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27 de novembro de 2014

MORRO QUE MORRE (Poemas de 1964)




 

Estou comemorando 50 anos da publicação de meu primeiro livro de poemas. MORRO QUE MORRE, lançado no fim do ano de 1964, pela Editora do Professor, no, então, Estado da Guanabara, com capa e ilustração de Herman Saraiva e foto gentilmente cedida pelo jornal Diário de Notícias, um dos mais importantes da então Capital da República. Esse trabalho obteve o terceiro lugar num concurso inédito promovido pela Universidade de Cultura Popular, que nasceu na TV Continental da cidade do Rio de Janeiro, comandada por Gilson Amado, fundador, alguns anos mais tarde, da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, que levou o seu nome. Era Gilson Amado incansável provocador, debatedor e promotor das mais variadas iniciativas culturais de todas as noites, nesse seu longo programa de duração, onde procurava ensinar ao seu telespectador ideal e simbólico – o cidadão João da Silva – alguma coisa sobre economia política, educação, orçamento, administração, técnica bancária e muito mais coisas que o ensino sistemático da escola oficial deixava a desejar. No memorável programa da TV Continental, há 50 anos, Gilson Amado comandou A Noite dos Tele Poetas, apresentando ao seu público o resultado de um inédito concurso nacional de poesia, com prêmios especialíssimos.
Gilson Amado chamava para falar na Universidade de Cultura Popular, que fundara e dirigia como Reitor muito respeitado, inúmeras autoridades representativas da vida sociocultural da época, como Ministros de Estado, administradores, políticos, professores e muitos outros representantes deste contexto, para discutirem pedagogicamente a força de trabalho e da criação artístico-cultural de nosso povo.
Gilson Amado, sempre inovador na comunicação de massas, inovou na Televisão Brasileira quando promoveu com grande êxito o primeiro concurso nacional de poesia para autores não editados, servindo-se desse incipiente “mass-media”, a Televisão, que por aqui chegava a todo vapor.
Para o seu programa foram enviados mais de 2 mil poemas, “documentando as efusões líricas de 340 poetas espalhados por todo o país”, conforme palavras da longa reportagem a respeito, feita pela então revista Manchete (foto), criada por Adolpho Bloch, para registrar iconograficamente tal acontecimento. A Comissão Julgadora se compunha dos escritores Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Homero Sena, Adonias Filho e Antônio Olinto. Os prêmios eram sedutores e convidativos: 300 mil cruzeiros, oferecidos pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais a quem conquistasse o 1º lugar; 100 mil cruzeiros  a cada um dos detentores do segundo e terceiro lugares, oferta das empresas Shopping Center do Brasil e J.M.M. Publicidade. Aos candidatos classificados do quarto ao sexto lugar foram destinadas três contas, no valor de 50 mil cruzeiros cada uma, abertas pelo Banco de Crédito Rural em qualquer de suas filiais. Bônus do IV Centenário do Rio de Janeiro, no valor de 50 mil cruzeiros, couberam aos candidatos classificados do sétimo ao nono lugar. E a Editora Aguillar deu aos candidatos classificados do décimo ao décimo terceiro lugar obras completas de autores brasileiros de sua coleção.
O primeiro lugar coube a Anderson Braga Horta, de Brasília, com o poema Altiplano; o segundo colocado veio de Belo Horizonte, Henry Correia de Araújo. O terceiro lugar foi Luiz Cesar Saraiva Feijó, da Guanabara, com os poemas de MORRO QUE MORRE.
Neste final de ano esta festa completará 50 anos. Anderson Braga Horta atua culturalmente em Brasília e é, hoje, um dos grandes nomes da nossa literatura, magnífico poeta. Nunca mais soube de Henry Correia de Araújo, que espero ter dado às letras brasileiras toda a força mágica de sua bela poesia adolescente. Bem, nós, estamos sobrevivendo... cheios de saudade...

