Há 95 anos, precisamente, quando se
queria protestar, usavam-se formas poéticas para se criarem novas estéticas,
que ocupariam os lugares das então já desgastadas. Era assim, mesmo! Há 95
anos, São Paulo usou a poesia para protestar.
Hoje, parece que as classes sociais
mais intelectualizadas ainda não se deram conta disso. Sirvo-me de um exemplo
bem emblemático. Duas repórteres da prestigiosa Rádio CBN / SP, entrevistando o
atual prefeito da capital paulista, se deram mal e caíram no ridículo. Uma
delas, querendo colocar o prefeito, João Dória, em saia justa, leu uma nota em
que a Rede de Sustentabilidade pediu à Vara da Fazenda Estadual que determinasse
a suspensão imediata da remoção dos grafites e das pichações, alegando que o prefeito
não tem competência para decidir o que é arte e o que não é arte. Ora, a
resposta foi magnífica, pois, segundo João Dória, no Brasil ainda existe justiça inteligente e ela não daria
guarida a uma bobagem desse quilate. As duas, a partir daí, nada mais puderam
fazer, no sentido de seu propósito inicial, que era, nitidamente, de colocar o
prefeito de São Paulo em maus lençóis com seu eleitorado.
Isso serve de introdução para lembrarmos
que a cidade de São Paulo e o Brasil estão comemorando nessa semana de 11 a 18
de fevereiro de 2017, 95 anos da Semana
de Arte Moderna e a Prefeitura tem de preparar a cidade para essa
importante efeméride, limpando, entre outras coisas, seus espaços públicos e
privados da sujeira das pichações, que jamais foram arte ou formas de protesto
intelectual contra qualquer estética e, muito menos, protesto contra um modo de
produção, ou contra qualquer forma discriminada de existência social de
minorias excluídas e, também, de maiorias imbecilizadas.
A semana de Arte Moderna, como se
sabe, teve início em 1922, com inúmeras comemorações e eventos na cidade de São
Paulo, mas o principal deles foi, sem dúvida, o realizado na semana de 11 a 18
de fevereiro, no Teatro Municipal da cidade. É claro que o ambiente já estava
preparado, com inúmeros antecedentes, como, para citar apenas dois, a ligação
de Ronald de Carvalho a Luís Montalvor para fundar a revista Orpheu, em Portugal, revista a que
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro emprestaram o brilho de seus talentos. O
segundo importante antecedente seria a participação de Murilo Araújo, em Carrilhões, com formas poéticas
destoantes do simbolismo, numa predisposição para uma nova estética que não
tardaria a surgir, corroborando com a tese defendida por Maurice Bowra, em seu
livro The Heritage of Simbolism. Mas
é claro que a Semana de Arte Moderna deu corpo, sentido e divulgação ao
Modernismo Brasileiro, com as figuras de primeiro plano, tendo à frente Mário
de Andrade, Oswald de Andrade, Renato de Almeida, Menotti Del Picchia, Paulo
Prado, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, a pintora Anita Malfatti e o
pintor Di Cavalcanti, entre outros. Seus temas transformadores e seus postulados
giravam em torno da intensa brasilidade, liberdade de pesquisa estética e a
adoção do verso livre, liberto das amarras parnasianas. Nesse ambiente nasceu o
movimento revolucionário de São Paulo que mexeu para sempre com a visão
estética de nossas letras, de nossa música e de nossas artes plásticas em
geral, tudo divulgado pelo principal órgão literário, a Revista Klaxcon, que chamou para suas páginas os
textos de poetas e de todos os tipos de escritores do Rio de Janeiro, como Manuel
Bandeira, Álvaro Moreyra e Ribeiro Couto, entre outros. O escritor Graça
Aranha, autor de Canaã, aderiu ao
movimento, valorizando-o com o inegável prestígio intelectual de seu nome. O
futurista Oswald de Andrade, que participou intensamente deste espetáculo
cultural da cidade paulistana, legou-nos o primitivismo pau-brasil e o antropofagismo,
uma diversificação dessa sua inusitada estética, que o caracterizaria como uma
das mais importantes figuras modernistas.
Não poderíamos deixar passar essa
data tão significativa para a cultura brasileira de um modo geral e, em
particular, para a cultura literária que, indiscutivelmente, se separariam das
matrizes ancestrais, com diversidades estéticas, mas com uma profunda
conscientização de que as rupturas não desagregam, mas unem instâncias do
tempo, mostrando que o presente pode se projetar para o futuro, não destruindo
o passado, mas retirando dele o que, supostamente, não tem mais valor. São Paulo protestou, há 95 anos, com poesia e
não com pichações.
ATÉ A PRÓXIMA
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