A RIMA é, sobretudo, um
fenômeno fonético.
A lição de Mattoso
Câmara Jr., um dos maiores, se não o maior, linguista brasileiro, é muito
precisa. Mattoso diz que, em última análise, é a norma linguística que impõe a
RIMA, independentemente de qualquer individualismo, seja quem for o poeta, ou
do particularismo de uma plêiade de qualquer instituição ou escolas literárias,
por exemplo, que trabalhem com poemas e rimas, por mais eminentes e
predominantes que sejam esses poetas, essas plêiades ou essas instituições, em
sua época. Ou em qualquer época, pode-se, ainda, afirmar.
Então, o que se pode e
se deve fazer é orientar os indivíduos ou grupo de indivíduos, unidos por um
ideal estético, para que entendam plenamente como tudo isso funciona. Deve-se mostrar que o estudo da versificação se
dá em base linguística e baseia-se, não só na fonética geral, mas também nas
modernas orientações dos estudos fônicos, adstritos à fonologia do Círculo
Linguístico de Praga, de acordo com as visões de Trubetzkoy e Roman Jakobson,
entre outros, ou de acordo com a fonêmica
da escola norte-americana, derivada de Sapir e Bloonfield. Fora disso, é
se expor às críticas de todas as agudas pontas da rosa dos ventos...
Assim, sendo, é
importante, em primeiro lugar, lembrar que a Rima brasileira é diferente da
rima do português de Portugal. Logo qualquer trabalho poético no Brasil, deverá
ser regido, no que diz respeito à RIMA, pelos ditames dos estudos fonológicos
do PORTUGUÊS do BRASIL.
Vejamos o que Mattoso
Câmara Jr afirma:
“A rima brasileira tem
uma temática própria, consubstanciada numa tradição estética, que lhe mantém a
unidade através das mudanças de escola e ideias poéticas”. (Para o estudo da
fonêmica portuguesa, Vozes, Petrópolis, 2008, p. 85).
No Brasil, isto é, no
português do Brasil, a palavra “mãe” não rima com a palavra “também” e outras
terminadas em ditongo tônico, decrescente, grafado –ém-. Em Portugal, sim. O caso de Casimiro de Abreu é isolado e
esporádico.
As seguintes Rimas
imperfeitas, consagradas pela tradição parnasiana, romântica, simbolista e
modernista são rimas lídimas, válidas, portanto. Não desmerecem o texto nem o
seu autor:
Nus > azuis – C.
de Abreu;
Azuis > luz – O.
Bilac;
Espirais >
Satanás – C. Alves;
Traz > mais – A.
de Oliveira.
Estão, pois, de acordo
com os modernos estudos linguísticos e fônicos, adstritos à fonologia do
Círculo Linguístico de Praga, de acordo com as visões de Trubetzkoy e Jakobson,
entre outros.
De acordo com os
critérios dos estudos fonológicos, advindos do Círculo Linguístico de Praga,
com Trubetzkoy e Roman Jakobson, interpretando os sons da fala, podemos dizer
que a RIMA consiste numa coincidência de traços distintivos entre duas ou mais
séries fônicas, a partir de um determinado ponto da enunciação.
A RIMA será perfeita,
quando a coincidência abarcar todos os traços distintivos.
A RIMA será imperfeita,
ao contrário, quando as séries fônicas divergirem em certos componentes quer
simultâneos, quer sucessivos: no caso
dos simultâneos, quando houver divergência de fonemas; no caso dos sucessivos,
quando houver um fonema presente numa série e ausente noutra. O que condiciona
o aparecimento de uma RIMA IMPERFEITA é o sentimento, por parte dos poetas, que
sentem que NÃO há necessidade de uma coincidência TOTAL de traços fônicos
distintivos, isto porque os há estrutural e funcionalmente fracos em cada série
fônica, por força das próprias condições fonêmicas da língua. Lição dada por
MattosoCâmara Jr., in 2008, p.90.
