Escrever por escrever aos borbotões pode ser terapia, afinal é uma prática salutar que distrai e pode produzir muita coisa boa. Ultimamente fiquei encantado e um pouco intrigado com a produção em série de obras literárias produzidas por um só escritor e lançadas ao mercado, em Feiras de Livros regionais, inclusive. Muitas concorreram a premiações literárias e obtiveram belos e significativos troféus, mas isso não é comum. Portanto, debrucei-me sobre este acontecimento e fui reler meus preferidos autores que trataram da Teoria Literária. Roland Barthes dissera, há mais de quarenta anos, que o mundo assistia aos esforços que os artistas, principalmente os escritores, estavam fazendo para destruir a arte. Mas como os textos literários são constituídos de linguagem plurissignificativa e a destruição da linguagem não pode ser verdadeiramente executada, o autor de O prazer do texto retifica, afirmando que suas palavras foram dirigidas mais às artes plásticas do que a literatura, se bem que os problemas estéticos aí, na literatura, são inteiramente diferentes do que na pintura e na escultura, mas de certa forma se imbricam.
Deve-se escrever compulsivamente? Bem, escrever é anotar para que as palavras permaneçam fixadas ao papel (...scripta manent). Isso pode ser conseguido com o simples exercício da cópia, para se aprimorar a caligrafia e se fixar nas memórias visual e táctil as grafias das palavras. Mas o ato de escrever pode também estar ligado a um tipo especial de prazer. Tal como existe o prazer em ler, aquele que traz o leitor para os escritos do outro, para os textos literários que vão proporcionar ao leitor euforia e conforto, além de colocá-lo em sintonia com o mundo ou ambiente circundante, inserindo-o na cultura, existe, também, o prazer em criar um texto uma escritura. É o prazer compulsivo. Euforia em disseminar a cultura internalizada que irá surgindo, moldando as formas linguísticas de tal modo que o produto se torne expressivamente agradável. Mas agradável a quem? Se essa forma de agrado não for destinada ao receptor, no caso específico da escritura literária (nas outras artes ocorre o mesmo), uma vez que a estética está centrada na ótica do receptor, não surgirá desse esforço físico nenhuma consequência.
A escrita compulsiva parece que pode atingir a fruição, o desfrute, o gozo, o êxtase. Os textos de fruição autênticos e raros não surgem da compulsão em escrever. Surgem de uma internalizada leitura literária, adquirida, não inata, mas elaborada e cultivada, aprendida, por conseguinte. O escritor compulsivo sem experiências de intertextualidades, relação com outros diversos textos, e sem liames estabelecidos com acontecimentos universais, não produzirá uma escritura para o outro. Produzirá uma escritura para si, supostamente literária. A escritura deverá se destinar a um letramento literário e não a uma leitura literária, como a que, costumeiramente, se faz nas escolas, desenvolvendo-se conteúdos didático-programáticos. Esse letramento deverá estar envolvido pelo conserto e desconserto do mundo, além do prazer e fruição, mas sobretudo, pela paixão e enfetichamento do objeto-tema retratado, escolhido para alumbrar o leitor.
LEITURAS SUGERIDAS
1- BARTHES, Roland. Le plaisir du texte, Paris, Éditions Seuil, 1973. 2- COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo, Contexto, 2007. 3- ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história literária. São Paulo, Ática, 1989.
ATÉ A PRÓXIMA
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