ATÉ A PRÓXIMA


27 de outubro de 2014

CULTURA NAS PRAIAS E NO VALE






CULTURA NAS PRAIAS E NO VALE


A moderna poesia descritiva e temática parece que agradou e sua produção se faz presente no Brasil inteiro. Aqui pelo Sul, do Rio Grande ao Paraná floresce uma plêiade de bons poetas, que se aventuram pela poesia temática. Sobre a arte secular do circo, Alkimar Santos, lançou Circenses, obra de um magnífico apuro formal próprio de quem domina plenamente a língua portuguesa e trabalha o verso moderno com segura técnica e beleza. Sua estrofação surpreende pelas rimas internas e "enjambement".  
Sobre o paisagismo de uma infância, marcada pelos caminhos do Rio Testo, que serpenteia Pomerode e entra em Blumenau, Irwnêu Voigtlaender pincela a vida com o tom nostálgico de recordações, em seu livro Céu de Cristal. Em Porto Alegre, Colmar Duarte caminha pelas margens de sua Água de Sanga, ao luar, com seu cavalo que “morde o silêncio do freio”, numa noite de Insônia. São versos que soluçam um tempo distante que não volta mais. O memorialismo poético também acompanha a poesia descritiva e temática, servindo, outrossim, de elemento catalisador entre um assunto destacado e a participação do eu – lírico do poeta, embutido na cosmovisão plena daquilo que será transfigurado.
Maria Carmen Varejão, com seus poemas de Canto à Vida, não deixa de invocar os amigos poetas, dedicando-os poemas e fotografias, pois “Tua força está no que acreditas/Pelos caminhos do vento andaste.../Acreditas no amor sem reservas/Num mundo real, sem máscaras”. O conjunto da obra denuncia um tema perseguido: o amor.
Significativo é o tema histórico do último livro de Luigi Maurizi, recentemente falecido, Alforria, floreios na servidão. Temática anacrônica, como proposta, mas bem conduzida e repleta de vestígios, recorrentes ao romantismo poético de Castro Alves.
Também na linha temática, sem trocadilho, o livro de poemas de Tamara Kaufmann, Santa Catarina Entre Linhas e Poemas é um cromo, unindo arte poética, fotografia e tecelagem.
Eduardo Torto Meneghelli Júnior, com seus Borbulhos Mentais, já com muitas edições, trabalha os estratos fônicos, morfo-sintáticos e semânticos, identificando seu texto poético com o Noigandres do concretismo de Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Ronaldo Azeredo, que exploraram as virtualidades das palavras, experimentalmente, em 1956.
Há poucos anos, Fátima Venutti, relançou seu livro Tempestade, na Fundação Cultural do município de Balneário Camboriú, numa bonita noite de festas, de cultura e de muito calor humano. Tempestade é um livro de poemas, editado por Nova Letra, Gráfica e Editora, 2010, Blumenau. Belo e expressivo projeto gráfico de Rosane Kurzhals. Trata-se também de poesia descritiva e temática, onde a chuva, a tempestade e suas consequências marcam o Leitmotif, o fio condutor, de seu texto poético, ávido em buscar o conotativo e a transfiguração da realidade, através de versos e estrofações modernos, sem abandonar totalmente a versificação tradicional.
Para finalizar, é importante registrar a atuação da Academia de Letras de Balneário Camboriú, cuja Presidente, Miriam de Almeida, não mede esforços para lançar, constantemente, Antologias Literárias e Projetos Culturais, em parceria com a Fundação Cultural de Balneário Camboriú. Já são dois volumes de Antologias e um magnifico projeto de oferta de livros à população do município: o BiblioCaixas, lançado recentemente, em 25 de outubro deste ano de 2014.
  De parabéns, portanto, está Santa Catarina em geral e, em particular, este significativo polo cultural, representado pelos municípios praianos de Navegantes, Itajaí, Balneário Camboriú, Itapema, Camboriú e muitos outros do Vale do Rio Itajaí-açu, pródigo em doutores, poetas e loucos...


ATÉ A PRÓXIMA

24 de outubro de 2014

HAVER & EXISTIR


Lá, há pouco tempo, na página 15 do jornalzinho "Linha Popular", de Camboriú, Ano III - nº 115, li uma curta matéria intitulada Academia de Letras abre vaga para três novos acadêmicos, com o sub-lead: Escolha será feita com base em análise do currículo e de obras publicadas. E continua: No início da semana, já haviam seis inscritos para as vagas (sic). Numa primeira leitura manifesta, trata-se de uma informação aos interessados.  Mas, latentemente, é claro que divulga o progresso das duas cidades: Camboriú, que divulga e informa o fato, e Balneário Camboriú, cidade que abriga a Academia de Letras, que procura completar seu Quadro de Imortais, tudo através de seu pequeno jornal. Ambas as cidades em pleno e contínuo desenvolvimento material. O que não condiz com essa aceleração material e social é o fato de ainda haver jornalistas que não sabem que o verbo HAVER, quando significar EXISTIR, é impessoal, isto é, não se flexiona. Portanto, a frase que o jornalista usa, "No início da semana, já haviam seis inscritos para as vagas." deverá ser alterada, a bem da NORMA CULTA DA LÍNGUA, para: No início da semana, já havia seis inscritos para as vagas. Vejam! A linguagem jornalística tem de se pautar pela norma culta do idioma. Bem, isso, talvez, parece estar em conflito com uma não muito antiga posição (mas que não foi revogada) do MEC que publicou e distribuiu um livro didático de Português, onde anula o conceito de erro gramatical tradicional, admitindo como certas frases do tipo:  Os alunos veio de longe. Argumentam as professoras, que falaram sobre isso, que no Brasil há muitas formas de realizações linguísticas e penalizar o aluno que se expressa pelo modelo acima é uma forma de discriminação linguística. Não concordamos, porque não é isso. Há equívocos! A língua é um sistema de signos sociais, o mais perfeito, aliás, que passa de pais para filhos, dentro de uma comunidade cultural, quando, dessa forma, se caracteriza como língua transmitida, completamente diferente da língua adquirida, que é aquela que se aprende à escola, lugar específico, na estrutura social, para se disseminar o conhecimento. Então, a língua adquirida será usada por aqueles que pela escola passarão e dela levarão todos os ensinamentos necessários ao seu desenvolvimento, que, inclusive, acelerará a vida comunitária em geral. Essa visão de erro gramatical, realmente só existe num confronto com vários tipos de linguagem, isto é, confrontando-se os vários registros que a língua apresenta, dentro do espectro social. Assim: os que só se expressam através da língua transmitida; os que se expressam através da língua adquirida em seu estilo culto, ou familiar, ou literário. Comparando esses registros é que podemos falar em ERRO GRAMATICAL. Só haverá erro gramatical na comparação entre os registros da língua. Assim: o professor corrige o aluno na escola, dizendo que ele deverá falar ISSO É PARA EU FAZER e não ISSO É PARA MIM FAZER. O professor, sistematicamente, e qualquer um, assistematicamente, pode e deve assim agir. Continua haver ERRO GRAMATICAL quando um representante comunitário que deve se expressar pela norma culta da língua, não o faz, como o que ocorreu nas páginas desse jornalzinho de Camboriú. O que lá ocorreu foi erro gramatical. Então, há ERROS GRAMATICAIS e ERROS DE COMUNICAÇÃO. Continuo exemplificando: se alguém ouvir um falante da língua com pouca ou nenhuma instrução se expressar assim: "Eu vi dois capitões", essa pessoa não deverá ser discriminada, pois sua fala está presa ao registro popular de nossa língua e qualquer um entenderá o que o cidadão viu: dois militares com patente acima de 1º tenente e abaixo de tenente-coronel. Quanto à comunicação, objetivo primeiro da linguagem, não houve ERRO. Agora, vejam o ERRO de comunicação: se alguém ouvir a frase "João é pobre porque ganha um pingue ordenado" nada entenderá, pois como pode alguém ser pobre se ganha muito? (É importante lembrar que o adjetivo de dois gêneros PINGUE significa, entre outras coisas, abundante, farto e, por extensão, muito, muita quantidade). Assim, houve, nesse caso, um ERRO de comunicação e não linguístico. Então, o ERRO linguístico pode estar na comunicação sem prejuízo do entendimento, mas estará inevitavelmente presente na fala equivocada de alguém que, devendo se expressar pela norma culta do idioma, tendo internalizado, inclusive, a língua adquirida, o faz por seu viés popular, estropiando o idioma. Assim, como vimos, a impropriedade linguística pode oferecer à Comunicação uma falta total de entendimento (no exemplo citado, um ERRO semântico, falta do conhecimento do significado do termo PINGUE). Creio que foi isso que o MEC quis dizer, mas infelizmente, não disse. Em resumo, o MEC não se equivocou, pois não vamos acreditar que lá existam professores que desconheçam o que apresentamos agora. Agiu, sim, sub-repticiamente, de maneira política, e péssima política, diga-se a bem da verdade, para a nossa combalida EDUCAÇÃO, porque, depois desses absurdos a que me referi, ainda diz, clara e contraditoriamente, que o ENEM e os VESTIBULARES deverão examinar os alunos através da NORMA CULTA DA LÍNGUA. Vá entender essa confusão! Esse é o nosso BRASIL atual!
E A NOSSA PRESIDENTA AINDA VOCIFERA QUE VAI MELHORAR A NOSSA EDUCAÇÃO.
Como acreditar?
Chega de engodo. Chega de apedeutas no poder. Chega de corruptos. Chega de niilismo político.
Façamos a mudança agora.


