Muito se tem escrito sobre a influência do tupi na
formação do léxico do português brasileiro, com a presença de elementos da
língua de nossos índios na fauna, na flora, nas paisagens, na comida, na
fraseologia, na onomástica, na toponímia, na hidromínia, na antroponímia e em
nomes ou em falsos nomes próprios de homem e mulher.
Em primeiro lugar é importante salientar que no
início da colonização do Brasil, bem no início do século XVI, a língua mais
divulgada e usada entre os portugueses, no seio familiar e no contato com os
índios, era o tupinambá. O tupinambá foi chamado de língua brasílica e usado
também pelos missionários capuchinhos e jesuítas ao longo do século XVII. Já a língua geral, utilizada no final do século
XVII e início do século XVIII, sob o aspecto linguístico não designava mais
aquela língua genuína de outrora. Era uma forma modificada, tida como
equivalente ao tupi utilizado mais tarde pelos padres jesuítas.
Aryon
Dall’Igna Rodrigues, o pioneiro da aplicação dos modernos métodos linguísticos aplicados às línguas
indígenas do Brasil e em especial ao
tupinambá da época dos primeiros jesuítas, em seu livro Línguas Brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas, São
Paulo, Ed. Loyola, 1986, nos mostra que o termo tupi (de tupinambá), aparece no século XVIII e
dizia respeito, inicialmente, à língua dos índios tupinambás, localizados no norte
do Pará.
Wolf Dietrich, professor titular emérito do
Instituto de Filologia Românica da Universidade de Münster, na Alemanha, e
sócio correspondente da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), juntamente
com Volker Noll, doutor e professor titular de Linguística Românica de Münster,
Alemanha, no artigo O papel do tupi na formação do português brasileiro,
in O português e o tupi no Brasil,
Editora Contexto, São Paulo, 2010, acrescentam que esta denominação tupi servia para diferenciar a forma genuína
do tupi, falado pela nação tupinambá, da língua geral amazônica... “que se formou no curso da expansão
portuguesa na bacia do rio Amazonas nos séculos XVII e XVIII”, concordando
plenamente com Aryon Dall’Igna Rodrigues. Continuando, afirmam os dois professores
que “durante muito tempo”, o tupi, “serviu também de língua de comércio entre
brancos e índios aloglotas”. Chamam, ainda, a atenção – e isso é muito
importante – que só a partir do século XIX essa língua tupi foi chamada de nheengatu,
do tupinambá nh’ë, “fala”,
“língua”, + katu, “bom”, “forte”, “vigoroso”,
“válido”, “autêntico”, nomenclatura que balizará as pesquisas e os estudos
diacrônicos sobre as línguas da família tupi-guarani. Portanto, ficam aqui esclarecidos
os empregos dos termos tupi e tupinambá.
Ademais, é sempre interessante lembrar que quase
todos os sérios pesquisadores do século XX, professores de nosso idioma,
filólogos eméritos da língua portuguesa, trabalharam com textos seiscentistas e
setecentistas, dos padres jesuítas, como Anchieta, Nóbrega e outros, para
estabelecerem os étimos históricos dos nomes de origem tupi. Eram filólogos e
trabalhavam com textos. O linguista trabalha também com esses materiais, mas dá
preferência à língua oral. A língua de nossos índios era ágrafa e sabe-se que diversos
nomes de lugares, vilas, vilarejos, cidades, rios e muito mais, foram dados
pelo homem branco, tomando como base a língua indígena, mesmo na época do
estabelecimento daquele convívio bilíngue de que nos falam inúmeros
historiadores, antropólogos e linguistas. Cabe saber como tudo aconteceu.
Contudo, o método
filológico não deve ser abandonado por pesquisadores que com essa metodologia podem
abonar inúmeros termos relacionados à língua indígena, folheando, em cartórios,
por exemplo, inúmeros tipos de documentos, como certidões, registros de compra
e venda de escravos, cartas de alforria, leis, avisos de todos os tipos, sempre
escritos pelo homem branco, como não poderia deixar de ser.
A busca das origens leva o pesquisador consciente a tecer
inúmeras hipóteses e interpretações interessantes, respaldadas sempre em
critérios sustentáveis e isso é importante para a ciência da etimologia.
