SANGÃO é um município catarinense a 18 km
de Tubarão, na costa central do Estado, cortado pela BR 101. Também é um bairro
do município de Criciúma. Parece ser
aumentativo de SANGA, subst. fem., que significa rio pequeno, com pouca água;
riacho. Mas pode ser voçoroca (termo que provém do tupi). Então, SANGÃO seria
um grande rio pequeno ou um grande pequeno rio. E mais, nesse município
catarinense existe um bairro chamado SANGÃOZINHO. Seria assim: um pequeno
grande rio pequeno. Que coisa! Pensam que acabou? Tem mais. Lá, nesse bairro,
existe o SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE. Tentem pronunciar esse nome: parece que é
SÃO GÃOZINHO. Um nome de santo. Esse fenômeno fonético ocorre porque o ditongo
nasal se evidencia no sintagma que possui extenso corpo fonético. Já isso não
ocorre em SANGÃO, de reduzido grupo de fonemas.
Outra coisa interessante, além da produtividade desse
substantivo, é que a possível etimologia de SANGA estaria no Quicongo, uma língua banta, de Angola,
África. Os escravos traficados trouxeram esse nome para o Brasil. E mais. No
sul, onde a influência africana no vocabulário de nossa língua é menor do que
no Sudeste, o vocábulo SANGA é de uso corriqueiro e até de uso poético. Água de Sanga é um bem construído livro
de poesia de Colmar Duarte, lá de Uruguaiana, quase um poeta argentino... Abro
um parêntese aqui para dizer que nos pampas junto às fronteiras, é comum se ouvir
dizer que o povo rio-grandense é um povo miscigenado. É verdade, mas lá, se diz
que essa miscigenação foi entre o europeu (português e espanhol) e o índio. Não
falam do negro. E SANGA é nome de origem africana, muito usado e produtivo,
como vimos. Já o termo correspondente, VOÇOROCA, que vem do tupi, é pouco usado
ou quase nunca empregado. Já no Paraná, esse termo é mais ouvido. Há até uma
grande represa que fornece água potável para Curitiba que se chama Represa
Voçoroca. E por falar em termos de origem tupi, é sempre bom lembrar que esses termos
tupis ocupam grande parte da onomástica catarinense e foram muito bem estudados
por Lino João Dell’Antonio, em seu livro Nomes
Indígenas dos Municípios Catarinenses: significado e origem. Vale dizer que
a tese desse autor é interessante, pois afirma que, sendo o índio nômade, ele
marcava os lugares especiais com termos realmente significativos. Explico
melhor. Em Santa Catarina qualquer rio é cheio de capivaras. Então, um lugar ou
um rio se chamar Capivari não
acrescenta absolutamente nada à orientação de ninguém. É muito bem
fundamentada, ainda, a análise – hipótese linguística - que o autor faz da origem de LAGES, por exemplo, cidade importante, no centro do planalto
catarinense, quando aplica sua teoria, afirmando ser LAGES uma corrupção
linguística de “hayé” que significa
atalho, uma referência ao atalho das Tijucas, feito por Cristóvão Pereira de
Abreu, em 1733. Finalmente, é verdadeira sua argumentação final, quando diz que
muitos nomes de lugares foram dados pelo homem branco, utilizando termos da língua
tupi.
Tudo isso que escrevo e comento é fruto de anotações que faço
durante minhas viagens, quando tento observar as construções linguísticas de
nosso povo e o modo de viver dessa gente feliz do sul do Brasil. Tento juntar
essas observações em uma espécie de diário de viagem ou em crônicas pseudoliterárias, misturando curiosidades linguísticas com as mais diversas
práticas esportivas, e entre elas o futebol, pois ele sempre está presente na
vida simples, que corre junto às estradas por onde passo.
Mas voltemos ao tal clube de futebol do bairro SANGÃOZINHO. Conversando na frente do SANGÃOZINHO FUTEBOL CLUBE com a rapaziada de plantão, nesses tempos de Copa do Mundo, resolvi saber alguma coisa desse time de várzea. Tinha poucos anos. Três ou quatro, mas já possuía um terreiro para seus treinos e jogos: SANGÃOZINHO X VISITANTES estava escrito na entrada do campo. Quis perguntar o nome do craque do time, mas minha atenção recaiu na escalação do próximo jogo, dita por um piá. Era, mais ou menos, pronunciado, como em priscas eras, quando se declinavam os nomes dos jogadores. Havia um ritmo, que tentava visualizar, através da sequência dos nomes dos jogadores, as suas verdadeiras posições em campo. Havia pontas e “center four”, estão lembrados? Assim: Goleiro; 2 beques; 3 na linha média e 5 na linha de frente. Eu sei de cor o meu time tricampeão carioca pela primeira vez: ROBERTINHO, GUALTER e HAROLDO; PACOAL, TELESCA e BIGODE. PEDRO AMORIM, ADEMIR, SIMÕES, ORLANDO e RODRIGUES. Foi há muito tempo... Muita gente ainda sabe de cor os seus times campeões lá do passado, nesse mesmo ritmo... Mas o que mais me chamava atenção nesse modo de falar era o meio de campo. Aliterações, coliterações e principalmente o ritmo, quase sempre em redondilhas, tudo sempre soava muito bem! Observem esses trios:
FLUMINENSE: Pascoal, Telesca e Bigode;
VASCO: Eli, Danilo e Jorge;
AMÉRICA: Oscar, Dino e Álvaro;
FLAMENGO: Biguá, Bria e Jaime.
É, minha gente, antigamente não havia muito diminutivo...Os
jogadores eram durões e a afetividade andava afastada dos campos de jogo.
Mas o mais famoso trio de meio-de-campo foi o DDD piauiense: Demóstenes, Deusdedit e Dirran. Demóstenes, nome de origem grega que
denota a força do povo, com suas raízes dêmos
e sthénos. Deusdedit,
nome de origem latina que mostra a religiosidade do povo nordestino, ao
agradecer a vida dada por Deus. Já Dirran,
quando todos pensavam se tratar do nome francês, Düren, da Ville de Westphalie,
onde teria vivido a família do craque, grande lateral esquerdo piauiense, ouvimos
do próprio jogador a explicação do seu nome, com todo o seu sotaque
nordestino, (vice), aos microfones de
uma grande e famosa emissora da região:
-Não é nome não, vice! É apelido. Como eu sou muito feio me chamam de CU
DE RÃ . Não se pode falar no rádio, então eles só falam a metade, “Dirrã”.
ATÉ A PRÓXIMA
Um comentário:
Oi,prof ! Estava sumido.Obrigada pelo belo texto de ontem.É um presente para qualquer leitor.
Pensei muito no senhor durante a Copa e,especialmente,depois da indicação do Dunga .
Voltamos à Idade das Trevas? ou já estávamos nela?
E o Luxemburgo no Flamengo,hein? Coitado do Flamengo.
Tricolormente,
Thereza
Como se chama mesmo a figura que engloba esse meu "tricolormente"?
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