ATÉ A PRÓXIMA  

29 de setembro de 2014

UM OVO DE 86 ANOS



“Urutu” é um óleo sobre tela, de  60  x  72 cm, pintado por Tarsila do Amaral em 1928, portanto, com 86 anos agora. Urutu é o nome de várias espécies de cobras da “família crotálidas”.
Vamos à composição desse belo quadro de nossa pintora modernista. O conteúdo pictórico apresenta-nos, em um único plano, um ovo branco dominante, a cobra-grande (urutu), cor de cobre, enroscada em um símbolo fálico vermelho e preto de cabeça para baixo. Fundo azul-chumbo e terra verde. Esta composição está comprometida tematicamente com o movimento antropofágico, mutação do movimento Pau-Brasil.
O movimento antropofágico, só para ficar bem registrado, teve como líder Oswald de Andrade, que o redigiu, assinou e o datou: ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. Reconheço que esse movimento fora estudado nas escolas de nível médio e aparece redigido em compêndios didáticos de Literatura Brasileira, para o grande público, como um movimento de características bem simplistas e factuais, não interpretadas à luz de suas verdadeiras pretensões, ditas sobre o que é manifesto e esquecidas quanto ao que é latente. Assim, entendemos a antropofagia oswaldiana como uma nova utopia. Oswald de Andrade recoloca o posicionamento freudiano na transformação do tabu em totem. Trata-se de uma revisão da ótica freudiana. O tabu, proibição, é desmitificado ao ser explicitada a sua representação. Totem seria a manifestação exterior de parentesco; animais, vegetais, fenômenos naturais etc. Relações teológicas e de parentesco. O totem estaria vinculado à estrutura matrilinear de parentesco e sua adoção visa evitar o incesto. O tabu seria o mistério, a proibição tácita, o sagrado, estabelecendo relações teológicas e de parentesco, vinculado à estrutura patrilinear de parentesco. Sua adoção, da mesma forma, visa evitar o incesto. Então, sob a ótica freudiana, o totem é substituído pelo tabu na evolução dos grupos tribais, para que a repressão seja simbólica, evidenciando e tornando sobredeterminado o nome do Pai. Isto, segundo Freud, construiu a nossa cultura, dita civilizada. O que fez Oswald de Andrade? Colocou Freud de cabeça para baixo. Sob a ótica de Oswald, o tabu fora substituído pelo totem. Assim, o matriarcado de Pindorama somou-se ao mito grego da plenitude da Idade de Ouro, para ser afastada a repressão simbólica, o nome do Pai, de nossa cultura, dita civilizada, onde tentou fazer a releitura da Escola pela Selva. Mas, como só a manifestação exterior, que é o totem, explicita o tabu, isso retira a interiorização da Lei, logo é uma utopia, porque o incesto é proibido tanto no totem, como no tabu. Portanto, é sob estas considerações que devemos analisar e interpretar o quadro “Urutu” de Tarsila do Amaral, não esquecendo que o movimento Pau-Brasil foi um grande impasse e o movimento antropofágico foi uma utopia. Seguindo:
Podemos dizer que este óleo sobre tela comportaria a seguinte legenda: A cobra-grande engole o Ovo de Colombo.
O símbolo nativo e seu totem fálico, representando a Selva, deglutindo a Escola, simbolizada pelo Ovo de Colombo, é o marco da dominação europeia. Neste discurso antropofágico, Tarsila do Amaral coloca-se sob a ótica oswaldiana, substituindo o tabu pelo totem, explicitando um ideal social de liberdade, característica do matriarcado de Pindorama (entenda-se Pindorama como o nome gentílico do Brasil). Se a manifestação exterior, o totem fálico, que o “Urutu” segura, explicita o tabu (mistério) imposto pela cultura europeia, a repressão simbólica da nova estrutura social estaria afastada, pois teria sido deglutida pela Selva, que impõe, agora, novos valores, liberando o desejo louco. Assim, os objetos básicos da gênese da vida estão simbolizados nessa concepção pictórica de Tarsila do Amaral, como diria Roberto Pontual, “onde o universal se particulariza e o popular se funde no erudito”.


