Íamos em direção ao Algarve.
Havíamos saído de Viana do Castelo bem cedinho. Como não conhecia o sul de
Portugal, aceitei o convite de meu ex-aluno, em cuja casa estava hospedado,
para ir à Universidade de Faro. Lá, poderia fazer alguns contatos importantes
para a minha pesquisa. Não me arrependi.
Em Vila
Franca de Xira nosso veículo cruzou o Tejo e eu dois dedos da mão direita, para
que nada acontecesse com a "carrinha"
que disparava, agora, por um caminho estreito, já com algum trânsito, pois o
conforto da autoestrada não mais existia.
Alertei o Marcelo, inclusive para a
possibilidade de sermos parados por alguma patrulha rodoviária. Mas nada. Não
adiantou. O Marcelo não ouvia e, na pista, nenhum sinal de fiscalização. A
paisagem seca e desértica que nos recebera até então, agora já nos mostrava
suas verdes oliveiras, seus castanheiros carregados de ouriços afiados e muitos
sobreiros em carne viva, o que me deixou, também, vermelho de raiva, pois não
soube reconhecer, de imediato, a tradicional árvore da cortiça.
Marcelo e sua "carrinha" infringiram, na estrada
até Albufeira, todas as leis de trânsito, possíveis e imaginárias.
Ultrapassagens proibidas e perigosas; excesso de velocidade; tráfego pelo
acostamento; parada na pista para fotografar a terra queimada pela seca e
alguns alentejanos em sua modorra, à porta de casas típicas e muito mais. Tudo
em nome de uma ânsia aflitiva, para que conseguíssemos aproveitar todos os
momentos e chegarmos cedo a Faro.
Não posso dizer que, no fundo, no
fundo, não tenha compartilhado daquela maluquice, digna dos meus tempos de
adolescente, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, nos idos de 1960, quando
era um "barato" participar
de "rachas motorizados",
proibidos pela polícia. Mas digo, também, que censurei meu ex-aluno, com toda
moral de um mestre-escola dos tempos de antigamente. Ele compreendeu,
penitenciou-se e não mais repetiu seus atos de vândalo do volante. Mudou seu
comportamento da água para os bons vinhos do Alentejo. Parecia uma moça que
tinha recebido recentemente a carta de motorista. Chegava a irritar...
Mas na volta, em Ourique, acreditem.
Depois de muitos quilômetros de viagem tranquila, ecológica, civilizada,
rodoviariamente correta, muito tempo depois dos idos de 25 de julho de 1139,
nos jardins do castelo, ou melhor, no miradouro do castelo, fui multado por um
responsável pela guarda da cidade, que me flagrou colhendo uma linda flor
amarela, quando a depositava nos pés do enorme bronze, no centro do lajeado,
homenageando o fundador da nacionalidade portuguesa.
Fui punido pela Lei, mas vi
claramente o sorriso de agradecimento de D. Afonso Henriques do alto do pedestal
de sua magnífica estátua.
ANOTAÇÕES
1- “carrinha” - Termo que designa, em
alguns lugares de Portugal, uma caminhonete utilitária de dois lugares na
cabine e uma caçamba aberta, atrás.
2- "um
barato" - Uma coisa ótima (gíria brasileira, muito usada no Rio de
Janeiro).
3- "rachas
motorizados" ou "pegas"
- Corridas exibicionistas de automóveis, com acrobacias perigosas, em plena
rua, com grande assistência e claque.
4- 25
de julho de 1139 - Data da batalha em que D. Afonso Henriques obteve
retumbante vitória sobre os Mouros, em Ourique.
5- Dom Afonso Henriques. Primeiro rei de Portugal, fundador da nacionalidade
portuguesa.
*
Esta crônica deu título ao meu livro publicado em 2005, com
poucos exemplares numerados e que estará sendo, agora, 10 anos depois
reeditado, neste ano de 2015 e será lançado em Balneário Camboriú, Blumenau,
Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Rio
de Janeiro. Avisarei aos meus amigos os locais e datas.
ATÉ A PRÓXIMA
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