Sempre ouço a CBN, “A RÁDIO QUE TOCA
NOTÍCIA”, como diz, com precisão esclarecedora, seu slogan, muito bem
idealizado. Gosto de sua programação e de seus quadros fixos, que tratam de
política, finanças, artes e muitas outras formas de disseminar o conhecimento, de
acordo com as cinco funções básicas da radiodifusão, que são a de informar, formar, divertir, prestar
serviços e vender, não,
necessariamente nessa ordem.
O Presente comentário surgiu por eu ter
ouvido nesta emissora, às 15h30min, do dia 15 de setembro, os comentários do
Prof. Pasquale Cipro Neto sobre um caso de regência verbal. Um ouvinte
perguntou ao mestre se, gramaticalmente, era correto o emprego de expressões do
tipo “beber do vinho”, “comer do pão” e outras similares. O
eminente professor foi às respostas, utilizando-se da letra da música de Chico
Buarque de Holanda, Cálice (1973 –
lançada 1978), destacando o verso: “Como
beber dessa bebida amarga”. Sua resposta, como não podia deixar de ser, foi
correta, mas insistiu em caracterizar esse fenômeno de regência verbal como um
caso de PARTITIVO. Nós não usaríamos esse termo, ao explicar o fenômeno. Se
não, vejamos:
“Partitivo”, em gramática, é a
palavra que designa uma parte de um todo. Mas como isso funciona? Não existe uma
única forma linguística que detenha, nela mesma, essa significação. Em outras
palavras: o partitivo é o emprego de
uma preposição relacionada a um verbo – um tipo de regência ocasional –
modificando o sentido desse verbo, acrescentando-lhe algo além de seu
significado conhecido. Por exemplo. A preposição DE em “COMI DO BOLO”.
Comer o bolo significa ingerir um alimento, um doce, uma iguaria qualquer. Comer do bolo passa a significar comer
parte daquele alimento; ou apenas um pedaço dele (ou comê-lo totalmente com muita
vontade e prazer). Portanto, a preposição DE
tem aí, nessa frase, um valor nocional,
significativo, pois impõe novo
significado à expressão, se compararmos a: COMI O BOLO. Isto é, a mesma expressão sem a preposição DE. Estamos
diante de um caso de sintaxe de regência. Sabemos que há verbos que exigem
complementos para sua total significação e esses complementos podem surgir com ou
sem preposição. Esses complementos são os objetos direto e indireto. Bem, isso
é conhecido de todos. O que, talvez, não seja muito conhecido é que esse fenômeno
sintático recebeu o nome de POSVÉRBIO, dado por Antenor Nascentes. O partitivo
existe, mas é diferente do posvérbio.
Em português, só é partitivo se a ideia
introduzida pela preposição levar à noção de “parte”. Se eu quero dizer –
sempre expressivamente - que parte do bolo foi comida, eu emprego “comi do bolo”. Da mesma forma, digo “beber do vinho”, se entender como “beber parte
do vinho oferecido”, mas se ficar implícita a “necessidade indispensável da
bebida”, como ficou no exemplo acima do “bolo”, cujo outro sentido foi colocado
entre parênteses, talvez o termo PARTITIVO não possa ser empregado, por não
estar verbalizada, na ação de beber, somente uma parte do líquido a ser sorvido.
Evidente que há outros empregos verbais com outras preposições que não
introduzem o sentido de PARTE, ou apresente oportunidades de mais de uma
interpretação. Portanto, não é claro o nome PARTITIVO, nem seu uso é
recomendável. Mas é inegável que o seu emprego é de uso expressivo na língua. É
uma maneira conotativa de se expressar; é uma forma linguística que sensibiliza
e chama atenção para a função poética da linguagem. Mas existe a forma
abrangente para essas situações de linguagem expressiva no estudo da regência
verbal, que nos foi dada pelo grande mestre Antenor Nascentes: é o POSVÉRBIO.
Em português, é eminentemente uma forma expressiva, por se tratar de uma
construção, onde se usa, depois de certos verbos, uma preposição que lhes
modifica o sentido, acrescentando-lhes novo matiz, e não rege a palavra que
serve de complemento a esses verbos. Essa preposição funcionará como verdadeiro
MORFEMA (in, O problema da regência, Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos,
1960, p.17). Vejamos alguns exemplos. A) Arrancar DA espada (acentua a ideia do uso da arma); B) Comer DO pão (acentua a presença
indispensável do alimento); C) Cumprir COM
o dever (acentua a ideia de obediência, de zelo); D) Perguntar POR alguém (denota curiosidade,
interesse); Olhar PELA criança
(acentua a carga afetiva, o cuidado). Antenor Nascentes mostra ainda que em
inglês tal fato também ocorre. Exemplos: To go = ir; To go up =
subir; To go dow = descer; To go in = entrar; To go out = sair (Idem, ibidem,
p.16). Por outro lado, na
gramática inglesa, o partitivo
ocorre para indicar que um objeto é afetado apenas e parcialmente pelo verbo, não
tendo efeito denotativo, real. Muitas vezes, corresponde às palavras "some”, alguns ou "any", qualquer. É semelhante,
também, em muitos aspectos ao caso genitivo.
Portanto, devemos distinguir PARTITIVO de POSVÉRBIO. Em português se empregarmos o termo partitivo, podemos
dizer que todo partitivo é um posvébio, mas nem todo posvébio é um partitivo,
como ressaltam os exemplos dados.
Como sugestão aos meus leitores,
creio que devemos aplicar a esses casos especiais e expressivos de regência, ou
de regência expressiva, o termo POSVÉRBIO
e não partitivo, menos por essa singela explicação e muito mais pela reverência
que faremos ao grande mestre, Antenor Nascentes, autor dessa nomenclatura, meu professor
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (na época UDF), com quem troquei, alguns
anos depois de formado, correspondências, inclusive sobre esse fenômeno do
POSVÉRBIO, discutindo, ainda, temas linguísticos variadíssimos, muitos reunidos
depois, no livro escrito por quatro professores do Instituto de Educação do Estado
do Rio de Janeiro, “Português para o
Curso Normal”, Rio de Janeiro, 1967, .... tendo sido aprovado, com louvor, por
este grande filólogo, etimólogo, dialectólogo e lexicógrafo brasileiro.
ATÉ A PRÓXIMA
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