ATÉ A PRÓXIMA

28 de setembro de 2014

Contestação e Cultura



Só acreditaria nesses discursos ideológicos de nossa esquerda idiota e despreparada, se visse nesses falastrões, que criticam tudo que é progresso nessas atuais campanhas eleitorais, significativas críticas sociais, sociológicas, estéticas e históricas, como fizeram nossos artistas do início do século XX, como um Oswald de Andrade ou uma Tarsila do Amaral, servindo-se da arte como forma de contestação. Do contrário, não devem nem podem ser levados a sério.

Então, vejamos:

O Vendedor de Frutas é um óleo sobre tela, de 106  x  83  cm, de 1925, da pintora Tarsila do Amaral, que compôs a síntese do academicismo com as tendências cubistas europeias, mesclando sua temática com assuntos brasílicos, principalmente nos anos 20 e 30, na redescoberta do Brasil, num engajamento teórico do movimento Pau-Brasil e, posteriormente, do movimento antropofágico. Na posição Pau-Brasil, assume o diálogo temático entre o factual e a sua interpretação temática, onde nos mostra a eterna brincadeira entre a cultura europeia e o índio brasileiro; entre o mundo e o Brasil. Já na posição antropofágica, cria uma convivência entre o patriarcado e o matriarcado; entre o mito de plenitude grega da Idade de Ouro e o Pindorama, explicitando a deglutição da Escola pela Selva.  Assim, Tarsila trabalha com o código sinuoso da deformação e com os ângulos geométricos do cubismo, tropicalizando suas figuras irreverentemente caricaturadas.  Nesta composição, O Vendedor de Frutas, Tarsila se posiciona no movimento Pau-Brasil, tanto pela temática abordada, vendedor de frutas de nossa terra, quanto pela sugestão de uma retomada da História do Brasil. O quadro, dentro de certas angulações, projeta as técnicas cubistas, diluídas em ritmos sinuosos, com um cromatismo vivo, predominando acentuadamente a combinação das cores de nossa bandeira. Ao nível da figuração, percebe-se uma das naus portuguesas abarrotadas de frutas tropicais, como o abacaxi, a banana, laranjas, além de um exemplar de nossa fauna, um pássaro verde, misto de tucano e papagaio. O capitão do barco é um mestiço, o marginalizado, a figura principal que domina a tela visualmente. É a valorização da favela sobre a escola, que reflete a cultura herdada, pela projeção, no horizonte, da igreja e da casa-grande, aquém dos palmares. Uma retomada da História, portanto. Retomada que desmitifica o “lado doutor”, repudiado pela caricatura e desproporção. Tudo ocorre num frenético colorido carnavalesco, numa tomada fotográfica do caboclo marginalizado, que posa para a posteridade, chamando para si as atenções da despreocupação burguesa da Belle Époque dos anos de 1925. E isso tudo vai fazer 90 anos. Não se contesta mais com inteligência, como se fazia antigamente. Vamos nos ligar, minha gente ! 



ATÉ A PRÓXIMA

19 de setembro de 2014

TUDO JUNTO E MISTURADO


Há muitos programas nos canais esportivos das televisões brasileiras, abertos e a cabo, que apresentam uma formatação nada interessante e muito equivocada, mesmo. Refiro-me, principalmente aos programas que vêm sempre depois dos jogos de futebol dos campeonatos brasileiros e regionais. Esses programas apresentam comentários dos técnicos, em entrevistas coletivas, sendo sabatinados por repórteres ou coisa parecida. Ora, tudo que é perguntado e também o que é respondido, dificilmente interessa ao torcedor, ou lhe é interessante. Antigamente, e isso começou no rádio, é claro, por este ser mais velho do que a televisão, havia os comentários técnicos sobre a partida, feitos por analistas de fala fácil e de raciocínio lúcido, sempre no meio e no fim das partidas, isto é, no intervalo do primeiro para o segundo tempo e no final de cada jogo. No decorrer da transmissão, só a interferência de repórteres de campo e as opiniões dos comentaristas da arbitragem. Citemos, por exemplo, João Saldanha e Luís Mendes, cujos epítetos, “O realmente técnico“ e “O Comentarista da palavra fácil”, até hoje são lembrados por seus fãs, que têm muitos motivos para deles se orgulharem, pois eles sabiam dizer o que o ouvinte queria escutar. Eram profissionais da imprensa que falavam do futebol que fora jogado minutos atrás, levando aos ouvintes ou aos telespectadores aquilo que poderia ter passado despercebido, como o despreparo de um jogador para ocupar uma posição de jogo em campo, para a qual não fora treinado durante a semana, por exemplo. Ou, talvez, suas vozes marcantes levassem aos ouvintes informações colhidas pela produção de suas emissoras, que se transforariam em verdadeiros furos de reportagem. O fato é que hoje, a formatação desses programas de comentários após as partidas de futebol é ridícula, sem criatividade e sem propósito. A própria disposição cênica é saturadíssima e redundante. Um elemento comanda as indagações, em pé ou sentado, ao lado de uma mesinha, e dois ou três, numa mesa maior, respondem perguntas óbvias ou comentam a fala dos técnicos das equipes que se confrontaram, outra forma horrorosa de produzir informação, como se fosse o rescaldo de um incêndio ocorrido em noventa minutos de sofreguidão. Qual o objetivo de um técnico ficar falando por longos minutos sobre como ele viu o seu time jogar? Ele é técnico para arrumar o seu time e prestar contas a quem o contratou. Quem vai prestar contas à torcida é o dirigente do Clube. Se o técnico não gostou do desempenho de sua equipe, que mude a forma de atuar no próximo jogo, ou, pelo menos, tente mudar. Ou ele não é o supremo comandante? No fundo, no fundo, toda a falação não serve para nada, a não ser para ser mote de fofocas. E se estendermos nossas observações para os programas esportivos sobre futebol, em dias e em horários distantes das partidas do meio ou do fim de semana, a coisa fica muito pior. Há programas que misturam bate-papo futebolístico, música popular brasileira e teorias científicas, tudo discutido entre jogadores, ex-jogadores, técnicos, ex-técnicos, ex-árbitros de futebol, músicos, gestores empresariais, numa mistura de repertório e competência, ficando tudo muito parecido com programa humorístico. Sabemos que o futebol é uma grande metalinguagem que irá falar dele mesmo, através de outros códigos, mas no fundo, no fundo, futebol é prazer lúdico em primeiro lugar. Depois é que vem, ou veio o futebol profissão, o futebol negócio. Agora vejam. Esses programas de rádio e televisão visam um público com expectativas centradas na ludicidade, mesmo porque a grande maioria dos ouvintes ou telespectadores sem rosto, isto é, a audiência, tem um repertório limitado e preso aos prazeres desse magnífico esporte de massas. Para outro público, outra formatação. Outro discurso. O que irrita é que está tudo junto e misturado.


