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25 de julho de 2016

A COR DO TEMPO


 
Tomei, casualmente, conhecimento de um magnífico poeta desta bonita região, colonizada por alemães, que tem Blumenau como uma das cidades mais visíveis aos olhos do desenvolvimento, e centro agregador de diversificadas riquezas, sendo conhecida nacionalmente como um grande polo industrial, crescendo sempre, e cada vez mais promissor. Ayrton Bento Mafra é este poeta. Pronto, perfeito e em plena produção, natural desta região, mais precisamente de Ilhota, um recanto calmo e aprazível, mas não menos próspero, entre outros tantos que encontramos no verdejante vale que o Itajaí-Açu corta, serpenteando e encantando o viajante, com suas águas escuras, desde as terras altas catarinenses até lançar-se ao mar, servindo de porto seguro aos municípios de Navegantes e Itajaí.

Ayrton tem dois livros de poemas: Amor em Evidência – Poesias -, 2009; e Reflexões, 2015, ambos publicados e lançados em Blumenau. Nos dois predominam os sonetos clássicos e sextilhas. Sua poesia está envolta em saudosismos sentidos, onde o amor, o sonho e a natureza são o Leitmotif, responsável pelo desenvolvimento do eu-lírico, às vezes intimista, o que leva o poeta a se expressar, em ritmos bem marcados e de maneira peculiar, com vigor estético, sentindo o pulsar do mundo nas coisas mais comezinhas da vida, como exemplifica o soneto FOGÃO A LENHA, do livro Reflexões, onde o poeta, lembrando Augusto dos Anjos na forma como constrói suas comparações, símiles e metáforas, nos faz refletir sobre o frio relacionamento com o outro, no social. Outras vezes, ainda e mais presentemente em seu segundo livro, Reflexões, persegue os caminhos das indagações, interpretando o mundo à sua volta, com artifícios poéticos de alta qualidade, filosofando, reflexivamente, sobre o tempo, a vida e a existência humana, numa proximidade estética aos anseios rítmicos e às vezes temáticos, encontrados, ainda, no poeta paraibano de EU e outras poesias.


Em Amor em Evidência – Poesias -, de 2009, Ayrton deixa, contudo, o amor transbordar em sentimentos bem próximos aos de um saudosismo realista, principalmente quando a natureza serve de fundo para que suas, às vezes, singelas manifestações, como a floração de um ipê-amarelo, sirva de metáfora entre uma pujante florada e um amor correspondido. É o que encontramos em IPÊ-AMARELO. Analisaremos, bem superficialmente, nesta recensão, o referido poema que abre o seu primeiro e volumoso livro  – mais de 600 páginas –, chamando a atenção para este poeta de linguagem escorreita e culta, que trabalha as palavras com técnica precisa, intenso ritmo e beleza estética. A poesia de Ayrton Bento Mafra, pois, a nosso juízo, merece ser estudada, academicamente, à luz da crítica intrínseca, pois seus textos cantam o amor, o saudosismo, as artimanhas da vida, o mundo de seu tempo e de seu imaginário, com estilo próprio, recriando e transfigurando realidades, produzindo formas expressivas, tão marcantes, que dificilmente o tempo sepultará, pois estão estruturadas como formas poéticas atemporais e consistentes. Seus textos se apresentam em forma de sonetos com versos decassílabos e sextilhas com versos alexandrinos e seu quebrado de seis sílabas. Sua poesia há de se inserir na história da literatura madura da poética catarinense, pelo valor intrínseco que possui e pela força de sua composição rítmica. Poesia clássica e significativamente apaixonante.

IPÊ-AMARELO



Amor ainda feito ipê florido

por ser, embora seja, hoje, idoso,

o ipê-amarelo majestoso

do meu primeiro amor correspondido!



Amor que já tem cerne volumoso

e, mesmo com um tronco tão crescido,

ainda bota flores...tendo sido

o meu primeiro amor e o mais formoso!



Pretendo conservar, embevecido,

o amor como se fosse ipê florido,

em uma primavera permanente...



E, junto a ti, pretendo, nessa cor,

fazer o ipê do amor viver em flor,

vivendo o amor florido intensamente.




O soneto é construído com versos decassílabos heroicos, isto é, a acentuação tônica sempre recai na 6ª e na 10ª sílabas. O esquema de rimas obedece à seguinte figuração: ABBA - BAAB - AAC - DDD. Ayrton Bento Mafra apresenta uma série de alternativas de esquemas de rimas em seus sonetos. Só nos dez primeiros de Amor em Evidência, utiliza o autor sete diferentes esquemas. O esquema repetido é: ABBA – ABBA – CCD – EED. Portanto, percebe-se, assim, que o esquema de rimas é importante para não deixar a sonoridade se tornar repetitiva, uma vez que ela sempre vai se alternando, tornando-se diferente e significativa, leitura após leitura de cada um dos poemas apresentados. Neste soneto em questão, o ritmo é mantido, ainda, pelas poucas ligaduras existentes no interior de cada verso, pois quase não existem sinalefas, elisões ou crases, ocasionando uma contextura sólida de células sonoras nos decassílabos, o que garante a precipitação de uma cadência estruturante, sonora e sintagmática. Assim: (“ipê florido”; “embora seja”; “o ipê-amarelo majestoso”; “do meu primeiro”; “amor correspondido!”; “cerne volumoso”; “e mesmo”; “com um tronco”; “tão crescido”; “bota flores”; “tendo sido”; “o meu”; “primeiro amor”- sinalefa; “e o mais formoso” – sinalefa; “pretendo conservar”; “o amor”; ”como se fosse ipê florido” – crase; “em uma”; “primavera permanente...”; “E, junto a ti” – sinalefa; “pretendo nessa cor”; “fazer o ipê” – sinalefa; “do amor” – sinalefa; “viver em flor”; “vivendo o amor” – elisão e sinalefa; “florido intensamente” – elisão. O ritmo, ainda, é substancialmente marcado, pela presença das aliterações e coliterações de fonemas homorgânicos, bilabiais, linguodentais, surdos e sonoros, que sustentam a perseverança do autor, numa atitude determinada do eu-lírico em manter eternamente seu amor. E as consoantes alveolares e labiodentais, também, surdas e sonoras dão ao último terceto a suavidade necessária para o fechamento do soneto com a chave-de-ouro (“vivendo o amor florido intensamente.”). Assim, o Leitmotif, condutor de sua lírica, está presente, através da significativa metáfora telúrica do ipê-amarelo florido, que nos remete ao amor correspondido, tanto no ímpeto da juventude, quanto no calor da maturidade, quando o volumoso ipê-amarelo floresce em sua exuberância lírica. Neste poema, a natureza precipita o romantismo, que se apresenta com roupagem formal clássica, rigidamente e estruturalmente bem construída. E neste poema de forma fixa, com segura urdidura métrica, em versos, todos decassílabos heroicos, com metáforas fortes, mas singelas, Ayrton Bento Mafra mostra como a forma, dignificando o fundo, eterniza a figura da mulher amada, através da personificação da florescência colorida da vida...


ATÉ A PRÓXIMA



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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.