Somos
todos indivíduos que só existimos porque nossas vidas dependem de companhias.
Não se pode entender o homem isolado em sua amedrontadora solidão. Somos
sociais. Dependemos do outro. Só por ficção e na ficção, o homem vive isolado.
Reflexões
sociológicas, antropológicas, psicológicas, psicanalíticas à parte,
contrariando todos os textos teóricos de Marx, Durkheim, Weber, Claude
Lévi-Strauss, Freud e Lacan, por mais que o meio em que vivo esteja repleto das
mais instigantes e significativas figuras, que pretensamente interagem comigo,
sinto-me, muitas vezes solitário.
A
solidão é amedrontadora, mas sei conviver com ela. Ela, muitas vezes me inspira
e me faz pensar que sou mais forte do que realmente o outro pensa que não sou.
Ficar livre da mesquinhez do meu vizinho não é uma boa? Não ser prejulgado por
cabecinhas ridículas e presunçosas não é uma dádiva? Para me aliviar das
confusões mentais que embaralham as muitas reflexões que faço, quando pretendo
criar um texto mais requintado, escrever um poema, ou simplesmente fazer um rol
das necessidades comezinhas para as compras do supermercado, refugio-me sempre
no minúsculo e ridículo quartinho de leitura de meu reflexivo apartamento. Lá
produzo com satisfação, sozinho, boca calada e pensamento falante. É a solidão
produtiva e benfazeja.
Mas a
vida exige multiplicidades de atitudes e clama por muitos outros tipos de
alegria e êxtase. Realmente não somos uma ilha. Temos um compromisso atávico
com a multiplicidade de acontecimentos que nos fazem pessoas sociais. Pessoas
comprometidas com, também, todos os sentimentos, os mais variados possíveis,
inerentes ao ser humano, que interage para ser, e reage à solidão. Então também
aprendi a afastar esse tormento que nos isola e que nos aprisiona. Aprendi a
viver nessa dualidade barroca, gostosa, que projeta a alegria de viver em grupo
e recrimina o pluralismo, restringindo a aglomeração, tudo, muitas vezes,
talvez, por pura incompreensão dos fatos ou por se estar limitado a adquirir
repertórios mais sofisticados.
Mas a
vida é assim mesmo, misteriosa e incrivelmente criadora de situações
dicotômicas. Saber conviver com esse burburinho especial que alucina, porque
encanta (a alegria encanta, mesmo), mas que, também, deprime e mata (a solidão
é um terrível assassino), é para poucos. Esses mistérios não foram explicados
nas escolas regulares por onde todos nós passamos, quando estudamos os
mercantilismos; os socialismos; os positivismos; os estruturalismos; os
revisionismos e todos os demais ISMOS possíveis e imaginários de nossa
alucinada cultura clássica, enquanto ciência. Esses mistérios pertencem à
escola da vida. Pertencem a outro sistema simbólico.
Um
dia, visitando a românica ou muito mais antiga Catedral da Sé, em Braga,
perguntei ao solitário guia como os corpos de dois bispos do século XVII, lá
enterrados, estavam ainda intactos. Aquele estranho funcionário, de aparência
frágil, com rugas profundas em seu rosto macilento e triste, que morava sem
família num pequeno cômodo, anexo à catedral, depois de duas horas rodopiando
por púlpitos e pedras, repetindo mecanicamente todas aquelas estórias escritas
nas etiquetas coladas às vitrines dos suntuosos monumentos do interior do
sagrado templo bracarense, respondeu-me que aqueles corpos intactos por mais de
duzentos anos representavam um mistério de Deus. E transformando-se, alegre e feliz,
quase que gritava: “Mistérios de Deus. Mistérios de Deus! ”
ATÉ A PRÓXIMA
2 comentários:
Bom dia professor Feijó. Amei suas reflexões acerca da solidão. Isso me remeteu a Heráclito ao pensar o o homem é o real. Diz o ilustre na Grécia antga: Da luta entre os opostos nasce a mais perfeita harmonia. Vida é movimento que move por si mesmo. Se proteger e se expor numa cotidianidade é ser parte desse misterioso brotar. . Estar só e estar em coletividade é o desafio do humano.
Vovo vc e legal
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