Uma excelente e simples orientação aos etimólogos é
encarar esse assunto como ciência e não como diversão ou passatempo. Mário
Eduardo Viaro, da USP, um dos mais importantes etimólogos brasileiro, em seu
livro Etimologia, adverte:
“Etimologia e imaginação nem sempre fazem um bom casamento. Mais infeliz
ainda é a tentativa de unir Etimologia e diversão, como se pode ver em muitas
obras do gênero. A pesquisa etimológica, como uma edição científica, deve
passar por muitas etapas rigorosas e, mesmo assim, as soluções de étimos são
múltiplas e sujeitas a revisão. A situação, perante uma profusão de étimos
(quando bons e dignos de avaliação) é apresentá-los sem uma solução definitiva,
da mesma forma que muitas ciências o fazem seriamente com hipóteses não
excludentes. Cabe a outros confirmar ou rejeitar tais hipóteses mediante a
apresentação de novos dados e argumentos igualmente bem fundamentados. Não se
pode provar uma etimologia apenas por meio de semelhança formal entre o étimo
proposto e as palavras investigadas. Dadas duas línguas quaisquer, se um
elemento de seu vocabulário é parecido ou idêntico, tanto no significante,
quanto no significado, isso pode dever-se basicamente a três fatores distintos:
coincidência, empréstimo ou origem comum” (In, Etimologia, Ed. Contexto, São Pulo, 2011, p. 97).
Assim, o pesquisador deverá levantar suas hipóteses,
baseando-se sempre num arcabouço teórico bem definido. É o caso do pesquisador Lino
João Dell’Antonio, em seu livro Nomes
indígenas dos municípios catarinenses, Blumenau, 2009, que trabalha em
bases filológicas, antropológicas e linguísticas, com segura visão da realidade indígena. Diz que são
poucas as análises etimológicas sem textos abonadores. Salienta, ainda, que “a toponímia pragmática, por ser a fiel
expressão da raça indígena, é a parte mais importante do método de pesquisa”.
Em suma, sua interessante tese, é a de que “qualquer
topônimo indígena é uma definição pragmática da realidade externa” (Op.
Cit., p. 42). Na procura das origens do termo Camboriú, nome de município e do rio que o corta, diz Lino João
Dell’Antônio que não raro, muitos topônimos provêm de frases de uso frequente
do dia-a-dia indígena. Como exemplo desta afirmação, cita a frase (sic) “caa
amba y á”, ramos para cercar arroio.
Caa = ramos; amba = cercar; y = rio; á = indica finalidade. Tal interpretação é
também encontrada nos fundamentos linguísticos de A.J. Peralta e T. Osuna. Assim,
Dell’Antonio, depois de longa exposição histórica, conclui sua investigação
afirmando que Camboriú “é termo indígena
e significa rio com camboas, em alusão às tapagens que se faziam para capturar
peixes nas vazantes das marés”. (cf. op. cit. P.73)
Freire (Laudelino Freire, Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, Rio de Janeiro,
A Noite, 1930), anotou camboa como
variante de gamboa e disse que Camboriú significa lugar em que remansa a água dos rios, dando aparência de lago
tranquilo. Sua versão é a de que Camboriú
significa onde o rio camba.
O IBGE (Enciclopédia
dos municípios brasileiros, Rio de Janeiro, 1959), louvando-se em Lucas
Boiteux (História de Santa Catarina –
Resumo Didático -, São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1919) que, por sua vez, se
baseou na primeira edição de Theodoro Sampaio (O tupi na geografia nacional, São Paulo, Casa Eclética, 1901) afirma
ser o termo Camboriú originário de “camby”, leite + “ri”, correndo + “y”,
água, donde a expressão rio onde corre o
leite.
Ainda Theodoro Sampaio, nessa primeira edição de seu
livro, O tupi na geografia nacional,
levanta a possibilidade de Camboriú
significar rio dos robalos.
Reitz (Pe. Raulino Reitz, em artigo intitulado Camboriú
significa criadouro de robalo, in Blumenau
em Cadernos, t. 17, n. 4, abr, de 1976), baseado nessa última argumentação
de Theodoro Sampaio, e vendo em “u” o
significado de comer, sugere a hipótese do significado de Camboriú ser criadouro de
robalos e não rio de robalos.
Patrianova (Hermes Justino Patrianova, em artigo
intitulado Camburiú e não Camboriú, in Blumenau em Cadernos, t. 30, n. 9, set, de 1989) diz que Camboriú, em tempos passados,
chamava-se Cambariguassu, de “camba”,
significando seio + “ari”, em cima +
“iguassu”, grande. Daí: seio grande em cima do morro.
