemplificam. Musicais e entrevistas, do mesmo modo, compõem o repertório de Os Trapalhões. O Planeta dos Homens é uma redundância deformadora do código do filme “O Planeta dos Macacos”. A Praça da Alegria apresenta quadros que trazem à cena o discurso do inculto, do rude, do grosso social dentro de uma comunidade polida. Suas personagens dialogam com um cidadão sentado num banco de uma praça, criando esteriótipos de inconvenientes sociais ou comunitários. O programa Viva o Gordo, de Jô Soares, é aquele que mais utiliza a sátira política, seguido de A Festa é Nossa, de Agildo Ribeiro.

1.2. Pressão textual, o humor como amor e dor.

A segunda forma de humor (humor como amor e dor) identificar-se-á com o trágico, tendo o texto predominância sobre o contexto. Pela descoberta da diferença entre o real e a realidade, através da exclusão do lugar da verdade, atinge-se o nível da metonímia, onde a fantasia se passa por realidade, e as formas que geram este tipo de humor ganham lugar de destaque, distanciando-se das formas de nível popular. Estas formas são a paródia e a ironia.

Assim, as formas paródia e ironia trabalham com a ilusão de realidade do código (o real), com muitos discursos literários que explicitam o que ocorre fora do ponto de vista do código (a realidade) e com a estrutura do discurso do inconsciente, descobrindo o lugar que descerra a realidade (a verdade), através da releitura do simbólico pelo imaginário. Logo, neste segundo tipo de humor caracterizam-se formas literárias de nível elevado, não populares, portadoras de mensagens raras, que trabalham com as categorias definidas acima.

A paródia é a forma que explicita o real como fantasia e aparece pelo imprevisto.

A ironia é a forma que explicita a cegueira do real e aparece pelo cinismo.

Como exemplos de humor nas formas de paródia, apresentamos os textos de Oswald de Andrade Relicário e Senhor feudal .

Relicário

"No baile da Corte

Foi o Conde d'Eu quem disse

Pra Dona Benvinda

Que farinha de Suruí

Pinga de Parati

Fumo de Baependi

É comê bebê pitá e caí."


Senhor feudal

"Se Pedro Segundo

Vier aqui

Com história

Eu boto ele na cadeia."


Estas duas paródias são discursos de humor que estabelecem, ainda, a relação selva-escola, que por se darem bem, forjaram a nossa cultura. Logo, isto será uma relíquia, um relicário. O real é mostrado como fantasia: um banho de fantasia no real, pois a nossa relíquia é um entre-lugar: o comê, bebê, pitá e caí.

Já em senhor feudal, O dono do poder não pode ser trancafiado na cadeia, pois ele tem a chave da prisão. O real continua sendo mostrado como fantasia.

Vejamos, agora, este dístico de Oswald de Andrade:

Amor



"Humor".

Por que o amor é humor? Oswald de Andrade responde:

“Acabei de jantar um excelente jantar / 116 francos / Quarto 120 francos com água encanada / Chauffage central / Vês que estou bem de finanças / Beijos e coices de amor”.

Logo, o amor é trágico e, portanto, ridículo. Como exemplos de humor nas formas de ironia, poderíamos citar o texto O Barbeiro de Machado de Assis, encontrado no livro Dom Casmurro (7). A forma da ironia é encontrada, ainda, nas seqüências do filme de Luis Buñel, “O Fantasma da Liberdade”.

2.1. Veículos para a atualização do chiste.


No dito de espírito, as formas de humor podem ser atualizados pela linguagem verbal, pela linguagem não-verbal (sistemas outros de signos) e por um interlugar, que é a História em Quadrinhos.

2.1.1. A linguagem

O jogo de palavras, o duplo sentido, o trocadilho, a ambigüidade (*****), a polissemia (******) etc invertem o sentido das coisas e trazem a inconveniência, que significa “o desenlace das regras prescritas pela moral prática, pelos bons costumes e pelas conveniências sociais” (Formas Simples, 1974, p. 208). Todos os esteriótipos criados pelo programa O Planeta dos Homens e, em especial, a personagem deste programa, Senhor Andorinha, exemplificam o chiste neste nível, atualizado através da linguagem verbal. Uma cena do filme “Um Estranho no Ninho”, mostra um jogo transmitido pela TV, que exemplifica um texto, onde a inconveniência se presentifica, porque o absurdo indica que a lógica foi desfeita. Já que o horário e as normas da clínica impedem de os internos verem o jogo pela televisão, McMurf imagina a transmissão com tanta vibração, como se verdadeiramente o jogo estivesse sendo transmitido e captado no aparelho desligado. Assim, a fantasia se passa como realidade. A linguagem verbal propicia este tipo de chiste metonímico.

