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20 de março de 2012

QUAL A ORIGEM DE CAMBORIÚ ?



Em etimologia, alguem dizer que determinada origem é a mais adequada, só depois de, exaustivamente, analisar ou conhecer todas as suas  possíveis origens e, com argumentos decisivos, optar, aí, sim, pela que mais preencha os requisitos metodológicos a que foi submetida, em exaustiva análise, aproximando-se, o mais significativamente possível  da verdade. Isso requer fôlego e paciência de monge. Requer uma investigação séria e metodológica. Quase sempre quem aponta uma origem por conveniência, por qualquer motivo que seja, peca contra as mais comesinhas formas de se atuar no campo da ciência etimológica. A busca das origens das palavras, das frases feitas, dos ditos populares requer método, corpus, coleta de material, um verdadeiro paciente trabalho  de laboratório. Sem esses pré-requisitos, a  reputação do pesquisador estará irremediavelmente abalada, comprometida, principalmente quando a busca se concentra sobre origens obscuras, de difícil investigação e com muitas veredas a serem percorridas pelo etimólogo. Os estudos etimológicos não podem prescindir do método. O método etimológico irá se concentrar na história da ciência etimológica; nas fontes; no corpus; no falado vs. o escrito; no popular vs. o culto; nas mudanças fonéticas; no componente semântico; nas pesquisas intralinguísticas; nas pesquisas interlinguísticas; nos tabus linguísticos; na onomástica e  nas expressões idiomática, principalmente.

Quando as buscas das origens não surtem o efeito que o pesquisador insiste em querer que seja aquele de sua predileção ou imaginação, muitas vezes ele viaja, em frenético delírio filológico e apresenta ao público leigo as suas mais esdrúxulas explicações. O pior é que há quem acredita... É, por exemplo, o caso do étimo de “QUIMONO”, que Gus Portokalos, no filme Casamento Grego, diz que vem do grego moderno “kheimónas”, que significa inverno. Usa-se quimono no inverno, não é?

É bom citar uma excelente e simples orientação aos que pretendem encarar esse assunto como ciência e não como diversão ou passa-tempo. Trata-se de um trecho do livro Etimologia, do professor Mário Eduardo Viaro, da USP, o mais importante etimólogo brasileiro, que se destina a afastar da lista séria dos linguistas, filólogos e etimólogos os investigadores amadores, que trabalham com essa matéria, na base do “chutômetro”. Ei-la:

Etimologia e imaginação nem sempre fazem um bom casamento. Mais infeliz ainda é a tentativa de unir Etimologia e diversão, como se pode ver em muitas obras do gênero. A pesquisa etimológica, como uma edição científica, deve passar por muitas etapas rigorosas e, mesmo assim, as soluções de étimos são múltiplas e sujeitas a revisão. A situação, perante uma profusão de étimos (quando bons e dignos de avaliação)é apresentá-los sem uma solução definitiva, da mesma forma que muitas ciências o fazem seriamente com hipóteses não excludentes. Cabe a outros confirmar ou rejeitar tais hipóteses mediante a apresentação de novos dados e argumentos igualmente bem fundamentados. Não se pode provar uma etimologia apenas por meio de semelhança formal entre o étimo proposto e as palavras investigadas. Dadas duas línguas quaisquer, se um elemento de seu vocabulário é parecido ou idêntico, tanto no significante, quanto no significado, isso pode dever-se basicamente a três fatores distintos: coincidência, empréstimo ou origem comum”. (In, Etimologia, Ed. Contexto, São Pulo, 2011, p. 97)

Portanto, a busca etimológica deve obedecer ao rigor científico e estar recheada de cautela. Assim deve proceder o verdadeiro investigador das palavras, para ser respeitado pela comunidade científica, colocando em suas hipóteses etimológicas o máximo de aceitabilidade.

É o caso dos que buscam, atualmente, as origens do termo CAMBORIÚ, rio que deságua no município de Balneário Camboriú, depois de percorrer as planícies da cidade vizinha de Camboriú.