ATÉ A PRÓXIMA

5 de agosto de 2014

ESTE TEXTO TEM VALOR LITERÁRIO ?



Esse trabalho é uma homenagem à Academia de Letras de Balneário Camboriú, que completou 12 anos de intensa e profícua vida literária.



Uma lição aprendida com dois grandes mestres e amigos:
 Leodegário A. de Azevedo Filho
e
Antônio Sérgio Lima Mendonça.



Eis uma pergunta que surge, quase sempre, quando alguém quer publicar um livro e encontra uma pessoa em quem confia, para ver se, realmente, o que escreveu se sustenta como um texto com algum valor literário.
Bem, será preciso que tenhamos conhecimento de que Literatura é uma ação transformadora e intencional do texto, em relação ao contexto, entre outras possíveis respostas e posicionamentos, a respeito desse complexo tema. O que queremos dizer é que o texto literário transforma e modifica, pela ação intencional do sujeito, a realidade circundante, com todas as formas contextuais que envolvem o ambiente retratado, vivido ou experimentado pelo autor da escritura, no plano real ou no plano onírico, utilizando a palavra, pois não há literatura sem signo, principalmente o verbal. E mais, a literatura é uma ação transformadora que gira em torno das denotações e conotações, não de Primeiro Grau, mas de Segundo Grau, construindo estruturas metonímicas e metafóricas, próprias do literário.
Outra consideração apriorística é que não se deve confundir o ato literário com o poético. Este é essência daquele, enquanto fundo e não enquanto forma.  Assim, o poético pode envolver qualquer manifestação transformadora que apresente a participação consciente e a vontade explícita do sujeito em se manifestar, numa espécie de atitude semiológica, onde a intensão é a de comunicar, sempre guardando sua essência, conotativamente transfiguradora. Então, o poético pode se presentificar no pictórico, na representação pantomímica ou em qualquer outro tipo de expressão, onde o código sobredeterminante não seja o código linguístico. Mas a literatura é, antes de tudo, a arte da palavra, enquanto lexema do código linguístico.
Portanto, como dissemos, a literatura é uma ação transformadora que envolve as denotações e conotações, servindo-se delas para significar. Não as denotações e conotações de Primeiro Grau, mas as de Segundo Grau, construindo estruturas metonímicas e metafóricas, próprias do literário.
Então, recordemos essas lições. As denotações e as conotações podem ser de Primeiro e de Segundo Graus. Abrangentemente, as denotações são as representações linguísticas referenciais, e as conotações são as que sugerem a referencialidade. As ações transformadoras de Primeiro Grau estão presas à retórica, desde o classicismo greco-latino até hoje. Essas ações, ligadas à retórica clássica, foram reproduzidas em nosso sistema escolar, impostas pela gramática tradicional, ensinada nas escolas de Nível Médio e, hoje, são muito conhecidas, tendo a metáfora e a metonímia como verdadeiro carro-chefe dessas chamadas figuras de linguagem. Mas, para a literatura, o que importa significativamente são as ações transformadoras que orbitam em torno das denotações e das conotações de Segundo Grau. Vamos abrir aqui um parêntese para penetrarmos no campo da Teoria do Discurso Literário, citando o Prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo Filho, quando nos diz:
 “No discurso literário, ao contrário, a representação se mostra descentrada. E daí se conclui que a relação simétrica é o lugar da construção do novo sentido, ou da palavra não dita, exatamente porque o literário é o signo que assume a sua arbitrariedade, enquanto o referencial e o ideológico a dissimulam. Por aqui já se verifica que uma teoria do discurso literário, para ser posta a serviço da literatura, tem que ultrapassar os limites da língua. Daí a necessidade, para melhor compreensão do problema, de uma análise da série de elementos que, em cadeia, integram a estrutura do discurso, enfatizando-se aí o que for especificamente literário. Tais elementos são: 1-       Planos (Denotativo – Conotativo); 2-              Funções (1° Grau – 2° Grau); 3-Mecanismos (Combinação – Seleção); 4-Processos (Contiguidade – Similaridade); 5-Eixos (Sintagmático – Paradigmático); 6-          Imagens (Metonímia – Metáfora)”. In, Por uma Teoria do Discurso Literário.
Leodegário, conclui seu artigo, dizendo que “os dados fornecidos pela lingüística (incluindo aí a retórica tradicional também), perfeitamente capazes de explicar a estrutura e o funcionamento da língua, são insuficientes (o grifo é nosso) para explicar, em sua totalidade, a estrutura e o funcionamento do discurso literário”. Mas agora, o importante é distinguirmos os dois campos das Funções e das Imagens (Cf. Itens 2 e 6), deixando os demais elementos que integram a estrutura do discurso para outra oportunidade.
Desta forma, a metáfora e a metonímia podem ser estudadas dentro do campo da RETÓRICA CLÁSSICA que as apresenta em Primeiro Grau. Já em Segundo Grau, no campo do Regime do Inconsciente, onde a condensação e o deslocamento formam o Regime do Inconsciente, que são as regras que o inconsciente usa para a significação, surgem a Metáfora e a Metonímia. 
A Metonímia estará centrada numa condensação manifesta, cujo sentido reside num deslocamento latente. Já a Metáfora resulta, inversamente, de uma condensação latente, por força de um deslocamento manifesto de sentido.
