“Presença no firmamento
em noite clara, estrelada:
– É o amor de Deus que, atento,
nos guarda na madrugada”.
Atendendo a um consulente que me pediu uma explicação sobre incoerência lírica, escolhi um
exemplo de equívoco conceitual em poesia, para mostrar esta situação. Um equívoco conceitual ocorre, por exemplo, na trova acima, premiada em concurso literário, colhida na revista da UBT, dezembro de 2015, incluída entre as Líricas e
Filosóficas. O equívoco conceitual leva a uma incoerência lírica, pois o lirismo fica prejudicado em sua plena realização.
Este equívoco conceitual diz respeito ao sentido que os dois primeiros versos da trova citada, in caput, deveriam
conter, para a conclusão surgir nos dois últimos versos da trova. E é assim que
esse tipo de gênero lírico popular funciona.
Os
dois primeiros versos da trova transcrita não propõem nada e os dois
últimos tentam concluir o que não foi proposto.
Senão,
vejamos: “Presença no firmamento / em noite clara, estrelada:”
Presença do quê, ou de
quem? A função denotativa da linguagem, de acordo com o texto, está predominando
sobre a função conotativa, sem constituir uma ilação entre o concreto e o
abstrato, material com o qual o sujeito lírico trabalha, para arquitetar uma
subjetividade, através do código linguístico, explicitando o poético. Portanto
o poético se fez excludente.
E mais, os dois últimos versos, que na
realidade representam um dístico, são uma resposta, percebida pelos diacríticos
formais, dois pontos e travessão, que os estruturam como tal. Sendo
respostas, os dois primeiros versos deveriam funcionar como a indagação. Isso
não ocorreu. Logo a falta de uma proposição e da esperada conclusão prejudicam o fazer poético e proporcionam um falso lirismo. Incoerência lírica.
Por outro lado, a nosso juízo, e já nos afastando de um equívoco
conceitual, mas imbricado com a forma de se escandir um verso, é importante
salientar que não só a contagem silábica deve ser levada em conta, mas também a
indicação que o autor faz, com elementos diacríticos, no caso as vírgulas,
indicando a pausa na leitura, para justificar um aposto, ou uma qualificação,
ou um predicativo, para dar sentido à frase, pois nunca o aspecto fonológico
poderá suplantar o semântico, devendo os dois conviver harmoniosamente, no
plano da formatação dos gêneros poéticos.
Eis
as dificuldades, o mistério e a beleza do versejar. Assim sendo, a sinalefa
/kya/, resultante de “que atento” (3º verso) pode ser possível, mas teria de se adequar à estrutura
semântica, isto é, ao sentido que o autor quis dar ao verso. Portanto, se estes
dois últimos versos fossem realmente a resposta de alguma indagação poética, o
aspecto semântico só se presentificaria, se o leitor obedecesse ao ritmo
imposto pela pontuação, que o próprio autor definiu com as vírgulas. Seria
assim, numa metalinguagem crítica: Isto é
o amor de Deus, o qual Deus, sempre atento a tudo, nos guarda e nos protege na
madrugada. Versejar é preciso, mas é difícil...
ATÉ A PRÓXIMA
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