Hoje em dia, é
enorme a produção de trovas de todos os tipos, sejam filosóficas, líricas ou
humorísticas. Parece que essa estrondosa produção se deve ao incentivo que a
UBT (União Brasileira de Trovadores) tem
dado aos amantes desse gênero literário, realizando, em quase todos os Estados
da Federação, com frequência, concursos, cujos temas sugeridos são bastante
variados. A entidade que reúne os mais significativos trovadores brasileiros
realiza suas festas, seus Jogos Florais, em vários municípios, por esse gentil
Brasil varonil, afora... A entidade divulga seus concursos e também
determinadas regras a serem seguidas, enquadrando o trovador numa espécie
de bitola, para que fique mais fácil o julgamento e não haja muita discussão a
respeito das inúmeras possíveis formatações das quatro linhas da trova, poema
de forma fixa, tão antigo quanto o código linguístico da língua portuguesa que
a estrutura. Por outro lado, os trovadores acumulam trovas, trovinhas e
trovões, guardando as que sobraram e não
foram para os concursos regionais, para irem direto engrossar os rascunhos de
seus próximos livros. Assim, muitos poetas compõem, por encomenda, e a
renovação custa muito a surgir, estagnando a ebulição fervescente de textos
portadores de novas estéticas. Além disso, é bom lembrar que não surgem a toda
hora obras primas e muito menos um João Cabral de Melo Neto, nem uma Maria
Clara Machado a encomendar poemas para festinha de Natal... Entenderam, né? Dificilmente, se lê
bons textos, crônicas inteligentes, contos empolgantes, poemas envolventes,
belas trovas ou até mesmo escritos como estes de Sérgio Antunes, poeta e
escritor que dizia que um trovador e repentista de Pindamonhangaba, ou talvez
não fosse de lá, mas o fato é que ele vivia fazendo versos e que falava do céu
de anil, das moças garbosas, do sino da igreja, de tudo, enfim. Um dia, estava
ele no bar com uns amigos, entrou a Rosa e ele explicava que a Rosa era a
mulher do Lino, o farmacêutico da cidade. Ninguém precisava descrevê-la: era um
monumento natural, uma gostosona, com o perdão da palavra. Aí os amigos
provocaram. "Não vai fazer uns versinhos pra Rosa?" E ele teria
feito:
"Com seu corpo de violino
e seus pudores precários,
Rosa, a mulher do Lino
virou a extra de vários".
Esse tipo de humor não se vê com
facilidade. É raro, mas é uma delícia! Esse Sérgio Antunes é muito bom: Que tal
esse quarteto em decassílabos?
Nervosa? Perguntei o que é que houve
e ela pediu que eu tocasse nela
e eu, obediente, toquei nela,
a quinta sinfonia de Beethoven.
Mas, para quem gosta de trova reflexiva
(será que alguém se trovará algum dia? Entenderam, também, né?), lá vai uma, citada, ainda, por Sérgio
Antunes:
"Trova, conto de um canto,
poça d'água sobre o chão,
tão pequenina e entretanto,
reflete toda a amplidão".
E continua esse mesmo autor com
seu repertório de “causos” poéticos, envolvendo trovas de preciosíssimas
construções. Diz ele: "Na Bahia houve um concurso
para fazedores de trovas. Mas era preciso rimar com "lâmpada". A dura
regra que afastou os concorrentes teve um ganhador:
"Dizem que certo vigário
encomendou uma lâmpada
para homenagear a estampa da
Virgem Santa do Rosário".
Saída mais do que sensacional. O trovador usou a sílaba átona da combinação da preposição - DE
- com o artigo feminino - A -
como parte integral de um vocábulo fonético proparoxítono, formado por
uma palavra paroxítona ESTAMPA, que cedeu sua sílaba tônica TAM para formar o vocábulo fonético
proparoxítono “ESTAMPA DA”. É ou
não é criatividade poética? Um caso raríssimo de “anacruse invertida”.
Seguem, agora, uma série de trovas muito
bem construídas, todas com “raricidades” na construção, quer na semântica, no estilo ou no ineditismo da construção.
1) De PAULO LEMINSKI:
Todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem.
Só está faltando um pouco
pra eu ser tratado também.
2) De ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO:
Brigas de amor têm segredos,
e eu juro que me comovo
ouvindo os nós dos teus dedos
batendo à porta de novo...
3) De AMALIA MAX:
Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar...
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!
4) De CASTRO ALVES:
Na hora em que a terra dorme
enrolada em frios véus,
eu ouço uma reza enorme
enchendo o abismo dos céus...
5) De CECÍLIA MEIRELLES:
Sou mais alta que esse morro,
mais vasta que aquele mar.
Há muito que me percorro
sem me poder encontrar.
6) De DENISE CATALDI:
Deu muita sorte a vizinha
pulando o arame farpado,
pois só rasgou a calcinha:
o principal foi poupado!
7) De ELTON CARVALHO:
Vem, palhaço, sem tardança,
com teus trejeitos, teus chistes...
e acorda a alegre criança
que dorme nos homens tristes!
8) De FERNANDO PESSOA:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
9) De GUILHERME DE ALMEIDA:
Tudo muda, tudo passa,
neste mundo de ilusão:
vai para o céu a fumaça,
fica na terra o carvão.
10) De J.G.DE ARAÚJO JORGE:
Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas,
quero que as rosas te vejam!
11) De ARI SANTOS DE CAMPOS:
Num deslize a honradez
lá se foi, numa soltura.
Depois da primeira vez,
nenhuma cerca é segura.
12) De NEWTON VIEIRA:
Ficou mais lento o meu passo?
Caminharei, mesmo assim!
Só temeria o cansaço
se me cansasse de mim...
13) De RAUL DE LEONI:
Duas almas deves ter...
é um conselho dos mais sábios:
uma no fundo do ser,
outra boiando nos lábios.
E fechando esta apresentação,
fiquemos com os poemas de MARIO QUINTANA:
- I -
(Quadra em decassílabos)
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
- II -
POEMINHO DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
ATÉ A PRÓXIMA
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