1.2. A mímica

A mímica seria um tipo de linguagem não verbal, cujos gestos significantes corresponderiam a um simulacro de realidade, embora arbitrários, mas motivados. A mímica, ligada ou associada ao ato de interpretar atitudes ou comportamentos é um meio (um sistema de signos tradutor de uma intencionalidade, logo haverá comunicação) e confundir-se-á com a pantomima. Toda sua configuração cênica será passível de uma “tradução” para um outro código (logo, sistema simbólico substitutivo), principalmente para o código da língua. O chiste atualizado pela linguagem verbal será uma forma simples (popular) ou uma forma produzida, ligada às artes literárias. Já o chiste atualizado pela mímica será uma forma simples (popular) ou uma forma produzida, ligada às artes cênicas. Uma exemplificação nítida da mímica atualizando o chiste ocorre nos quadros publicitários, apresentados na televisão, de cunho comercial, apresentados pelo conhecido artista plástico, Juarez Machado, que, através do “non sense”, faz com que a fantasia se passe como realidade, num enquadramento metonímico do chiste, mais uma vez.

2.1.3. A História em Quadrinhos

A História em Quadrinhos é um interlugar, compreendendo a literatura, por sua narrativa; a pintura, por seus desenhos, e o cinema, pelo movimento das cenas e continuidade das imagens.

A História em Quadrinhos com todas as suas características formais, estática, por conseguinte, não é pertinente aos media eletrônicos. São quadrinhos projetados no espaço-tempo gráfico das revistas e jornais. Contudo, um seu parente próximo, o “cartoon” balõezinhos a onomatopéia e o ritmo visual. Os balõezinhos são largamente usados nos comerciais e nas chamadas das programações das estações de televisão. As onomatopéias, video-tape ou a câmara lenta valorizam.

Aliás, o congelamento da imagem da TV é, em última análise, uma apropriação, pela televisão, da morfologia característica dos Quadrinhos.

Finalmente, a TV, em seus diversos tipos de programas humorísticos ou de telejornalismo, apropriou-se do código cinematográfico, e veicula o desenho animado, que é o Quadrinho em plena animação, onde imperam a fantasia, o maravilhoso e o fantástico ao nível do real.

2.2. Disposições mentais que geram o chiste.

Nem toda disposição mental propicia o aparecimento do gracejo e do humor. Contudo, algumas que geram o inusitado, que foge dos padrões impostos pelas regras sociais; tudo que está fora de uma lógica aparentemente dominante; tudo que não corresponde a uma resultante delimitada por causas e efeitos, por relações precisas de contigüidade entre elementos determinantes e determinados, provoca um inevitável estado de espírito individual, caracterizado por um vazio, capaz de marcar qualquer identidade. Isso, sim, são disposições mentais que podem proporcionar o aparecimento do humor. Surge, daí, o estado de graça (sem trocadilho): o riso.

2.2.1. O cômico

O cômico será a disposição mental que irá gerar o chiste. O cômico, sempre tentando desfazer o repreensível. Estará, portanto, ligado ao humor como riso, pois surge quando é descoberto o espaço vazio, a fenda de qualquer identidade, ao questionarmos este espaço vazio, esta fenda.

2.2.2. A zombaria

A zombaria é uma forma concreta e, de certo modo, coletivizada ou individualizada do cômico, pois, também tenta “desfazer o repreensível a partir da insuficiência de uma identidade qualquer; ou tenta desfazer a insuficiência a partir dela mesma” (André Jolles (1974), p. 211).

Assim sendo, a paródia, a ironia e diversos tipos de sátiras são zombarias que se atualizam de inúmeras maneiras. Não seguimos totalmente a posição de André Jolles porque classificamos as formas de humor estudadas aqui, de acordo com dois tipos básicos de humor: humor como riso e humor como amor e dor.

3. CONCLUSÃO

Tentamos, neste trabalho, mostrar que o chiste, como forma simples é pan-crônico. Servimo-nos de programas humorísticos na televisão, para mostrar a atualização das duas formas distintas do chiste, que ora se apresentam como forma popular em mensagens redundantes, ora como forma não popular em mensagens raras. Apresentamos o humor como riso e como amor e dor. Caracterizamos, dentro de cada tipo de humor, as formas de chiste (populares e não populares), mostrando que elas se atualizam através da linguagem, da mímica e da História em Quadrinhos. Finalmente, o consumo do chiste, dentro da cultura de massa, foi apontado na televisão e no cinema, onde são ingeridos ingenuamente, pois a pílula fica dourada e a ideologia escamoteada pelas fontes geradoras das mensagens que todas estas formas de humor trazem consigo.