RIMAS APARENTEMENTE
IMPERFEITAS
Podemos considerar
perfeitas as rimas aparentemente imperfeitas, que surjam baseadas no triângulo
do quadro das vogais átonas finais, do português do Brasil:
Vogais átonas
finais: / i / , / a / ,
/ u /.
Assim, rimas
aparentemente imperfeitas, mas ditas PERFEITAS:
Argus > largos;
Vênus > serenos; Cálix > vales; Nave > “clamavi”; Regina
Coeli > impele; Define > Bellini; Impele-te > satélite
PRONÚNCIA SINCOPADA
Visse >
superfície; Ricos > oblíquos; Suponho-os > risonhos; Depeno-os
> ingênuos; Espécie > tece e;
Esta pequena introdução
é importante para comentar muitas propostas de algumas agremiações lúdico-recreativas, sem
preocupação com a teoria literária e a ciência linguística, que promovem
concursos internos ou aberto ao público em geral. Uma dessas propostas que
tivemos a oportunidade de folhear, trazida por um amigo, dizia respeito ao
tratamento dos versos das trovas que concorreriam a prêmios, postadas por poetas
e versejadores brasileiros, no código linguístico do português do Brasil.
Nessas ocasiões, deve-se tomar todo cuidado para não se cair em equívocos
lamentáveis. No texto em questão, publicado no Boletim Oficial da referida
entidade, seus dirigentes confundiram
FORMA APOCOPADA com FORMA SINCOPADA, confundindo-se teoricamente, dando,
inclusive, exemplos de um caso pelo outro.
Enfim, ficou claro que
agremiações lúdico-recreativas não detêm, nem pode deter poder nenhum normativo
generalizado, nem podem servir de “vade
mecum” poético para ninguém. Podem, no mínimo, combinar entre seus pares, o que
valerá, internamente, nos concursos de trovas ou demais poemas de forma fixa,
por exemplo, desde que acertem tudo de maneira plausível, dentro das regras tradicionais
do estudo da Versificação.
Assim sendo,
pretendemos insistir nas orientações linguísticas de estudiosos clássicos, como
as de Mattoso Câmara Jr., estudioso desse campo do saber linguístico-literário.
Fomos aluno e amigo do mestre Mattoso, que se destacou não só no Brasil, como
no exterior, principalmente nos Estados Unidos da América, onde estudou com
Roman Jakobson e pronunciou inúmeras conferências em universidades famosas. Foi
fundador e membro nato da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL) da qual
pertencemos, (1997) e, ao falecer (1970), era presidente da Associação de
Linguística e Filologia da América Latina e, desde 1967, membro do Comitê
Internacional Permanente de Linguistas, composto por 12 membros, sendo o único
da América Latina.
Portanto, voltando ao
tema dessas breves considerações, orientamos os interessados no assunto a se
louvarem nos trabalhos sobre a RIMA, divulgados por especialistas e não em
propostas completamente desviada do saber teórico, clássico e fundamental, sempre
à luz dos preceitos básicos de renomados estudiosos, como, por exemplo,
Trubetzkoy e R. Jakobson.
Finalizando, pode-se
afirmar que todas as associações lítero-recreativas, agindo de acordo com as
normas técnicas da versificação, procurando obter satisfatório conhecimento da
Língua Portuguesa do Brasil, que é a mesma de Portugal, mantendo uma unidade
dentro das inúmeras diversidades existentes entre elas, como a articulação
fonética, vista de passagem, no presente estudo, podem continuar alegrando a
vida de todos que encontram na poesia um refrescante bálsamo para a paz do
espírito, para a alegria da alma, livrando nossas mentes das tensões da
referencialidade do real, criando um imaginário onde só pela poesia pode-se
amar, até de uma maneira toda especial, dando-se o que não se tem a alguém que,
absolutamente, tal coisa
não deseja (J. Lacan).
ATÉ A PRÓXIMA
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