FOGÃO A LENHA
Fogão que faz as vezes de lareira!
Local onde, já cedo, a cada dia,
buscamos liberar a energia
do sol como estocado na madeira.
Local onde, de forma rotineira,
com jeito, sem qualquer sabedoria,
usamos, numa espécie de magia,
o sol sob as panelas e a chaleira.
Como esse, da cozinha, aceso e
quente,
exista um fogão dentro da gente
com dispersão de ondas aquecidas!
Que nossos abrasados corações
mobilizando o Sol, como fogões,
aqueçam relações arrefecidas!
Estamos diante de um dos mais lindos
sonetos de temática interiorana da Literatura Brasileira. Seu autor, também do
interior do Brasil, nascido em Ilhota, Santa Catarina, atualmente mora em
Blumenau, uma cidade de maiores dimensões, onde se aposentou, sem antes muito
labutar em variados segmentos produtivos, inclusive, no magistério superior. Mas
sua verve poética respira a temática intimista e, muitas vezes, discorre sobre
temas do cotidiano, deixando aí transparecer sua identificação com os momentos
da vida pacata desses bucólicos e aprazíveis lugares de nossas regiões interioranas.
Ayrton é um mestre na criação
harmônica de seus decassílabos, sáficos e heroicos, misturando as estrofações,
aleatoriamente, mas mantendo um ritmo
fortemente comprometido, sempre, com o desenvolvimento temático de suas
composições. Refiro-me às estrofações dos tipos ABAB E ABBA, nas quadras de seus sonetos.
O soneto em destaque, FOGÃO A LENHA
é uma primorosa composição de cunho imprecativo, como súplica poética, usando
os modos verbais adequados para tanto: “exista um fogão dentro da gente”; “aqueçam
relações arrefecidas!”. Tal situação inclui, também, o soneto na ordem dos
discursos filosóficos, com tratamento comezinho.
O
desenvolvimento do tema, que é o retorno ao convívio sadio e amoroso das
relações interpessoais, apropria-se de antigas imagens, como “o calor do sol” e
“o fogo da lareira”, mas a maestria e a sensibilidade lírica de Ayrton Mafra, criaram uma nova forma expressiva, num inconfundível
estranhamento poético: “Como esse, da
cozinha, aceso e quente, / exista um fogão dentro da gente”. É uma inédita
metáfora, a do aquecimento do sol e o aquecimento dessas mesmas relações
degradadas, carcomidas, talvez, pelas mesmices do dia-a-dia, no convívio
permanente.
Já
o tratamento dado pelo poeta às estruturas mórficas do poema é o outro ponto
fundamental para o êxito da enorme dimensão artística do soneto. Na primeira quadra o enjambment encontrado entre o terceiro e o quarto versos - “buscamos liberar a energia / do sol como estocado na madeira” – imprime à narrativa lírica, servindo-se também de expressiva hipálage, o ritmo crepitante do fogo a alastrar-se, tendo o vocábulo COMO (4º verso) o sentido de enquanto, conjunção adverbial temporal, e não uma simples conjunção comparativa.
O primeiro terceto, onde inicia a transfiguração
da realidade, passando-se do plano das ideias concebidas para as ideias pretendidas,
isto é, onde se unem os diversos elementos da metamorfose poética, esse
primeiro terceto – insistimos – é composto por expressivo hipérbato, envolvendo
a elipse do termo FOGÃO, enquanto sujeito, subentendido, facilmente, pelo
leitor, como se estivesse presencialmente grafado, tal a força retórica desta construção.
Uma estrutura frasal elaboradíssima, beirando a técnica dos versos imprecativos
de Augusto dos Anjos.
A
chave-de-ouro do soneto insere-se numa comparação tácita, deixando-nos
mentalmente contemplativos, absorvidos pela beleza da criação poética, uma
marca registrada desse grande poeta catarinense, que, em breve, lançará mais um
livro de poesias, para nos emocionar cada vez mais, com suas encantadoras composições.
ATÉ A PRÓXIMA
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