Já para Wolf Dietrich e Volker Noll, Camboriú (SC) < kamburi + y = robalo
d’água; rio dos camurins, tipo de peixe brasileiro, parecido com o robalo
português do mar. De acordo, ainda, com esses mesmos autores, o étimo kambury ou kambory deu nome também a uma lagoa em Jacarepaguá, Rio de Janeiro,
a Lagoa de Camorim, na zona oeste, com abundância desse peixe em épocas
passadas.
O historiador regional Isaque Borba Corrêa justifica
a origem de Camboriú, ligando o
topônimo ao étimo Camboriguassu, encontrado em documentos escritos do século
XIX (Cf. CORRÊA, 1984), que passa a “Cambriú”,
pela lei do menor esforço, e significa robalo grande. Mostra ainda que o primitivo nome do atual município de Camboriú era Cambriú, e isso pode ser encontrado - diz Isaque Borba -, nos
cartórios da cidade de Camboriú. E
completa: de Cambriú passou a Camboriú. Aqui, é importante assinalar
que características do português brasileiro, inclusive algumas delas encontradas
no seu léxico, podem e devem ser explicadas quanto à sua evolução ou
transformação, estritamente dentro da linha histórica da evolução das línguas
românicas conforme anotam Wolf Dietrich / Volker Noll, na obra aqui já citada. Portanto,
precisa ser bem explicado o possível fenômeno fonético ocorrido aí nessa última
hipótese (Cambriú > Camboriú), que poderia ser um anapitixe ou suarabati,
desfazendo o encontro consonantal. Isaque Borba diz, ainda, que foi por
influência do falar de padres, escrivãs e cidadãos de um modo geral, uns mais, outros
menos instruídos, que, por eufonia, o povo transformou o termo primitivo. É bem
possível ter ocorrido esse fenômeno de fonética histórica, a fim de se desfazer
uma Realização Difícil ou, talvez, neste
caso específico, para dar um toque eufônico ao topônimo. Por outro lado, tanto
os representantes sociais do conservadorismo linguístico, como os usuários mais
descuidados no uso da língua sempre se deixaram levar pela deriva da língua, o drift de Sapir, embora, inconscientemente,
muitas vezes. Isaque Borba serviu-se, portanto, de textos, mas as justificativas
linguísticas estão à espera de algumas explicações fonéticas que justifiquem com
mais detalhes todas as alterações sofridas “ab
ovo”, pois a origem histórica dos étimos primitivos em discussão (com suas
combinações) deverá dar sustentação às alterações fonéticas sofridas pelos
termos aglutinados, combinados e envolvidos, até o surgimento da forma final do
topônimo.
Assim, entre todas as hipóteses etimológicas, deixando
de lado muitas que aqui não apresentamos, a de João Lino Dell’Antonio e a de
Isaque Borba são as mais consistentes, embora apresentem diferentes origens
para Camboriú, que nos parece,
realmente, ser um topônimo não muito antigo na onomástica catarinense, podendo
até sua forma atual ser fruto daquele tipo de vocábulo construído pelo homem
branco, ou um vocábulo “tupinambizado”, na
nomenclatura de Antônio Houaiss, utilizando-se, para a sua formação final
elementos da língua tupi ou do nheengatu.
Parece, ainda, que faltou a todos esses estudiosos que tentaram buscar as
origens do topônimo Camboriú mais
explicações tácitas. Todos partiram, não só de uma visão antropológica, mas
também de visões históricas, sociológicas e linguísticas e apontaram étimos
tupis, como “caa”, ramos, galhos,
ramagens ; “amba”, cercas ou ainda “camury”
ou “camory”, peixe identificado com o
robalo, e muitos outros, deixando somente de concluir, na linha das
transformações fonéticas, como se chegou ao vocábulo Camboriú.
Porém, por tudo que apresentamos sobre as origens do
topônimo Camboriú pode-se dizer que
todas as hipóteses estão dentro de uma aceitabilidade investigativa com
cientificidade, embora o raciocínio analógico, em alguns casos, tenha se
manifestado como um dos germes recorrentes de explicações etimológicas, como mostramos
no início, citando Mário Eduardo Viaro (Ver, VIARO, 2011, p.224).
Assim, acreditamos que todos os pesquisadores aqui
mencionados, certamente, muito contribuíram, com sua visão crítico-analista,
para a solução do mistério das origens desse vocábulo oxítono, nome misterioso de
rio, um mister rio, um senhor
rio, que batiza também dois dos mais belos recantos de Santa Catarina.
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VOLKER, Noll et
WOLF, Dietrich. O
português e o tupi no Brasil. São Paulo, Editora
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ATÉ A PRÓXIMA
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