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5 de fevereiro de 2018

A RIMA E MUITOS ABSURDOS




A RIMA é, sobretudo, um fenômeno fonético.

A lição de Mattoso Câmara Jr., um dos maiores, se não o maior, linguista brasileiro, é muito precisa. Mattoso diz que, em última análise, é a norma linguística que impõe a RIMA, independentemente de qualquer individualismo, seja quem for o poeta, ou do particularismo de uma plêiade de qualquer instituição ou escolas literárias, por exemplo, que trabalhem com poemas e rimas, por mais eminentes e predominantes que sejam esses poetas, essas plêiades ou essas instituições, em sua época. Ou em qualquer época, pode-se, ainda, afirmar.

Então, o que se pode e se deve fazer é orientar os indivíduos ou grupo de indivíduos, unidos por um ideal estético, para que entendam plenamente como tudo isso funciona.  Deve-se mostrar que o estudo da versificação se dá em base linguística e baseia-se, não só na fonética geral, mas também nas modernas orientações dos estudos fônicos, adstritos à fonologia do Círculo Linguístico de Praga, de acordo com as visões de Trubetzkoy e Roman Jakobson, entre outros, ou de acordo com a fonêmica  da escola norte-americana, derivada de Sapir e Bloonfield. Fora disso, é se expor às críticas de todas as agudas pontas da rosa dos ventos...

Assim, sendo, é importante, em primeiro lugar, lembrar que a Rima brasileira é diferente da rima do português de Portugal. Logo qualquer trabalho poético no Brasil, deverá ser regido, no que diz respeito à RIMA, pelos ditames dos estudos fonológicos do PORTUGUÊS do BRASIL. 

Vejamos o que Mattoso Câmara Jr afirma:

“A rima brasileira tem uma temática própria, consubstanciada numa tradição estética, que lhe mantém a unidade através das mudanças de escola e ideias poéticas”. (Para o estudo da fonêmica portuguesa, Vozes, Petrópolis, 2008, p. 85).

No Brasil, isto é, no português do Brasil, a palavra “mãe” não rima com a palavra “também” e outras terminadas em ditongo tônico, decrescente, grafado  –ém-. Em Portugal, sim.  O caso de Casimiro de Abreu é isolado e esporádico.

As seguintes Rimas imperfeitas, consagradas pela tradição parnasiana, romântica, simbolista e modernista são rimas lídimas, válidas, portanto. Não desmerecem o texto nem o seu autor:

Nus > azuis – C. de Abreu;
Azuis > luz – O. Bilac;
Espirais > Satanás – C. Alves;
Traz > mais – A. de Oliveira.

Estão, pois, de acordo com os modernos estudos linguísticos e fônicos, adstritos à fonologia do Círculo Linguístico de Praga, de acordo com as visões de Trubetzkoy e Jakobson, entre outros.
De acordo com os critérios dos estudos fonológicos, advindos do Círculo Linguístico de Praga, com Trubetzkoy e Roman Jakobson, interpretando os sons da fala, podemos dizer que a RIMA consiste numa coincidência de traços distintivos entre duas ou mais séries fônicas, a partir de um determinado ponto da enunciação.

A RIMA será perfeita, quando a coincidência abarcar todos os traços distintivos.

A RIMA será imperfeita, ao contrário, quando as séries fônicas divergirem em certos componentes quer simultâneos, quer sucessivos:  no caso dos simultâneos, quando houver divergência de fonemas; no caso dos sucessivos, quando houver um fonema presente numa série e ausente noutra. O que condiciona o aparecimento de uma RIMA IMPERFEITA é o sentimento, por parte dos poetas, que sentem que NÃO há necessidade de uma coincidência TOTAL de traços fônicos distintivos, isto porque os há estrutural e funcionalmente fracos em cada série fônica, por força das próprias condições fonêmicas da língua. Lição dada por MattosoCâmara Jr., in 2008, p.90.

RIMAS APARENTEMENTE IMPERFEITAS

Podemos considerar perfeitas as rimas aparentemente imperfeitas, que surjam baseadas no triângulo do quadro das vogais átonas finais, do português do Brasil:

Vogais átonas finais:  / i / ,  / a / ,  / u /.

Assim, rimas aparentemente imperfeitas, mas ditas PERFEITAS:

Argus > largos; Vênus > serenos; Cálix > vales; Nave > “clamavi”; Regina Coeli > impele; Define > Bellini; Impele-te > satélite

PRONÚNCIA SINCOPADA

Visse > superfície; Ricos > oblíquos; Suponho-os > risonhos; Depeno-os > ingênuos; Espécie > tece e;

Esta pequena introdução é importante para comentar muitas propostas de algumas  agremiações lúdico-recreativas, sem preocupação com a teoria literária e a ciência linguística, que promovem concursos internos ou aberto ao público em geral. Uma dessas propostas que tivemos a oportunidade de folhear, trazida por um amigo, dizia respeito ao tratamento dos versos das trovas que concorreriam a prêmios, postadas por poetas e versejadores brasileiros, no código linguístico do português do Brasil. Nessas ocasiões, deve-se tomar todo cuidado para não se cair em equívocos lamentáveis. No texto em questão, publicado no Boletim Oficial da referida entidade,   seus dirigentes confundiram FORMA APOCOPADA com FORMA SINCOPADA, confundindo-se teoricamente, dando, inclusive, exemplos de um caso pelo outro.

Enfim, ficou claro que agremiações lúdico-recreativas não detêm, nem pode deter poder nenhum normativo generalizado, nem podem servir  de “vade mecum” poético para ninguém. Podem, no mínimo, combinar entre seus pares, o que valerá, internamente, nos concursos de trovas ou demais poemas de forma fixa, por exemplo, desde que acertem tudo de maneira plausível, dentro das regras tradicionais do estudo da Versificação.

Assim sendo, pretendemos insistir nas orientações linguísticas de estudiosos clássicos, como as de Mattoso Câmara Jr., estudioso desse campo do saber linguístico-literário. Fomos aluno e amigo do mestre Mattoso, que se destacou não só no Brasil, como no exterior, principalmente nos Estados Unidos da América, onde estudou com Roman Jakobson e pronunciou inúmeras conferências em universidades famosas. Foi fundador e membro nato da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL) da qual pertencemos, (1997) e, ao falecer (1970), era presidente da Associação de Linguística e Filologia da América Latina e, desde 1967, membro do Comitê Internacional Permanente de Linguistas, composto por 12 membros, sendo o único da América Latina.

Portanto, voltando ao tema dessas breves considerações, orientamos os interessados no assunto a se louvarem nos trabalhos sobre a RIMA, divulgados por especialistas e não em propostas completamente desviada do saber teórico, clássico e fundamental, sempre à luz dos preceitos básicos de renomados estudiosos, como, por exemplo, Trubetzkoy e R. Jakobson.

Finalizando, pode-se afirmar que todas as associações lítero-recreativas, agindo de acordo com as normas técnicas da versificação, procurando obter satisfatório conhecimento da Língua Portuguesa do Brasil, que é a mesma de Portugal, mantendo uma unidade dentro das inúmeras diversidades existentes entre elas, como a articulação fonética, vista de passagem, no presente estudo, podem continuar alegrando a vida de todos que encontram na poesia um refrescante bálsamo para a paz do espírito, para a alegria da alma, livrando nossas mentes das tensões da referencialidade do real, criando um imaginário onde só pela poesia pode-se amar, até de uma maneira toda especial, dando-se o que não se tem a alguém que, absolutamente, tal coisa não deseja (J. Lacan).



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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.