Como fazia muito calor no vale do
Itajaí, onde atualmente estou morando, resolvi subir ao planalto catarinense
para respirar aquele ar fresco das redondezas de Lages, Urubici e Urupema. Há
muito tempo não ia para aquelas bandas.
Mesmo nas amenas relvas da baixada do
centro do município de Urubici, onde me hospedei, o calor ainda era intenso e o
céu azul, quase sem nuvens, deixava o sol à vontade para reinar, fervendo,
sobre as nossas cabeças. A paisagem esverdeada da mata fechada, ao fundo da cidade,
era convite certo para um passeio até ao alto da Serra Geral, onde no Parque
Nacional de São Joaquim, poderia contemplar do Morro da Igreja, a fantástica
formação geológica, conhecida como a Pedra Furada, praticamente encimando a região
habitada mais alta de Santa Catarina. Ali inicia um desfiladeiro impressionante,
imenso, recoberto por todos os tons de verde, despencando em direção ao
infinito. É um mar de araucárias, ipês, jequitibás, aroeiras, carvalhos,
caúnas, pinheiros-bravos, araçás e xaxins de tirar o fôlego de todos os visitantes
que não se cansam de fotogravar aquele quadro primoroso, pintado pelo Criador.
Mas num piscar de olhos tudo muda a
nosso redor, pois uma neblina envolvente, vinda das profundezas das grotas e
grotões, precipícios profundíssimos a nossos pés, sobe com um vento bem frio e
cobre aquela paisagem estonteante, envolvendo-nos numa fumaça branca que não
deixa mais ninguém ver nada, nem a um palmo do nariz.
Senti um arrepio percorrer minha
espinha de alto a baixo. Pronto. Ele voltara de um longo período de ausência.
Aproveitou-se do ambiente esfumaçado, materializando-se sorridente ao meu lado,
tentando me dar um gelado abraço. Já fazia muito frio. Dirigimo-nos para o meu
carro e pusemo-nos a conversar.
Trouxe-me alvissareiras notícias,
pois mesmo ausente, podia saber do que me afligia, de como estava minha saúde,
como e em que trabalhava ultimamente, enfim, sabia tudo sobre mim, desde que
retornou, há cinco anos, a Portugal. Como já estivera comigo por estas regiões
do Planalto Catarinense, nessa mesma época de verão e não me encontrando no
litoral, nem nas várzeas dos vales, partiu para cá em seu voo mágico e me localizou
com facilidade por estas bandas, com as quais muito nos identificamos.
Disse-me que encontrara, em um
castelo de Braga, com uma santa alma que conhecia meus antepassados, aliás, de
família distintíssima, singela e nobre. Como pode isso? Não entendi, a
princípio, esses antagônicos significados. Mas meu querido amigo fantasma, já
conhecido de meus leitores, muitas vezes se expressa com vocábulos modernos,
mas com sentidos de sua época, lá pelas eras medievais ou de alguns séculos
atrás. Realmente, era isso! Singelo de singulus,
sem complexidades, puro, desprovido de enfeites, único. Fiquei curioso e disse-lhe
que queria ouvir com toda atenção essa história contada a ele por aquela alma
penada que vagava pelos castelos bracarenses.
O sol, em seu declínio, manchou de
nácar o denso nevoeiro. Descemos a serra emocionados, eu pelo esplendor
daqueles instantes, onde pude sentir a força da natureza dentro de mim,
aumentando o prazer de viver, e meu amigo fantasma por me encontrar ainda com
forças, para constantemente viajar e planejar aventuras. Fomos para o hotel dormir. No dia seguinte, meu
amigo estava mais radiante do que nunca. Alegre e falador. Disse-me
que eu teria de rumar para as terras de meus bisavós, pois descobrira o sítio
onde eu poderia encontrar os vestígios materiais da fantástica história de minha
família, marcada pela fortíssima personalidade e peripécias de meu bisavô, um Corrêa do Norte de Portugal. É claro que
a curiosidade tomou conta de mim e já fui arrumando a pequena mochila com
minhas bermudas e camisetas de verão que estavam espalhadas pelo quarto. Tinha
de partir da pequenina cidade serrana, para chegar cedo na capital, a tempo de
comprar as passagens para o Porto, pois aquela santa, singela e nobre alma de Braga havia dado a meu amigo do outro mundo indicações preciosas a respeito das origens de minha família, que eu sabia portuguesa, mas de onde? Era do Norte. Talvez do Porto. Talvez por ali perto. Claro que vou te levar novamente na minha
bagagem de mão, meu branquíssimo amigo! Como iria deixá-lo vagar pelo éter
rarefeito e gelado desse nosso mundo físico, mesmo pelo breve período de tempo
dos voos magnificamente mágicos dos bons e leais fantasmas! Disse-lhe isso,
pois percebi que ele queria viajar comigo e mesmo empacotado, poderia ir me
adiantando muitas importantes informações.
Resolvi tudo com a agência de viagem
de minha preferência e partimos para a mui heroica cidade da resistência. Durante
mais de nove horas de voo, meu amigo enfumaçado, foi me contando as peripécias
guerreiras de D. Pedro IV, o nosso D. Pedro I, Imperador do Brasil e
rei-soldado, que lutou no cerco do Porto contra as sandices do poder absoluto
de seu irmão, Miguel. Ajudado pelos ingleses que invadiram Portugal pelo
Algarve, ganhou a guerra, mas sucumbiu à terrível tuberculose, deixando seu
coração guardado na igreja da Lapa, na linda cidade banhada pelo Douro.
Fui ouvindo, sobressaltado pela
turbulência da aeronave as histórias da luta entre os dois reis irmãos,
Pedro, o liberal e Miguel, o absolutista. Meu amigo empacotado na minha pequena
valise de mão, murmurou, até bem alto:
- D. Pedro IV morrera em 1834, em
Lisboa, no mesmo ano em que o seu trisavô nascia no Porto. Seu bisavô nasceria vinte
anos depois e sua avó Emília, em 1885. Vocês estão ligados ao Porto e ao Norte
de Portugal por uma história tão fabulosa quanto a que vos contei, mas não de
guerras e sim de amor.
Disse-me isso com naturalidade e
encanto. Percebi que coisas muito boas estavam por acontecer.
ATÉ A PRÓXIMA
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