Ruy do Carmo Baptista foi poeta e radialista. Natural de
Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro, trabalhou na primeira hidrelétrica de seu
estado natal, construída no rio Macabu, ingressando nas Centrais Elétricas Fluminenses
S.A., onde se aposentou, na cidade de Campos dos Goytacazes. Manteve por mais
de 20 anos um programa matutino de rádio em Campos: “Alvorada Sertaneja”. Pertenceu ao “Círculo de Estudos Literários e Filosóficos Farias Brito”, em
Macaé, e frequentou a “Academia Pedralva
– Letras e Artes”, em Campos. Teve com a Professora Ivone Rabello Tavares
quatro filhos, Edméia, Rui, José e Talita, que perpetuaram sua memória de poeta
e cantador, publicando suas composições neste livro, editado na cidade de Campos
dos Goytacazes, em 2014.
Sua poesia
mistura a fala caipira do norte-fluminense com o falar culto e semiculto dessa
mesma região onde nasceu, viveu e produziu suas composições em versos curtos,
característicos da lírica surgida na Península Ibérica. Os versos de Ruy
Baptista mesclam seu desempenho fonético variado, praticado na escolha de
vocábulos, fases feitas e metáforas regionais, entre outras situações
linguísticas, mas soando diferente da fala caipira do interior paulista, onde a
principal característica é o “r” vibrante retroflexo, muito intenso,
parecendo deter o som de muitos desses fonemas. Essa linguagem presente no
caboclo do norte fluminense, juntamente com a fala característica do “r”
caipira do interior de São Paulo, uma variante vibrante apical, rolada,
retroflexa, anterior, do fonema original “r”
é uma das características marcantes que vão fazer a diferença entre o Português
do Brasil e o Português de Portugal, numa de suas inúmeras diferenças, contudo,
sempre mantendo uma unidade significativa nessa imensa diversidade. À guisa de
maior e melhor esclarecimento, mesmo lidando com textos escritos, parece-nos
que, do mesmo modo, o “s” chiado, típico do falar do carioca, se
interiorizou pelos inúmeros municípios do norte do Estado do Rio de Janeiro e, por
incrível que possa parecer, essa pronúncia foi-nos trazida pelos próprios
portugueses, a partir de 1808 e se caracterizou como sinal de prestígio, pois
era assim que aqueles que frequentavam a Corte falavam. Com isso, cresce a tese
de que o sotaque carioca do fim do século XVIII se assemelhava ao do português
que por aqui viveu, por exemplo, nas rodas elegante da sociedade da época,
frequentadas, por exemplo, pelo poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, no centro
da cidade do Rio de Janeiro de antanho.
Portanto, na fala caipira,
registram-se nesse pequeno livro de poemas os sons foneticamente utilizados
pelo povo da região em que o poeta viveu, sem inventar nenhuma pronúncia, dando um retrato,
isto é, reproduzindo fielmente as variações fônicas do linguajar caboclo da
região do Norte Fluminense dos Campos dos Goytacazes. O mesmo deveria acontecer
em seus programas radiofônicos, pois o título e seu personagem isso denunciam:
“Alvorada Sertaneja” e “Sô Tião”. Seria uma referência
exemplificativa o poema DESILUSÃO DE CABOCLO, página 21. Versejando no registro
culto da língua, Ruy Baptista dá preferência aos dois mais significativos
metros do idioma português, a redondilha maior (sete sílabas métricas) e a
redondilha menor (cinco sílabas métricas), em estrofações variadas. Os versos
de ESTRADA VELHA são, em sua maioria, construídos com palavras simples,
constantes do vocabulário ativo da língua, mas eivados de regionalismos,
alguns, hoje, desconhecidos, talvez, do leitor citadino. Assim, a flora e a
fauna são exemplos significativos, que aparecem no poema CAMPOS DOS GOYTACAZES,
pág. 71. São raros os exemplos de vocábulos menos conhecidos do leitor
distanciado da vida interiorana. O poema RECURSO DO CAIPIRA, pág. 29, assim
inicia: “Eu viajava cansado / conduzindo
um gado erado”. Erar é verbo e significa a ação de engordar o gado.
Na lenda contada em versos, uma forma poética de Ruy Baptista manter viva a
tradição oral, encontramos no próprio título o vocábulo CABORÉ (pág.105), que
no texto é uma espécie de mocho, coruja. No nordeste brasileiro, é filhote de
coruja, fixado na tradição folclórica com o ditado “Coruja não tem pai, caboré não tem avô”, e em outros exemplos
assinalados, ainda, por Câmara Cascudo. Possivelmente esses vocábulos poderiam
suscitar algum ruído no entendimento do leitor. Mas são muito poucos. Isso é
interessante, pois os versos de ESTRADA VELHA foram escritos na primeira metade
do século XX e muitos termos prendem-se a um regionalismo confinado no norte do
Estado do Rio de Janeiro.
Percebemos,
por outro lado, que os poemas deste singelo, mas interessante livrinho (143
páginas, 20 x 14), envolvidos pelo conhecido estilo caipira, que nos apresenta
“causos”, e lendas mirabolantes registra a beleza das histórias contadas em
reuniões de famílias, e muitos de seus poemas foram escritos para serem cantados
(talvez alguns, ou muitos até teriam sido musicados) ao ritmo toante da viola
sertaneja.
O resgate desses poemas de Ruy do
Carmo Baptista, poeta e cantador fluminense, feito por seus filhos e publicado
há poucos anos, em Campos dos Goytacazes, propicia ao leitor um reencontro com
os ritmos já não tão presentes hoje nos poetas modernos. São ritmos saudosistas
que invocam a força do talento, da luta e da vitória do homem do campo sobre as intempéries da vida na roça; do
homem da pequena vila; do homem que labuta na suada e ensolarada lavoura e no trato do gado em pastagens íngremes; nas
matas fechadas, onde caça para seu sustento e de sua família, lá no sertão desse
nosso interior, agora tão perto dos grandes centros, mas tão distante de nossos
pensamentos, quando queremos encontrar um lugarzinho pacato para sermos felizes... O livro de Ruy Baptista possui os ritmos de um poeta simples, mas ufanista, que nos faz lembrar a estética popular de geniais artistas, impressionados com a beleza intrínseca de nossa terra, num poetar brasílico grandiloquente, como, por
exemplo, o de um Catulo da Paixão Cearense.
ATÉ A PRÓXIMA
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