ATÉ BREVE

20 de março de 2012

QUAL A ORIGEM DE CAMBORIÚ ?



Em etimologia, alguem dizer que determinada origem é a mais adequada, só depois de, exaustivamente, analisar ou conhecer todas as suas  possíveis origens e, com argumentos decisivos, optar, aí, sim, pela que mais preencha os requisitos metodológicos a que foi submetida, em exaustiva análise, aproximando-se, o mais significativamente possível  da verdade. Isso requer fôlego e paciência de monge. Requer uma investigação séria e metodológica. Quase sempre quem aponta uma origem por conveniência, por qualquer motivo que seja, peca contra as mais comesinhas formas de se atuar no campo da ciência etimológica. A busca das origens das palavras, das frases feitas, dos ditos populares requer método, corpus, coleta de material, um verdadeiro paciente trabalho  de laboratório. Sem esses pré-requisitos, a  reputação do pesquisador estará irremediavelmente abalada, comprometida, principalmente quando a busca se concentra sobre origens obscuras, de difícil investigação e com muitas veredas a serem percorridas pelo etimólogo. Os estudos etimológicos não podem prescindir do método. O método etimológico irá se concentrar na história da ciência etimológica; nas fontes; no corpus; no falado vs. o escrito; no popular vs. o culto; nas mudanças fonéticas; no componente semântico; nas pesquisas intralinguísticas; nas pesquisas interlinguísticas; nos tabus linguísticos; na onomástica e  nas expressões idiomática, principalmente.

Quando as buscas das origens não surtem o efeito que o pesquisador insiste em querer que seja aquele de sua predileção ou imaginação, muitas vezes ele viaja, em frenético delírio filológico e apresenta ao público leigo as suas mais esdrúxulas explicações. O pior é que há quem acredita... É, por exemplo, o caso do étimo de “QUIMONO”, que Gus Portokalos, no filme Casamento Grego, diz que vem do grego moderno “kheimónas”, que significa inverno. Usa-se quimono no inverno, não é?

É bom citar uma excelente e simples orientação aos que pretendem encarar esse assunto como ciência e não como diversão ou passa-tempo. Trata-se de um trecho do livro Etimologia, do professor Mário Eduardo Viaro, da USP, o mais importante etimólogo brasileiro, que se destina a afastar da lista séria dos linguistas, filólogos e etimólogos os investigadores amadores, que trabalham com essa matéria, na base do “chutômetro”. Ei-la:

Etimologia e imaginação nem sempre fazem um bom casamento. Mais infeliz ainda é a tentativa de unir Etimologia e diversão, como se pode ver em muitas obras do gênero. A pesquisa etimológica, como uma edição científica, deve passar por muitas etapas rigorosas e, mesmo assim, as soluções de étimos são múltiplas e sujeitas a revisão. A situação, perante uma profusão de étimos (quando bons e dignos de avaliação)é apresentá-los sem uma solução definitiva, da mesma forma que muitas ciências o fazem seriamente com hipóteses não excludentes. Cabe a outros confirmar ou rejeitar tais hipóteses mediante a apresentação de novos dados e argumentos igualmente bem fundamentados. Não se pode provar uma etimologia apenas por meio de semelhança formal entre o étimo proposto e as palavras investigadas. Dadas duas línguas quaisquer, se um elemento de seu vocabulário é parecido ou idêntico, tanto no significante, quanto no significado, isso pode dever-se basicamente a três fatores distintos: coincidência, empréstimo ou origem comum”. (In, Etimologia, Ed. Contexto, São Pulo, 2011, p. 97)

Portanto, a busca etimológica deve obedecer ao rigor científico e estar recheada de cautela. Assim deve proceder o verdadeiro investigador das palavras, para ser respeitado pela comunidade científica, colocando em suas hipóteses etimológicas o máximo de aceitabilidade.

É o caso dos que buscam, atualmente, as origens do termo CAMBORIÚ, rio que deságua no município de Balneário Camboriú, depois de percorrer as planícies da cidade vizinha de Camboriú.