Já os discursos referenciais e ideológicos, incluindo-se aí os discursos publicitários ou de função conativa, não estão investidos de uma função de Segundo Grau e, portanto, não são literários. Mas, por outro lado, o discurso literário comporta o referencial, o ideológico e o publicitário, que nele aparecem entrecruzados e trabalhados pela linguagem e não pela língua, porque a linguagem só fala quando a língua se cala. Então, como mostrou o professor Leodegário A. de Azevedo Filho, a relação entre texto e contexto deixa de ser simétrica e passa a ser assimétrica, tornando-se literária. Assim, o literário só pode ser assimétrico, isto é, não referencial, inteiramente transgressor.
Antes de recordarmos como surgem as denotações e as conotações de Segundo Grau, queremos registrar a grande contribuição aos estudos psicanalíticos de base lacaniana, no Brasil, do Prof. Dr. Antônio Sérgio Lima Mendonça, com quem aprendemos a costurar, nessa área, os discursos literários com os das ciências sociais. Antônio Sérgio, sem dúvida, um dos maiores teóricos brasileiros do discurso psicanalítico aplicado às Ciências Sociais e à Literatura, vem publicando textos, de significativo valor científico, desde seus primeiros ensaios na Revista Brasileira de Linguística Vozes e na Revista Tempo Brasileiro, da década de 70, no Rio de Janeiro, até os dias de hoje, enquanto Diretor de Ensino do Centro de Estudos Lacaneanos, Porto Alegre, RS. Por isso mesmo, é preciso recorrermos às suas aulas, para se compreender, mais claramente, como surgem as denotações e as conotações de Segundo Grau, construindo a Metáfora e a Metonímia, no campo do Regime do Inconsciente.
Tentemos entender o Processo Primário, segundo Freud ou a Fase Especular, segundo Lacan. Na fase da gestação, no corpo da mãe, a criança, identificada como feto, ao nascer, se inclui na iniciação do Processo Primário. Aí, surge a Linguagem do Imaginário, Freud chama de Id, com os seguintes mecanismos: Condensação e Deslocamento. Ao nascer, a criança sente a "falta", isto é, torna-se um OUTRO, sem um "porquê" e usará a Linguagem imaginariamente, porque não tem ainda um pensamento, e sim identidade de percepção, em busca de uma significação. Na Condensação ocorre a identificação com a mãe, num só corpo, que é representada pela metáfora do SEIO. O SEIO será o princípio do prazer, pela sucção, que alimentará o corpo. O final da sucção é a representação que trará, por oposição, a expectativa da ausência, portanto o Tanatus, a morte. A vida é um caminhar inexorável para a morte. Portanto, a condensação será o espelhado, como parte do corpo da criança.
No Deslocamento, a criança vê sua imagem no OUTRO, como no espelho, logo há um deslocamento. A imagem especular é deslocada e invertida. A CONDENSAÇÃO e o DESLOCAMENTO formam o Regime do Inconsciente, que são as regras que o inconsciente usa para a significação. No Processo Primário não há significação, somente ocorrem representações fantasiosas.
Falamos acima, quando nos referimos às denotações e às conotações que estas poderiam ser de dois graus. As de Segundo Grau atuam no campo do Regime do Inconsciente.  Portanto, veremos como esse Regime opera.
O INCONSCIENTE é o discurso do Outro (da cultura) e funciona, segundo Jacques Lacan, como uma linguagem. No Regime do Inconsciente, o Imaginário relê Simbólico. O Imaginário é a transgressão e o Simbólico são os lugares, que correspondem, na nomenclatura lacaniana aos Significantes de Saussure (Ferdinand de Saussure). Assim, o Imaginário é inerente à linguagem e o Simbólico é o que preenche a linguagem, mas se antecede a ela, pois é a única forma de realizá-la. Portanto, é o Simbólico que realiza a linguagem. Em outras palavras, a linguagem está no, ou pertence ao Simbólico.
Assim, o Regime do Inconsciente opera através da Condensação e do Deslocamento e trabalha no Processo Primário, que é regido pelo Princípio do Prazer, sendo desenvolvido pelo Princípio de Realidade.  É importante assinalar que não se deve confundir, em hipótese alguma, Princípio com Instinto (como não se deve confundir, também, prazer com tesão). Instinto é um mecanismo orgânico e Princípio é o mecanismo da linguagem. Então, surge no PP o outro do Imaginário, porque ainda não se têm os significantes do Simbólico. Surge o JE, que é a cadeia de Significantes ocultos do Imaginário. Surgem, ainda, as alucinações, pois a Criança/Outro só detém o desejo de seu corpo, sem os significantes do Simbólico. No Processo Primário haverá a constante luta entre o Princípio de Prazer e o da Morte (Tânatos). Então, lembremos sempre que quem regula o Processo Primário é o Princípio do Prazer, sempre condensando e deslocando e quem desenvolve o Processo Primário (PP) é o Princípio de Realidade. Mas o Regime do Inconsciente opera, ainda, através da Condensação e do Deslocamento no Processo Secundário (PS) e lá, quem rege o PS é o Princípio de Realidade (pois a morte está no simbólico) e quem o desenvolve é o Princípio do Prazer. Surge, então, no PS o outro do Simbólico. Surge, também, o MOI, isto é, o Ideal de Eu, o OUTRO do Simbólico. Surge, também, o ÉDIPO (como estrutura). Surgem os signos da língua e o Outro/Criança será o desejo do desejo do outro.
Assim sendo, o discurso literário trará sempre uma ação transformadora, que vai constantemente girar em torno das denotações e das conotações, não de Primeiro Grau, mas de Segundo Grau, como falamos e mostramos acima, gerando estruturas metonímicas e metafóricas, transformando por assimetria, constantemente, o texto em relação ao contexto.

