Esse trabalho é uma homenagem à Academia de Letras de
Balneário Camboriú, que completou 12 anos de intensa e profícua vida literária.
Uma lição aprendida com dois grandes
mestres e amigos:
Leodegário A. de Azevedo Filho
e
Antônio Sérgio Lima Mendonça.
Eis uma pergunta que surge, quase
sempre, quando alguém quer publicar um livro e encontra uma pessoa em quem
confia, para ver se, realmente, o que escreveu se sustenta como um texto com algum
valor literário.
Bem, será preciso que tenhamos
conhecimento de que Literatura é uma ação transformadora e intencional do
texto, em relação ao contexto, entre outras possíveis respostas e
posicionamentos, a respeito desse complexo tema. O que queremos dizer é que o
texto literário transforma e modifica, pela ação intencional do sujeito, a
realidade circundante, com todas as formas contextuais que envolvem o ambiente retratado,
vivido ou experimentado pelo autor da escritura, no plano real ou no plano onírico,
utilizando a palavra, pois não há literatura sem signo, principalmente o
verbal. E mais, a literatura é uma ação transformadora que gira em torno das
denotações e conotações, não de Primeiro Grau, mas de Segundo Grau, construindo
estruturas metonímicas e metafóricas, próprias do literário.
Outra consideração apriorística é que
não se deve confundir o ato literário com o poético. Este é essência daquele,
enquanto fundo e não enquanto forma.
Assim, o poético pode envolver qualquer manifestação transformadora que apresente
a participação consciente e a vontade explícita do sujeito em se manifestar,
numa espécie de atitude semiológica, onde a intensão é a de comunicar, sempre
guardando sua essência, conotativamente transfiguradora. Então, o poético pode
se presentificar no pictórico, na representação pantomímica ou em qualquer
outro tipo de expressão, onde o código sobredeterminante não seja o código
linguístico. Mas a literatura é, antes de tudo, a arte da palavra, enquanto
lexema do código linguístico.
Portanto, como dissemos, a literatura
é uma ação transformadora que envolve as denotações e conotações, servindo-se
delas para significar. Não as denotações e conotações de Primeiro Grau, mas as de
Segundo Grau, construindo estruturas metonímicas e metafóricas, próprias do
literário.
Então, recordemos essas lições. As denotações
e as conotações podem ser de Primeiro e de Segundo Graus. Abrangentemente, as denotações
são as representações linguísticas referenciais, e as conotações são as que
sugerem a referencialidade. As ações transformadoras de Primeiro Grau estão
presas à retórica, desde o classicismo greco-latino até hoje. Essas ações,
ligadas à retórica clássica, foram reproduzidas em nosso sistema escolar,
impostas pela gramática tradicional, ensinada nas escolas de Nível Médio e,
hoje, são muito conhecidas, tendo a metáfora e a metonímia como verdadeiro carro-chefe
dessas chamadas figuras de linguagem. Mas, para a literatura, o que importa
significativamente são as ações transformadoras que orbitam em torno das
denotações e das conotações de Segundo Grau. Vamos abrir aqui um parêntese para
penetrarmos no campo da Teoria do Discurso Literário, citando o Prof. Dr.
Leodegário A. de Azevedo Filho, quando nos diz:
“No discurso
literário, ao contrário, a representação se mostra descentrada. E daí se
conclui que a relação simétrica é o lugar da construção do novo sentido, ou da
palavra não dita, exatamente porque o literário é o signo que assume a sua
arbitrariedade, enquanto o referencial e o ideológico a dissimulam. Por aqui já
se verifica que uma teoria do discurso literário, para ser posta a serviço da
literatura, tem que ultrapassar os limites da língua. Daí a necessidade, para
melhor compreensão do problema, de uma análise da série de elementos que, em
cadeia, integram a estrutura do discurso, enfatizando-se aí o que for
especificamente literário. Tais elementos são: 1- Planos (Denotativo – Conotativo); 2- Funções (1° Grau – 2° Grau); 3-Mecanismos (Combinação –
Seleção); 4-Processos (Contiguidade – Similaridade); 5-Eixos (Sintagmático –
Paradigmático); 6- Imagens
(Metonímia – Metáfora)”. In, Por uma Teoria do Discurso Literário.
