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22 de julho de 2014

Um Passeio Linguístico





SANGÃO é um município catarinense a 18 km de Tubarão, na costa central do Estado, cortado pela BR 101. Também é um bairro do município de Criciúma.  Parece ser aumentativo de SANGA, subst. fem., que significa rio pequeno, com pouca água; riacho. Mas pode ser voçoroca (termo que provém do tupi). Então, SANGÃO seria um grande rio pequeno ou um grande pequeno rio. E mais, nesse município catarinense existe um bairro chamado SANGÃOZINHO. Seria assim: um pequeno grande rio pequeno. Que coisa! Pensam que acabou? Tem mais. Lá, nesse bairro, existe o SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE. Tentem pronunciar esse nome: parece que é SÃO GÃOZINHO. Um nome de santo. Esse fenômeno fonético ocorre porque o ditongo nasal se evidencia no sintagma que possui extenso corpo fonético. Já isso não ocorre em SANGÃO, de reduzido grupo de fonemas.

Outra coisa interessante, além da produtividade desse substantivo, é que a possível etimologia de SANGA estaria no Quicongo, uma língua banta, de Angola, África. Os escravos traficados trouxeram esse nome para o Brasil. E mais. No sul, onde a influência africana no vocabulário de nossa língua é menor do que no Sudeste, o vocábulo SANGA é de uso corriqueiro e até de uso poético. Água de Sanga é um bem construído livro de poesia de Colmar Duarte, lá de Uruguaiana, quase um poeta argentino... Abro um parêntese aqui para dizer que nos pampas junto às fronteiras, é comum se ouvir dizer que o povo rio-grandense é um povo miscigenado. É verdade, mas lá, se diz que essa miscigenação foi entre o europeu (português e espanhol) e o índio. Não falam do negro. E SANGA é nome de origem africana, muito usado e produtivo, como vimos. Já o termo correspondente, VOÇOROCA, que vem do tupi, é pouco usado ou quase nunca empregado. Já no Paraná, esse termo é mais ouvido. Há até uma grande represa que fornece água potável para Curitiba que se chama Represa Voçoroca. E por falar em termos de origem tupi, é sempre bom lembrar que esses termos tupis ocupam grande parte da onomástica catarinense e foram muito bem estudados por Lino João Dell’Antonio, em seu livro Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses: significado e origem. Vale dizer que a tese desse autor é interessante, pois afirma que, sendo o índio nômade, ele marcava os lugares especiais com termos realmente significativos. Explico melhor. Em Santa Catarina qualquer rio é cheio de capivaras. Então, um lugar ou um rio se chamar Capivari não acrescenta absolutamente nada à orientação de ninguém. É muito bem fundamentada, ainda, a análise – hipótese linguística - que o autor faz da origem de LAGES, por exemplo, cidade importante, no centro do planalto catarinense, quando aplica sua teoria, afirmando ser LAGES uma corrupção linguística de “hayé” que significa atalho, uma referência ao atalho das Tijucas, feito por Cristóvão Pereira de Abreu, em 1733. Finalmente, é verdadeira sua argumentação final, quando diz que muitos nomes de lugares foram dados pelo homem branco, utilizando termos da língua tupi.          

Tudo isso que escrevo e comento é fruto de anotações que faço durante minhas viagens, quando tento observar as construções linguísticas de nosso povo e o modo de viver dessa gente feliz do sul do Brasil. Tento juntar essas observações em uma espécie de diário de viagem ou em crônicas pseudoliterárias, misturando curiosidades linguísticas com as mais diversas práticas esportivas, e entre elas o futebol, pois ele sempre está presente na vida simples, que corre junto às estradas por onde passo.

Mas voltemos ao tal clube de futebol do bairro SANGÃOZINHO. Conversando na frente do SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE com a rapaziada de plantão, nesses tempos de Copa do Mundo, resolvi saber alguma coisa desse time de várzea. Tinha poucos anos. Três ou quatro, mas já possuía um terreiro para seus treinos e jogos: SANGÃOZINHO  X  VISITANTES estava escrito na entrada do campo. Quis perguntar o nome do craque do time, mas minha atenção recaiu na escalação do próximo jogo, dita por um piá. Era, mais ou menos, pronunciado, como em priscas eras, quando se declinavam os nomes dos jogadores. Havia um ritmo, que tentava visualizar, através da sequência dos nomes dos jogadores, as suas verdadeiras posições em campo. Havia pontas e “center four”, estão lembrados? Assim: Goleiro; 2 beques; 3 na linha média e 5 na linha de frente. Eu sei de cor o meu time tricampeão carioca pela primeira vez: ROBERTINHO, GUALTER e HAROLDO; PACOAL, TELESCA e BIGODE. PEDRO AMORIM, ADEMIR, SIMÕES, ORLANDO e RODRIGUES. Foi há muito tempo... Muita gente ainda sabe de cor os seus times campeões lá do passado, nesse mesmo ritmo... Mas o que mais me chamava atenção nesse modo de falar era o meio de campo. Aliterações, coliterações e principalmente o ritmo, quase sempre em redondilhas, tudo sempre soava muito bem! Observem esses trios:

FLUMINENSE: Pascoal, Telesca e Bigode;
VASCO: Eli, Danilo e Jorge;
AMÉRICA: Oscar, Dino e Álvaro;
FLAMENGO: Biguá, Bria e Jaime.

É, minha gente, antigamente não havia muito diminutivo...Os jogadores eram durões e a afetividade andava afastada dos campos de jogo.

Mas o mais famoso trio de meio-de-campo foi o DDD piauiense: Demóstenes, Deusdedit e Dirran. Demóstenes, nome de origem grega que denota a força do povo, com suas raízes dêmos e sthénosDeusdedit, nome de origem latina que mostra a religiosidade do povo nordestino, ao agradecer a vida dada por Deus. Já Dirran, quando todos pensavam se tratar do nome francês, Düren, da Ville de Westphalie, onde teria vivido a família do craque, grande lateral esquerdo piauiense, ouvimos do próprio jogador a explicação do seu nome, com todo o seu sotaque nordestino, (vice), aos microfones de uma grande e famosa emissora da região:  


-Não é nome não, vice! É apelido. Como eu sou muito feio me chamam de CU DE . Não se pode falar no rádio, então eles só falam a metade, “Dirrã”. 

ATÉ A PRÓXIMA

Um comentário:

THEREZA FISCHER PIRES disse...

Oi,prof ! Estava sumido.Obrigada pelo belo texto de ontem.É um presente para qualquer leitor.
Pensei muito no senhor durante a Copa e,especialmente,depois da indicação do Dunga .
Voltamos à Idade das Trevas? ou já estávamos nela?
E o Luxemburgo no Flamengo,hein? Coitado do Flamengo.
Tricolormente,
Thereza


Como se chama mesmo a figura que engloba esse meu "tricolormente"?

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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.