Citei neste trabalho dois grandes professores universitários que influenciaram minha vida intelectual e minha carreira universitária: Leodegário Amarante de Azevedo Filho e Antônio Sérgio Lima Mendonça. O primeiro, meu professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que pranteio, in memoriam, como profundo conhecedor das teorias da Literatura, filólogo e o maior especialista e crítico da obra lírica de Luiz de Camões, com quem aprendi a base da cultura literária. O segundo, meu amigo e antigo aluno, na UERJ, depois meu orientador no Mestrado em Teoria da Significação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, é, sem dúvida alguma, um dos maiores teóricos brasileiros do discurso psicanalítico de base lacaniana, sempre difundindo seu saber, em conferências, simpósios e congressos, tanto no Brasil, como no exterior.  A ambos, o meu agradecimento pela paciência, enquanto tentava aprender.

ATÉ A PRÓXIMA

22 de julho de 2014

Um Passeio Linguístico





SANGÃO é um município catarinense a 18 km de Tubarão, na costa central do Estado, cortado pela BR 101. Também é um bairro do município de Criciúma.  Parece ser aumentativo de SANGA, subst. fem., que significa rio pequeno, com pouca água; riacho. Mas pode ser voçoroca (termo que provém do tupi). Então, SANGÃO seria um grande rio pequeno ou um grande pequeno rio. E mais, nesse município catarinense existe um bairro chamado SANGÃOZINHO. Seria assim: um pequeno grande rio pequeno. Que coisa! Pensam que acabou? Tem mais. Lá, nesse bairro, existe o SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE. Tentem pronunciar esse nome: parece que é SÃO GÃOZINHO. Um nome de santo. Esse fenômeno fonético ocorre porque o ditongo nasal se evidencia no sintagma que possui extenso corpo fonético. Já isso não ocorre em SANGÃO, de reduzido grupo de fonemas.

Outra coisa interessante, além da produtividade desse substantivo, é que a possível etimologia de SANGA estaria no Quicongo, uma língua banta, de Angola, África. Os escravos traficados trouxeram esse nome para o Brasil. E mais. No sul, onde a influência africana no vocabulário de nossa língua é menor do que no Sudeste, o vocábulo SANGA é de uso corriqueiro e até de uso poético. Água de Sanga é um bem construído livro de poesia de Colmar Duarte, lá de Uruguaiana, quase um poeta argentino... Abro um parêntese aqui para dizer que nos pampas junto às fronteiras, é comum se ouvir dizer que o povo rio-grandense é um povo miscigenado. É verdade, mas lá, se diz que essa miscigenação foi entre o europeu (português e espanhol) e o índio. Não falam do negro. E SANGA é nome de origem africana, muito usado e produtivo, como vimos. Já o termo correspondente, VOÇOROCA, que vem do tupi, é pouco usado ou quase nunca empregado. Já no Paraná, esse termo é mais ouvido. Há até uma grande represa que fornece água potável para Curitiba que se chama Represa Voçoroca. E por falar em termos de origem tupi, é sempre bom lembrar que esses termos tupis ocupam grande parte da onomástica catarinense e foram muito bem estudados por Lino João Dell’Antonio, em seu livro Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses: significado e origem. Vale dizer que a tese desse autor é interessante, pois afirma que, sendo o índio nômade, ele marcava os lugares especiais com termos realmente significativos. Explico melhor. Em Santa Catarina qualquer rio é cheio de capivaras. Então, um lugar ou um rio se chamar Capivari não acrescenta absolutamente nada à orientação de ninguém. É muito bem fundamentada, ainda, a análise – hipótese linguística - que o autor faz da origem de LAGES, por exemplo, cidade importante, no centro do planalto catarinense, quando aplica sua teoria, afirmando ser LAGES uma corrupção linguística de “hayé” que significa atalho, uma referência ao atalho das Tijucas, feito por Cristóvão Pereira de Abreu, em 1733. Finalmente, é verdadeira sua argumentação final, quando diz que muitos nomes de lugares foram dados pelo homem branco, utilizando termos da língua tupi.          

Tudo isso que escrevo e comento é fruto de anotações que faço durante minhas viagens, quando tento observar as construções linguísticas de nosso povo e o modo de viver dessa gente feliz do sul do Brasil. Tento juntar essas observações em uma espécie de diário de viagem ou em crônicas pseudoliterárias, misturando curiosidades linguísticas com as mais diversas práticas esportivas, e entre elas o futebol, pois ele sempre está presente na vida simples, que corre junto às estradas por onde passo.

Mas voltemos ao tal clube de futebol do bairro SANGÃOZINHO. Conversando na frente do SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE com a rapaziada de plantão, nesses tempos de Copa do Mundo, resolvi saber alguma coisa desse time de várzea. Tinha poucos anos. Três ou quatro, mas já possuía um terreiro para seus treinos e jogos: SANGÃOZINHO  X  VISITANTES estava escrito na entrada do campo. Quis perguntar o nome do craque do time, mas minha atenção recaiu na escalação do próximo jogo, dita por um piá. Era, mais ou menos, pronunciado, como em priscas eras, quando se declinavam os nomes dos jogadores. Havia um ritmo, que tentava visualizar, através da sequência dos nomes dos jogadores, as suas verdadeiras posições em campo. Havia pontas e “center four”, estão lembrados? Assim: Goleiro; 2 beques; 3 na linha média e 5 na linha de frente. Eu sei de cor o meu time tricampeão carioca pela primeira vez: ROBERTINHO, GUALTER e HAROLDO; PACOAL, TELESCA e BIGODE. PEDRO AMORIM, ADEMIR, SIMÕES, ORLANDO e RODRIGUES. Foi há muito tempo... Muita gente ainda sabe de cor os seus times campeões lá do passado, nesse mesmo ritmo... Mas o que mais me chamava atenção nesse modo de falar era o meio de campo. Aliterações, coliterações e principalmente o ritmo, quase sempre em redondilhas, tudo sempre soava muito bem! Observem esses trios:

FLUMINENSE: Pascoal, Telesca e Bigode;
VASCO: Eli, Danilo e Jorge;
AMÉRICA: Oscar, Dino e Álvaro;
FLAMENGO: Biguá, Bria e Jaime.