Leodegário, conclui seu artigo,
dizendo que “os dados fornecidos pela
lingüística (incluindo aí a retórica tradicional também), perfeitamente capazes
de explicar a estrutura e o funcionamento da língua, são insuficientes (o grifo é nosso) para explicar, em sua totalidade, a estrutura e o funcionamento do
discurso literário”. Mas agora, o importante é distinguirmos os dois campos
das Funções e das Imagens (Cf. Itens 2 e 6), deixando os demais elementos que
integram a estrutura do discurso para outra oportunidade.
Desta forma, a metáfora e a metonímia
podem ser estudadas dentro do campo da RETÓRICA CLÁSSICA que as apresenta em
Primeiro Grau. Já em Segundo Grau, no campo do Regime do Inconsciente, onde a condensação e o
deslocamento formam o Regime do Inconsciente, que são as regras que o
inconsciente usa para a significação, surgem a Metáfora e a Metonímia.
A Metonímia estará centrada numa
condensação manifesta, cujo sentido reside num deslocamento latente. Já a
Metáfora resulta, inversamente, de uma condensação latente, por força de um
deslocamento manifesto de sentido.
Já os discursos referenciais e
ideológicos, incluindo-se aí os discursos publicitários ou de função conativa,
não estão investidos de uma função de Segundo Grau e, portanto, não são
literários. Mas, por outro lado, o discurso literário comporta o referencial, o
ideológico e o publicitário, que nele aparecem entrecruzados e trabalhados pela
linguagem e não pela língua, porque a linguagem só fala quando a língua se
cala. Então, como mostrou o professor Leodegário A. de Azevedo Filho, a relação
entre texto e contexto deixa de ser simétrica e passa a ser assimétrica,
tornando-se literária. Assim, o literário só pode ser assimétrico, isto é, não
referencial, inteiramente transgressor.
Antes de recordarmos como surgem as
denotações e as conotações de Segundo Grau, queremos registrar a grande
contribuição aos estudos psicanalíticos de base lacaniana, no Brasil, do Prof.
Dr. Antônio Sérgio Lima Mendonça, com quem aprendemos a costurar, nessa área, os
discursos literários com os das ciências sociais. Antônio Sérgio, sem dúvida,
um dos maiores teóricos brasileiros do discurso psicanalítico aplicado às Ciências
Sociais e à Literatura, vem publicando textos, de significativo valor
científico, desde seus primeiros ensaios na Revista Brasileira de
Linguística Vozes e na Revista Tempo Brasileiro, da década de 70, no
Rio de Janeiro, até os dias de hoje, enquanto Diretor de Ensino do Centro de Estudos Lacaneanos, Porto
Alegre, RS. Por isso mesmo, é preciso recorrermos às suas aulas, para se compreender,
mais claramente, como surgem as denotações e as conotações de Segundo Grau, construindo
a Metáfora e a Metonímia, no campo do Regime do Inconsciente.
Tentemos entender o Processo Primário,
segundo Freud ou a Fase Especular, segundo Lacan. Na fase da gestação, no corpo
da mãe, a criança, identificada como feto, ao nascer, se inclui na iniciação do
Processo Primário. Aí, surge a Linguagem do Imaginário, Freud chama de Id, com
os seguintes mecanismos: Condensação e Deslocamento. Ao nascer, a criança sente
a "falta", isto é, torna-se
um OUTRO, sem um "porquê" e
usará a Linguagem imaginariamente, porque não tem ainda um pensamento, e sim
identidade de percepção, em busca de uma significação. Na Condensação ocorre a identificação com a mãe, num só corpo, que é representada
pela metáfora do SEIO. O SEIO será o princípio do prazer, pela sucção, que
alimentará o corpo. O final da sucção é a representação que trará, por
oposição, a expectativa da ausência, portanto o Tanatus, a morte. A vida é um
caminhar inexorável para a morte. Portanto, a condensação será o espelhado,
como parte do corpo da criança.