Para suas origens, num breve resumo, há inúmeros investigadores, com inúmeras e conflitantes propostas, em todos os tempos.

Saint-Hilaire (Augusto de Saint-Hilaire, Viagem à Província de Santa Catarina, 1920, tradução e prefácio de Carlos da Costa Pereira, 1936) dá como origem e significado o de rio das camboas.

Boiteux (José Arthur Boiteux, Dicionário histórico e geográfico do estado de Santa Catarina, 1915) confirma a versão de Saint-Hilaire.

Freire (Laudelino Freire, Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, Rio de Janeiro, A Noite, 1930), anotou camboa como variante de gamboa e disse que Camboriú significa lugar em que remansa a água dos rios, dando aparência de lago tranquilo. Sua versão é a de que Camboriú significa onde o rio camba.

O IBGE (Enciclopédia dos municípios brasileiros, Rio de Janeiro, 1959), louvando-se em Lucas Boiteux (História de Santa Catarina – Resumo Didático -, São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1919) que, por sua vez, se baseou na primeira edição de Theodoro Sampaio (O tupi na geografia nacional, São Paulo, Casa Eclética, 1901) afirmou ser o termo Camboriú originário de “camby”, leite + “ri”, correndo + “y”, água, donde a expressão rio onde corre o leite.

Ainda Theodoro Sampaio, nessa primeira edição de seu livro, O tupi na geografia nacional, levanta a possibilidade de Camboriú significar rio dos robalos.

Reitz (Pe. Raulino Reitz, em artigo intitulado Camboriú significa criadouro de robalo, in Blumenau em Cadernos, t. 17, n. 4, abr, de 1976), baseado nessa última argumentação de Theodoro Sampaio, e vendo em “u” o significado de comer, sugere a hipótese do significado de Camboriú ser criadouro de robalos e não rio de robalos.

Patrianova (Hermes Justino Patrianova, em artigo intitulado Camburiú e não Camboriú, in Blumenau em Cadernos, t. 30, n. 9, setr, de 1989) diz que Camboriú, em tempos passados, chamava-se Cambariguaçu, de “camba”, significando seio + “ari”, em cima + “iguaçu”, grande. Daí: seio grande em cima do morro.

L.J.Dell’Antonio (Lino João Dell’Antonio, Nomes indígenas dos municípios catarinenses – significado e origem -, Blumenau, 2009) afirma que Camboriú, literalmente, significa rio das pequenas cercas de varas, logo termo indígena e significa, portanto, rio com camboas.

Todos esses citados autores têm suas justificativas para a origem do nome CAMBORIÚ, umas mais abalizadas etimológica e filologicamente, outras nem tanto; muitas fantasiosas, apresentadas com grande dose de criatividade, baseadas no tal método do “chutômetro” já apontado como muito utilizado nesse mister.

Isaque Borba Corrêa (2012), em postagem de vídeo na Internet, diz que Camboriú vem de Camboriguaçu, que passa a Cambriú pela lei do menor esforço. Afirma, ainda, que Cambriú passou a Camboriú.
Só pode ter sido por suarabati ou ectilipse, acrescentamos nós, pois se desfez o encontro consonantal.

Diz, ainda, Isaque Borba que foi por influência de eruditos, como padres, escrivães e outros mais que isso aconteceu. O fato é que esse tipo de fenômeno da fonética histórica só se verifica no seio do próprio povo, e é conhecido como Realização Difícil. Os eruditos, nunca tiveram comprometimento com a língua oral, pelo contrário, sempre exerceram a tirania do conservadorismo sobre a Deriva da Língua, como representantes do registro culto do idioma, embora, muitas vezes, até inconscientemente.

Assim, nenhum professor especialista em filologia, ou pesquisador sério dos fenômenos linguísticos, etimólogo ou estudioso da história das palavras  afirmaria peremptoriamente que o étimo de Camboriú “mais adequado” é o apresentado pelo  último investigador citado, pois a controvérsia é enorme e a investigação está só começando.


Vamos estudar e pesquisar mais, minha gente!


