Era em Portugal, ano de 1986, precisamente Lisboa. Estava a fazer
minha caminhada noturna, depois de um dia cheio de trabalho. Cumpria os deveres
de meu semestre sabático, pela UERJ. Empolgado pelas novidades que iam
aparecendo na caminhada constante contra os quilinhos adquiridos pelos
bacalhaus consumidos, com muito azeite, batatas e bons vinhos, naturalmente.
Assim, deixei para trás, sem perceber, a estação de Picoas, que foi ficando
cada vez muito longe de meus passos largos e ansiosos em resgatar o figurino
esguio de antanho. Quando percebi, havia me distanciado mais de hora e meia,
realizando exercícios aeróbicos a passos largos. A residência, na qual um
grande amigo me colocara estava ficando muito para trás. Conclusão, o prédio
tinha horário rígido para fechar e eu não trouxera a chave do magnífico portão
de ferro rendado, em estilo “art nouveau”. Ficaria simplesmente na rua se não
retornasse imediatamente e rápido, voando, por assim dizer. A bruxa, que
administrava os quartos, alugados à revelia do verdadeiro dono do grande
apartamento – um caso de sublocação - não acordaria e não me deixaria entrar
nem que recebesse dos céus pedido clemencial. Mas como? Já era tarde e as ruas
iluminadas e seguras estavam desertas. Não haviam inventado ainda o telemóvel.
Só o Metro me salvaria. Vislumbrei muito longe o farol da primeira carruagem
com luz forte e destemida, vindo, superficialmente, em direção à estação que
serve ao moderno aeroporto da cidade que Ulisses fundara. Corri para pegar o
combóio e procurei a bilheteria. Nada! Tudo deserto, sem viva alma. Tudo livre.
Não havia uma só catraca. Essas barreiras, contra (ou a favor) de nossas
consciências, ainda não tinham sido inventadas ou, pelo menos, lá instaladas e hoje
funcionando às mil maravilhas. Ah! Os telemóveis também não haviam sido
inventados! Mas, hoje, meu amigo, como em todo mundo, lá estão eles disseminados,
na terrinha e operados pela, vejam só, Companhia de Telefonia Vodafone. Não pude me conter e disse a um
amigo do Brasil, por WhatsApp, recentemente, quando de lá cheguei: “Vodafone é
voda”! Botei a mão no bolso e verifiquei que não trouxera um mísero escudo. Estava
totalmente desprevenido de moedas e das notas gigantes do dinheiro português de
então. O combóio parou e eu entrei. Viajei sozinho na carruagem durante três
estações, sem que ninguém entrasse, nem o temido fiscal, fardado como um
soldado prussiano dos tempos salazarianos. Cheguei ao prédio onde morava e
encontrei os magníficos portões ainda abertos. Graças a Deus a bruxa ressonava
alto como um guaxinim embriagado. Custei um pouco a dormir. No dia seguinte
acordei com uma enxaqueca terrível, pois só pensava em como poderia ressarcir a
Cia de Carris de Lisboa daquela passagem que subtraíra, emergencialmente, com
direito a pular uma catraca inexistente, que me deixou, internamente,
envergonhado. Dissolvi em um copo d’água uma pastilha a borbulhar, e tudo
passou.
ATÉ A PROXIMA
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