Para suas origens, num breve resumo, há inúmeros investigadores, com inúmeras e conflitantes propostas, em todos os tempos.

Saint-Hilaire (Augusto de Saint-Hilaire, Viagem à Província de Santa Catarina, 1920, tradução e prefácio de Carlos da Costa Pereira, 1936) dá como origem e significado o de rio das camboas.

Boiteux (José Arthur Boiteux, Dicionário histórico e geográfico do estado de Santa Catarina, 1915) confirma a versão de Saint-Hilaire.

Freire (Laudelino Freire, Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, Rio de Janeiro, A Noite, 1930), anotou camboa como variante de gamboa e disse que Camboriú significa lugar em que remansa a água dos rios, dando aparência de lago tranquilo. Sua versão é a de que Camboriú significa onde o rio camba.

O IBGE (Enciclopédia dos municípios brasileiros, Rio de Janeiro, 1959), louvando-se em Lucas Boiteux (História de Santa Catarina – Resumo Didático -, São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1919) que, por sua vez, se baseou na primeira edição de Theodoro Sampaio (O tupi na geografia nacional, São Paulo, Casa Eclética, 1901) afirmou ser o termo Camboriú originário de “camby”, leite + “ri”, correndo + “y”, água, donde a expressão rio onde corre o leite.

Ainda Theodoro Sampaio, nessa primeira edição de seu livro, O tupi na geografia nacional, levanta a possibilidade de Camboriú significar rio dos robalos.

Reitz (Pe. Raulino Reitz, em artigo intitulado Camboriú significa criadouro de robalo, in Blumenau em Cadernos, t. 17, n. 4, abr, de 1976), baseado nessa última argumentação de Theodoro Sampaio, e vendo em “u” o significado de comer, sugere a hipótese do significado de Camboriú ser criadouro de robalos e não rio de robalos.

Patrianova (Hermes Justino Patrianova, em artigo intitulado Camburiú e não Camboriú, in Blumenau em Cadernos, t. 30, n. 9, setr, de 1989) diz que Camboriú, em tempos passados, chamava-se Cambariguaçu, de “camba”, significando seio + “ari”, em cima + “iguaçu”, grande. Daí: seio grande em cima do morro.

L.J.Dell’Antonio (Lino João Dell’Antonio, Nomes indígenas dos municípios catarinenses – significado e origem -, Blumenau, 2009) afirma que Camboriú, literalmente, significa rio das pequenas cercas de varas, logo termo indígena e significa, portanto, rio com camboas.

Todos esses citados autores têm suas justificativas para a origem do nome CAMBORIÚ, umas mais abalizadas etimológica e filologicamente, outras nem tanto; muitas fantasiosas, apresentadas com grande dose de criatividade, baseadas no tal método do “chutômetro” já apontado como muito utilizado nesse mister.

Isaque Borba Corrêa (2012), em postagem de vídeo na Internet, diz que Camboriú vem de Camboriguaçu, que passa a Cambriú pela lei do menor esforço. Afirma, ainda, que Cambriú passou a Camboriú.
Só pode ter sido por suarabati ou ectilipse, acrescentamos nós, pois se desfez o encontro consonantal.

Diz, ainda, Isaque Borba que foi por influência de eruditos, como padres, escrivães e outros mais que isso aconteceu. O fato é que esse tipo de fenômeno da fonética histórica só se verifica no seio do próprio povo, e é conhecido como Realização Difícil. Os eruditos, nunca tiveram comprometimento com a língua oral, pelo contrário, sempre exerceram a tirania do conservadorismo sobre a Deriva da Língua, como representantes do registro culto do idioma, embora, muitas vezes, até inconscientemente.

Assim, nenhum professor especialista em filologia, ou pesquisador sério dos fenômenos linguísticos, etimólogo ou estudioso da história das palavras  afirmaria peremptoriamente que o étimo de Camboriú “mais adequado” é o apresentado pelo  último investigador citado, pois a controvérsia é enorme e a investigação está só começando.


Vamos estudar e pesquisar mais, minha gente!


ATÉ A PRÓXIMA

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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.