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26 de março de 2015

UMA FLOR AMARELA*






            Íamos em direção ao Algarve. Havíamos saído de Viana do Castelo bem cedinho. Como não conhecia o sul de Portugal, aceitei o convite de meu ex-aluno, em cuja casa estava hospedado, para ir à Universidade de Faro. Lá, poderia fazer alguns contatos importantes para a minha pesquisa. Não me arrependi.
            Em Vila Franca de Xira nosso veículo cruzou o Tejo e eu dois dedos da mão direita, para que nada acontecesse com a "carrinha" que disparava, agora, por um caminho estreito, já com algum trânsito, pois o conforto da autoestrada não mais existia.
            Alertei o Marcelo, inclusive para a possibilidade de sermos parados por alguma patrulha rodoviária. Mas nada. Não adiantou. O Marcelo não ouvia e, na pista, nenhum sinal de fiscalização. A paisagem seca e desértica que nos recebera até então, agora já nos mostrava suas verdes oliveiras, seus castanheiros carregados de ouriços afiados e muitos sobreiros em carne viva, o que me deixou, também, vermelho de raiva, pois não soube reconhecer, de imediato, a tradicional árvore da cortiça.
            Marcelo e sua "carrinha" infringiram, na estrada até Albufeira, todas as leis de trânsito, possíveis e imaginárias. Ultrapassagens proibidas e perigosas; excesso de velocidade; tráfego pelo acostamento; parada na pista para fotografar a terra queimada pela seca e alguns alentejanos em sua modorra, à porta de casas típicas e muito mais. Tudo em nome de uma ânsia aflitiva, para que conseguíssemos aproveitar todos os momentos e chegarmos cedo a Faro.
            Não posso dizer que, no fundo, no fundo, não tenha compartilhado daquela maluquice, digna dos meus tempos de adolescente, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, nos idos de 1960, quando era um "barato" participar de "rachas motorizados", proibidos pela polícia. Mas digo, também, que censurei meu ex-aluno, com toda moral de um mestre-escola dos tempos de antigamente. Ele compreendeu, penitenciou-se e não mais repetiu seus atos de vândalo do volante. Mudou seu comportamento da água para os bons vinhos do Alentejo. Parecia uma moça que tinha recebido recentemente a carta de motorista. Chegava a irritar...
            Mas na volta, em Ourique, acreditem. Depois de muitos quilômetros de viagem tranquila, ecológica, civilizada, rodoviariamente correta, muito tempo depois dos idos de 25 de julho de 1139, nos jardins do castelo, ou melhor, no miradouro do castelo, fui multado por um responsável pela guarda da cidade, que me flagrou colhendo uma linda flor amarela, quando a depositava nos pés do enorme bronze, no centro do lajeado, homenageando o fundador da nacionalidade portuguesa.
            Fui punido pela Lei, mas vi claramente o sorriso de agradecimento de D. Afonso Henriques do alto do pedestal de sua magnífica estátua.

 ANOTAÇÕES

1- “carrinha” - Termo que designa, em alguns lugares de Portugal, uma caminhonete utilitária de dois lugares na cabine e uma caçamba aberta, atrás.

2- "um barato" - Uma coisa ótima (gíria brasileira, muito usada no Rio de Janeiro).

3- "rachas motorizados" ou "pegas" - Corridas exibicionistas de automóveis, com acrobacias perigosas, em plena rua, com grande assistência e claque.

 4- 25 de julho de 1139 - Data da batalha em que D. Afonso Henriques obteve retumbante vitória sobre os Mouros, em Ourique.

5- Dom Afonso Henriques. Primeiro rei de Portugal, fundador da nacionalidade portuguesa.

* Esta crônica deu título ao meu livro publicado em 2005, com poucos exemplares numerados e que estará sendo, agora, 10 anos depois reeditado, neste ano de 2015 e será lançado em Balneário Camboriú, Blumenau, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e  Rio de Janeiro. Avisarei aos meus amigos os locais e datas.

 ATÉ A PRÓXIMA




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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.