Li, há pouco tempo, algo que me fez refletir
sobre os aedos gregos, suas músicas e seus poemas. Realmente, o que mais me
impressionou foi o pancronismo contido no texto, pois poesia, filosofia e o
material de trabalho de poetas e filósofos se misturavam, nos tempos dourados
da Grécia antiga.
Em matéria literária, a imaginação sempre
precede a reflexão. Assim sendo, o verso surge bem à frente da prosa, em todas
as literaturas. Não poderia ser diferente com a mais antiga das civilizações,
que legou ao ocidente, via Roma, as suas pujantes e significativas formas
estéticas: a civilização grega. Entre o profícuo pulsar da poesia (em verso,
pois retorna, enquanto a prosa continua) e o surgimento efetivo da prosa grega,
há um período de aproximadamente trezentos anos. Se a poesia grega deu asas à
imaginação ciclópica, a prosa dos gregos proporcionou, com exclusividade, o
surgimento do pensamento filosófico e científico. Escrevi, certa vez, que o
rádio moderno, em determinadas situações, exerce a função de oráculo, junto ao
ouvinte crédulo, pelo discurso produzido à distância e em prosa, através de um
narrador que transmite acontecimentos formidáveis. E é tão forte esta narrativa
mágica que o ouvinte lhe dá total crédito, mesmo que, in presentia, seja testemunha ocular dos acontecimentos que se
desenrolam à sua frente, pois a ansiedade de ouvir supera a obrigatoriedade de
ver, isto porque a voz do outro, a do oráculo, é a expressão da suprema verdade,
minimizando magicamente o entendimento do receptor, que se vê impossibilitado
de maximizar sua capacidade reflexiva (Ver: A
linguagem dos esportes de massa, Rio de Janeiro, UERJ/Tempo Brasileiro,
1994, p. 54). Com o passar do tempo, o oráculo grego deixou de dialogar em verso,
obrigando os consulentes a se comunicarem em prosa. Portanto a linguagem da
razão suplantou, pontualmente, a linguagem da emoção e assim seguiram os
acontecimentos históricos. A prosa no lugar da poesia comandou, a partir deste
momento, a comunicação interpessoal e também as múltiplas interpretações do
mundo circundante, na voz dos filósofos, pedagogos e historiógrafos.
O termo verso, em grego “stícsos”, veio, portanto, antes da
prosa, e era estruturado, na língua grega, de acordo com certas medidas – e eram muitas - ,sempre constituído em “pés” ou medidas, que
se pautavam pela quantidade e não pela intensidade das sílabas. Isto significa
que uma sílaba longa, por exemplo, correspondia ao dobro de uma sílaba breve.
Já nas línguas de ritmo intensivo, como o português, as sílabas de um verso se
caracterizam pela predominância de uma sílaba sobre a outra, significando que
uma é fraca e a que predomina sobre ela é forte. Isto ocorre num determinado
grupo de força, quando não pode haver uma sequência de três sílabas fracas,
chamadas átonas, sem que uma delas se torne forte, chamada tônica. Não existe,
portanto, na língua portuguesa, que é de ritmo intensivo e não quantitativo mais
de três sílabas fracas, átonas, seguidas, sem que uma se torne forte, tônica.
São raros os casos de três sílabas fracas seguidas, como no exemplo: “dé-ra-mos-lo”, forma verbal do
verbo DAR mais a forma pronominal LO. Assim, pode-se, também, afirmar que os versos
gregos, dos séculos V e seguintes, antes de Cristo, constituídos pelas epopeias
(– épe -), pelo lirismo (– méle-) e pelo elegíaco ( –elegueia), não apresentavam RIMAS, pois seu ritmo era
marcado por modelos de oscilação quantitativa, chamadas “pés”, como dissemos
acima.
Já as RIMAS foram introduzidas nos
versos das línguas românicas ou neolatinas depois de o latim vulgar ou romance,
no caso do português, estar disseminado pelas terras do antigo Condado Portucalense,
no século XII e já neste mesmo século surgiu a “Cantiga da Guarvaia”.
Portanto, afirmar-se que os antigos poetas gregos, sucessores da poesia de
Píndaro, foram os inventores da RIMA para que a poesia pudesse se harmonizar e
se equilibrar é uma forma poética de exegese, só para o acalanto das almas
românticas, funcionando mesmo como metapoesia... Mas isso é bom, porque nos faz
refletir sobre o pretérito da arte poética.
ATÉ A PRÓXIMA
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