No Deslocamento, a criança vê sua imagem no OUTRO, como no espelho, logo
há um deslocamento. A imagem especular é deslocada e invertida. A CONDENSAÇÃO e
o DESLOCAMENTO formam o Regime do Inconsciente, que são as regras que o
inconsciente usa para a significação. No Processo Primário não há significação,
somente ocorrem representações fantasiosas.
Falamos acima, quando nos referimos às
denotações e às conotações que estas poderiam ser de dois graus. As de Segundo Grau
atuam no campo do Regime do Inconsciente.
Portanto, veremos como esse Regime opera.
O INCONSCIENTE é o discurso do Outro
(da cultura) e funciona, segundo Jacques Lacan, como uma linguagem. No Regime
do Inconsciente, o Imaginário relê Simbólico. O Imaginário é a transgressão e o
Simbólico são os lugares, que correspondem, na nomenclatura lacaniana aos Significantes
de Saussure (Ferdinand de Saussure). Assim, o Imaginário é inerente à linguagem
e o Simbólico é o que preenche a linguagem, mas se antecede a ela, pois é a
única forma de realizá-la. Portanto, é o Simbólico que realiza a linguagem. Em
outras palavras, a linguagem está no, ou pertence ao Simbólico.
Assim, o Regime do Inconsciente opera
através da Condensação e do Deslocamento e trabalha no Processo
Primário, que é regido pelo Princípio do Prazer, sendo desenvolvido pelo Princípio
de Realidade. É importante assinalar que
não se deve confundir, em hipótese alguma, Princípio com Instinto
(como não se deve confundir, também, prazer com tesão). Instinto
é um mecanismo orgânico e Princípio é o mecanismo da linguagem. Então, surge
no PP o outro do Imaginário, porque ainda não se têm os significantes do
Simbólico. Surge o JE, que é a cadeia de Significantes ocultos do Imaginário. Surgem,
ainda, as alucinações, pois a Criança/Outro só detém o desejo de seu corpo, sem
os significantes do Simbólico. No Processo Primário haverá a constante luta
entre o Princípio de Prazer e o da Morte (Tânatos). Então, lembremos sempre que
quem regula o Processo Primário é o Princípio do Prazer, sempre condensando
e deslocando e quem desenvolve o Processo Primário (PP) é o Princípio de
Realidade. Mas o Regime do Inconsciente opera, ainda, através da Condensação e
do Deslocamento no Processo Secundário (PS) e lá, quem rege o PS é o Princípio
de Realidade (pois a morte está no simbólico) e quem o desenvolve é o Princípio
do Prazer. Surge, então, no PS o outro do Simbólico. Surge, também, o MOI, isto
é, o Ideal de Eu, o OUTRO do Simbólico. Surge, também, o ÉDIPO (como estrutura).
Surgem os signos da língua e o Outro/Criança será o desejo do desejo do outro.
Assim sendo, o discurso literário
trará sempre uma ação transformadora, que vai constantemente girar em torno das
denotações e das conotações, não de Primeiro Grau, mas de Segundo Grau, como
falamos e mostramos acima, gerando estruturas metonímicas e metafóricas,
transformando por assimetria, constantemente, o texto em relação ao contexto.
Citei neste trabalho dois grandes
professores universitários que influenciaram minha vida intelectual e minha
carreira universitária: Leodegário Amarante de Azevedo Filho e Antônio Sérgio
Lima Mendonça. O primeiro, meu professor na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), que pranteio, in memoriam,
como profundo conhecedor das teorias da Literatura, filólogo e o maior especialista
e crítico da obra lírica de Luiz de Camões, com quem aprendi a base da cultura
literária. O segundo, meu amigo e antigo aluno, na UERJ, depois meu orientador
no Mestrado em Teoria da Significação, na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, UFRJ, é, sem dúvida alguma, um dos maiores teóricos brasileiros do
discurso psicanalítico de base lacaniana, sempre difundindo seu saber, em conferências,
simpósios e congressos, tanto no Brasil, como no exterior. A ambos, o meu agradecimento pela paciência,
enquanto tentava aprender.
ATÉ A PRÓXIMA
Nenhum comentário:
Postar um comentário