ATÉ A PRÓXIMA

19 de março de 2012

A POESIA DE LUIGI MAURIZI


Luigi Maurizi é um pródigo poeta catarinense, com vasta obra publicada. Apresentamos, entre tantos outros livros seus, “Concórdias em despeio”, 2006; “Versos de Querena: a cidade de um porto”,2007; “Verso de Desdiga”, 2007; “Plenitude”, 2009; “Alforria: floreios na servidão”, 2011; “Sorversos”, 2011, para citar somente os que tive o prazer de ler. Pelos títulos podemos perceber claramente que se trata de um escritor que trabalha o som da fala em expressivos neologismos, dentro da deriva da língua portuguesa. É um poeta culto, o que significa dizer que seus versos são compostos dentro da norma gramatical, e seus poemas caracterizados pela composição em estrofes variadas, nelas predominando o verso livre. As rimas estão presentes, aliadas a inúmeros fenômenos fonéticos que aceleram e atrasam o ritmo de seus versos, unindo fundo e forma em constante harmonização, fazendo com que o tema abordado envolva o conteúdo sonoro de sua estrofação, numa composição formal moderna e pós-moderna. Mas o que realmente chama atenção no texto poético de Luigi Maurizi é sua criação vocabular, sui generis, muito pessoal e de grande expressividade, pois significantes e significados recorrentes explodem em sonoridades significativas, provocando uma semantização, muitas vezes inesperada, o que desarticula o código e provoca novas significações, ressaltando daí a explosão poética de suas composições. Está nesse caso um elenco de nomes e verbos, os mais inesperados, surgidos de um trabalho artesanal, que marca sua poesia, com inédito e neológico vocabulário de construções interessantes, baseado em prefixações, “INDISTINÇÃO”(Plenitude, 2009); regressões, conversões, “...é o desmascaro de um blefe...”(Plenitude, 2009); sufixações, aglutinações e justaposições, além de trocadilhos semânticos, como (MÁS)CARAS DA SENHORA (Concórdias, 2006). Tudo isso nos faz meditar sobre os novos significados estabelecidos para seus versos de fortes significados, proporcionados, sem dúvida alguma, pelos significantes neológicos, envolvendo o leitor em reflexivas meditações.

ATÉ A PRÓXIMA

7 de março de 2012

OS SONS ABSURDOS DAS RÁDIOS DO INTERIOR



Algumas coisas são, realmente, desagradáveis aos ouvidos. Por exemplo. Ouvir as estações de rádio das cidades do interior desse Brasil caipira. Não somos contra a cultura caipira, pelo contrário, apreciamos muito uma bem feita galinha ao molho pardo com "franguim fresquim". A sabedoria do nosso caboclo em lidar com as vicissitudes do dia-a-dia do campo é surpreendente e se contrapõe ao Jeca Tatu, quando o autor de Urupês o caracteriza como uma criatura ignorante, preguiçosa, sem ambição, sem desejo de realizações e desprovido de sensibilidade artística, entre outras coisas. Mas as músicas tocadas nas emissoras populares do interior são absurdas, etimologicamente falando, pois desagradam ao ouvido. Sei que já em Cícero e Tácito o absurdo perdera sua primitiva significação e passou a fora de propósito, pois tudo que desagrada à audição não faz absolutamente nenhum sentido. 

“Ah! Se eu te pego...”!

Num dia desses de curta viagem de carro, liguei o rádio e ouvi esses absurdos que mostram, sincronicamente e diacronicamente o que está fora de propósito, tanto na letra da canção, como profundamente desagradável ao ouvido. Com você, Bakanas do Brega em Calcinha e Melô do dá dá dá. Vejam as letras:

Calcinha

Eu escondi sua calcinha

E vou mandar pro seu marido

Só pra ver se ele acredita

Que está sendo traído (2x)

Quando ele passa na rua

A turma enche de vaia

Chamam cabeça de boi

Testa de arame farpado

Colecionador de gaia

Mas ele não acredita

Confia em você de mais

Bati na porta da frente

Você demora abrir

Pede pra abrir por trás

Eu escondi sua calcinha

E vou mandar pro seu marido

Só pra ver se ele acredita

Que está sendo traído (2x)


Melô do dá dá dá



Venha pra cá não vai doer não meu amor venha

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Faz tempo te procuro

E você não quer me ver

Venha praqui menina linda

Eu quero amar você

Vou tirar sua blusinha

Tocar o seu corpinho

Segure minha mão

To começando a tremer

Eu falo com o seu pai

Ele vai entender

Eu vou namorar serio

Não vou enganar você

Aham aham aham

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou (3x)

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou



Vou tirar sua blusinha

Tocar o seu corpinho

Segure minha mão

To começando a tremer

Eu falo com o seu pai

Ele vai entender

Eu vou namorar serio

Não vou enganar você

Aham aham aham

Dá dá dá

Não dou não dou não dou não dou (3x)



ATÉ A PRÓXIMA





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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.