É, minha gente, antigamente não havia muito diminutivo...Os jogadores eram durões e a afetividade andava afastada dos campos de jogo.

Mas o mais famoso trio de meio-de-campo foi o DDD piauiense: Demóstenes, Deusdedit e Dirran. Demóstenes, nome de origem grega que denota a força do povo, com suas raízes dêmos e sthénosDeusdedit, nome de origem latina que mostra a religiosidade do povo nordestino, ao agradecer a vida dada por Deus. Já Dirran, quando todos pensavam se tratar do nome francês, Düren, da Ville de Westphalie, onde teria vivido a família do craque, grande lateral esquerdo piauiense, ouvimos do próprio jogador a explicação do seu nome, com todo o seu sotaque nordestino, (vice), aos microfones de uma grande e famosa emissora da região:  


-Não é nome não, vice! É apelido. Como eu sou muito feio me chamam de CU DE . Não se pode falar no rádio, então eles só falam a metade, “Dirrã”. 

ATÉ A PRÓXIMA

18 de janeiro de 2014

Sinais alarmantes

Sinais alarmantes - Fernando Henrique Cardoso
Finalmente FHC falou. Vale a pena ler. Mas ler sem paixão partidária, e entendam que é um texto de eminente Professor de Sociologia (inclusive da Sourbone), e não texto terceirizado, assinado por Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do ABC.
 Sinais alarmantes - ESTADÃO DE DOMINGO

Por Fernando Henrique Cardoso - Sociólogo

Finalmente fez-se justiça no caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento. Estão presos ao lado de outros que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público.

Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais — mesmo que controversos — erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição. Onde está a Revolução?

Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas usaram-no para construir a “nova sociedade”. Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para perpetuar-se no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar a seus seguidores mais crédulos.

Basta de tanto engodo. A condenação pelos crimes do mensalão se deu em plena vigência do Estado de Direito, em um momento no qual o Executivo é exercido pelo Partido dos Trabalhadores, cujo governo indicou a maioria dos ministros do Supremo.

Não houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processo legal. Então por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista. É preciso mentir, enganar-se e repetir o mantra. Não por acaso a direção do PT amplifica a encenação, e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff...

Tem sido sempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até a ideia esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT. Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as múltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O que conta é a manutenção do poder.

Em toada semelhante, o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade: estamos juntos, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao país, o que dizer?

Reitero, escrevo tudo isso com melancolia, não só porque não me apraz ver gente na cadeia, embora reconheça a legalidade e a necessidade da decisão, mas principalmente porque tanto as ações que levaram a tão infeliz desfecho como a cortina de mentiras que alimenta a aura de heroicidade fazem parte de amplo processo de alienação que envolve a sociedade brasileira.

São muitos os responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido a compreensão do alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduzir o bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido a coragem de gritar contra essas práticas.

É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencer à “base aliada” do governo. Calam-se diante do mensalão e demais transgressões, como se o "hegemonismo petista” que os mantém seja compatível com a democracia.

Que dizer então da parte da elite empresarial que se ceva dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?

Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu, e poucos bradam. Dai a descrença sobre a elite política reinante na opinião pública mais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, o ministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção, teme-se que, ao deixar a presidência do STF, a onda moralizante dê marcha a ré. É evidente a descrença nas instituições, e a tal ponto que se crê mais nas pessoas, sem perceber que por esse caminho voltaremos aos salvadores da pátria. São sinais alarmantes.

Os seguidores do lulo-petismo, por serem crédulos, talvez sejam menos responsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os medrosos, os oportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que está à vista de todos. Que dizer então das práticas políticas? Não dá mais!

Estamos a ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala, e as oposições, mesmo que berrem, não encontram eco. E sejamos francos: estamos berrando pouco.

É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal.

A hegemonia de um partido que não consegue se deslindar de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível.

Escudado nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil que agrada não só aos consumidores, mas, em volume muito maior, aos audaciosos que montam suas estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de Estado pela militância ávida e por oportunistas que querem se beneficiar do Estado distorce as práticas republicanas.

Tudo isso é arquissabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulo-petismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos. 
Não é a política que faz o candidato virar ladrão, é o seu voto que faz o ladrão virar político.

 Agora, o SINAL ALARMANTE: 

11 de janeiro de 2014

QUINCAS BERRO D’ÁGUA


Assisti, ontem, na TV Globo, ao filme de Sérgio Machado (2010), QUINCAS BERRO D’ÁGUA, baseado na novela  Morte e a Morte de Quincas Berro D’água, de Jorge Amado. Fiquei sem sono e fui para a minha mesa de trabalho reler essa obra do grande escritor baiano. Em cima de minha mesa de trabalho vi, jogado e adormecido um livro de poesia, que parecia ter sido atirado ali, desde as telas da tevê, por um dos doidivanas, talvez pelo “poeta da cara pintada”, o palhaço, um dos que carregavam o corpo de Quincas Berro D’água pelas ladeiras do Pelourinho, depois de sua primeira morte... Não me contive. Compus inspirado no imortal escritor baiano os versinhos abaixo, que podem, muito bem, servir de carapuça a muitos vates ordinários...

Esse livro é um desserviço
à estética, sim, senhor! 
“Podem enfiar tudo isso
no cu do comendador”.


ATÉ A PRÓXIMA.
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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.