Tomei, casualmente, conhecimento de
um magnífico poeta desta bonita região, colonizada por alemães, que tem
Blumenau como uma das cidades mais visíveis aos olhos do desenvolvimento, e
centro agregador de diversificadas riquezas, sendo conhecida nacionalmente como
um grande polo industrial, crescendo sempre, e cada vez mais promissor. Ayrton
Bento Mafra é este poeta. Pronto, perfeito e em plena produção, natural desta
região, mais precisamente de Ilhota, um recanto calmo e aprazível, mas não
menos próspero, entre outros tantos que encontramos no verdejante vale que o
Itajaí-Açu corta, serpenteando e encantando o viajante, com suas águas escuras,
desde as terras altas catarinenses até lançar-se ao mar, servindo de porto
seguro aos municípios de Navegantes e Itajaí.
Ayrton tem dois livros de poemas:
Amor em Evidência – Poesias -, 2009; e Reflexões, 2015, ambos publicados e
lançados em Blumenau. Nos dois predominam os sonetos clássicos e sextilhas. Sua
poesia está envolta em saudosismos sentidos, onde o amor, o sonho e a natureza
são o Leitmotif, responsável pelo desenvolvimento do eu-lírico, às vezes
intimista, o que leva o poeta a se expressar, em ritmos bem marcados e de maneira peculiar, com vigor estético, sentindo o pulsar do mundo nas coisas
mais comezinhas da vida, como exemplifica o soneto FOGÃO A LENHA, do livro
Reflexões, onde o poeta, lembrando Augusto dos Anjos na forma como constrói
suas comparações, símiles e metáforas, nos faz refletir sobre o frio
relacionamento com o outro, no social. Outras vezes, ainda e mais presentemente
em seu segundo livro, Reflexões, persegue os caminhos das indagações,
interpretando o mundo à sua volta, com artifícios poéticos de alta qualidade,
filosofando, reflexivamente, sobre o tempo, a vida e a existência humana, numa
proximidade estética aos anseios rítmicos e às vezes temáticos, encontrados, ainda, no poeta paraibano de EU e outras poesias.
Em Amor em Evidência – Poesias -, de
2009, Ayrton deixa, contudo, o amor transbordar em sentimentos bem próximos aos
de um saudosismo realista, principalmente quando a natureza serve de fundo para
que suas, às vezes, singelas manifestações, como a floração de um ipê-amarelo,
sirva de metáfora entre uma pujante florada e um amor correspondido. É o que
encontramos em IPÊ-AMARELO. Analisaremos, bem superficialmente, nesta recensão,
o referido poema que abre o seu primeiro e volumoso livro – mais de 600 páginas –, chamando a atenção
para este poeta de linguagem escorreita e culta, que trabalha as palavras com
técnica precisa, intenso ritmo e beleza estética. A poesia de Ayrton Bento
Mafra, pois, a nosso juízo, merece ser estudada, academicamente, à luz da
crítica intrínseca, pois seus textos cantam o amor, o saudosismo, as artimanhas
da vida, o mundo de seu tempo e de seu imaginário, com estilo próprio,
recriando e transfigurando realidades, produzindo formas expressivas, tão
marcantes, que dificilmente o tempo sepultará, pois estão estruturadas como
formas poéticas atemporais e consistentes. Seus textos se apresentam em forma
de sonetos com versos decassílabos e sextilhas com versos alexandrinos e seu
quebrado de seis sílabas. Sua poesia há de se inserir na história da literatura
madura da poética catarinense, pelo valor intrínseco que possui e pela força de
sua composição rítmica. Poesia clássica e significativamente apaixonante.
IPÊ-AMARELO
Amor ainda
feito ipê florido
por ser,
embora seja, hoje, idoso,
o
ipê-amarelo majestoso
do meu
primeiro amor correspondido!
Amor que já
tem cerne volumoso
e, mesmo com
um tronco tão crescido,
ainda bota
flores...tendo sido
o meu
primeiro amor e o mais formoso!
Pretendo
conservar, embevecido,
o amor como
se fosse ipê florido,
em uma
primavera permanente...
E, junto a
ti, pretendo, nessa cor,
fazer o ipê
do amor viver em flor,
vivendo o
amor florido intensamente.
O soneto é
construído com versos decassílabos heroicos, isto é, a acentuação tônica sempre
recai na 6ª e na 10ª sílabas. O esquema de rimas obedece à seguinte figuração:
ABBA - BAAB - AAC - DDD. Ayrton Bento Mafra apresenta uma série de alternativas
de esquemas de rimas em seus sonetos. Só nos dez primeiros de Amor em
Evidência, utiliza o autor sete diferentes esquemas. O esquema repetido é: ABBA
– ABBA – CCD – EED. Portanto, percebe-se, assim, que o esquema de rimas é
importante para não deixar a sonoridade se tornar repetitiva, uma vez que ela
sempre vai se alternando, tornando-se diferente e significativa, leitura após
leitura de cada um dos poemas apresentados. Neste soneto em questão, o ritmo é
mantido, ainda, pelas poucas ligaduras existentes no interior de cada verso,
pois quase não existem sinalefas, elisões ou crases, ocasionando uma contextura
sólida de células sonoras nos decassílabos, o que garante a precipitação de uma
cadência estruturante, sonora e sintagmática. Assim: (“ipê florido”; “embora seja”;
“o ipê-amarelo majestoso”; “do meu primeiro”; “amor correspondido!”; “cerne
volumoso”; “e mesmo”; “com um tronco”; “tão crescido”; “bota flores”; “tendo
sido”; “o meu”; “primeiro amor”- sinalefa; “e o mais formoso” – sinalefa;
“pretendo conservar”; “o amor”; ”como se fosse ipê florido” – crase; “em uma”;
“primavera permanente...”; “E, junto a ti” – sinalefa; “pretendo nessa cor”;
“fazer o ipê” – sinalefa; “do amor” – sinalefa; “viver em flor”; “vivendo o
amor” – elisão e sinalefa; “florido intensamente” – elisão. O ritmo, ainda, é
substancialmente marcado, pela presença das aliterações e coliterações de
fonemas homorgânicos, bilabiais, linguodentais, surdos e sonoros, que sustentam
a perseverança do autor, numa atitude determinada do eu-lírico em manter
eternamente seu amor. E as consoantes alveolares e labiodentais, também, surdas
e sonoras dão ao último terceto a suavidade necessária para o fechamento do
soneto com a chave-de-ouro (“vivendo o amor florido intensamente.”). Assim, o
Leitmotif, condutor de sua lírica, está presente, através da significativa
metáfora telúrica do ipê-amarelo florido, que nos remete ao amor correspondido,
tanto no ímpeto da juventude, quanto no calor da maturidade, quando o volumoso
ipê-amarelo floresce em sua exuberância lírica. Neste poema, a natureza
precipita o romantismo, que se apresenta com roupagem formal clássica,
rigidamente e estruturalmente bem construída. E neste poema de forma fixa, com
segura urdidura métrica, em versos, todos decassílabos heroicos, com metáforas
fortes, mas singelas, Ayrton Bento Mafra mostra como a forma, dignificando o
fundo, eterniza a figura da mulher amada, através da personificação da
florescência colorida da vida...
ATÉ A PRÓXIMA
Nenhum comentário:
Postar um comentário