Dedico esse
trabalho ao Professor Leodegário A. de Azevedo Filho, mestre e amigo. Minha
eterna saudade.
Em meu
livro, FUTEBOL FALADO (2010), que estuda a linguagem especial do futebol, do
ponto de vista da criação verbal, mostrando e analisando os fenômenos de
renovação e inovação lexicais, entre outras abordagens linguísticas,
sociológicas e históricas, na página 131, apresentamos o verbete ESCRITA, que
diz o seguinte:
126- ESCRITA
“Na
linguagem esportiva em geral, significa um determinado fato que, sempre da
mesma forma, acontece. Uma rotina. Muito usado nas transmissões de futebol.
“Manteve a escrita”; “Olha a escrita aí”; “o Vasco manteve a escrita com o
Botafogo”; “O Fluminense manteve a escrita com o Vasco”. Substantivação da
forma feminina do particípio do verbo ESCREVER”.
O vocábulo
ESCRITA, em linguagem figurada informal, está dicionarizado e é assim que
Antônio Houaiss registra esse vocábulo, em seu Dicionário da Língua Portuguesa:
“Escrita é o que constitui uma rotina ou aparenta constituir uma rotina”.
Parece que
esse termo tem sua origem nos cadernos de anotações que existiam nas antigas
vendas, empórios ou armazéns de antigamente, onde o dono do negócio dava
crédito aos seus melhores fregueses, anotando, escrevendo no seu caderno os
valores devidos, referentes a gastos no estabelecimento, geralmente de secos e
molhados. “Está no caderno” ou “ficar na escrita do português da venda” eram
expressões que se ouviam e se presentificavam como formas linguísticas vivas,
ativas, portanto, num determinado tempo, e perduraram enquanto esse comércio de
bairro pode resistir às investidas dos supermercados, que hoje dominam esse
segmento do comércio de atacado e varejo, das utilidades e gêneros alimentícios
de primeira necessidade. Essas expressões marcaram significativamente a vida de
todos os cidadãos modernos e hoje estão recuperadas e se resumem no termo
ESCRITA, que, portanto se prende ao campo semântico de rotina, costume e
repetição. Em rotina está presente a ideia do hábito de caminhar. Aliás, rotina
vem do francês “routine”, que significa propriamente hábito do caminho (route),
como nos ensina A. Nascentes.
Então,
ESCRITA, sob este aspecto, isto é, como linguagem figurada, surgiu
metaforicamente, significando uma forma de crédito numa operação comercial dos
pequenos armazéns de antanho. Possivelmente, essa metáfora se estendeu para
outras linguagens especiais, mas é na linguagem especial do futebol que é usada
ainda hoje, como exemplifica o filólogo Antônio Houaiss. Também, no Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, vamos encontrar o mesmo registro, com
um exemplo bem mais significativo, pois cita a fonte do emprego da linguagem
figurada que envolve o termo ESCRITA, situado no campo semântico de ROTINA.
Assim: “O América conseguiu sua primeira vitória na Taça de Ouro ao derrotar o
Bahia por 2 a 0, ontem à noite, na Fonte Nova, confirmando a escrita de que
dificilmente perde seus jogos na Bahia” (Jornal do Brasil, 14.2.1985).
Ultimamente,
estamos observando que muitos comentaristas de futebol, como também locutores,
repórteres e demais profissionais ligados aos esportes de massa, eletrônicos ou
não, estão relacionando o termo ESCRITA com o termo TABU, atribuindo a este os
significados daquele, numa espécie de expansão de conceitos. Aliás, a EXPANSÃO
é um fenômeno linguístico comum e que acontece com alguns termos da linguagem
especial do futebol, cujo bom exemplo seria o verbo PENDURAR, que passou também
a significar APOSENTAR-SE, na expressão PENDURAR AS CHUTEIRAS. Isso ocorre por
similitude das ações, pois quem PENDURA a sua ferramenta de trabalho num prego,
em uma parede, está querendo dizer que deixa o trabalho, definitivamente, para
se aposentar. O ex-presidente Jânio Quadros pendurou um par de chuteiras no
lado externo da porta de seu gabinete de trabalho, quando resolveu não mais se
candidatar a nenhum cargo político eletivo. A pressão social do futebol,
invadindo a vida social, foi enorme, pois o político se utilizou de um símbolo
do futebol, que, semiologicamente, traduziu sua intensão de abandonar a vida
política, aposentando-se. Uma metáfora plástica e semiológica, portanto. E,
talvez, muito mais. APOSENTA-SE, para viver de outras fontes de renda. Ainda, o
verbo PENDURAE, na expressão “estar pendurado” também pode significar estar
endividado, estar devendo, surgindo essa ideia, por uma comparação ao que
acontece com a materialização da dívida (o papel, a promissória, o papagaio)
ficar, na casa ou na loja do credor, espetada num prego, na parede, como
acontecia, por exemplo, no antigo comércio de secos e molhados de antigamente.
Por metonímia, surge o termo PREGO para representar a dívida, ou o penhor, em
expressões muito usadas e ouvidas: “estou no prego”; “botei a joia no prego”.
Mas entre ESCRITA e TABU não é tão evidente a
similitude, isto é, não ocorre uma perfeita equivalência de sentido, a não ser
que o conceito de TABU esteja, coletivamente, tomando outro significado, num
determinado segmento sociocultural específico, de forma equivocada. Isso também
pode acontecer e é um fenômeno linguístico possível de ser explicado, como
acontece, por exemplo, com o termo PINGUE, onde seus constituintes fônicos
parecem quebrar a arbitrariedade do signo linguístico, dando a falsa impressão
de se tratar de alguma coisa que significa POUCO, quando, na realidade
etimológica (Lat. Pingue, is), PINGUE significa MUITO, ABUNDANTE, GORDO,
NUTRIDO.
Já o termo
TABU vem do polinésio tabu, que significa sagrado, invulnerável. "TA"
significa marcado e “BU” é uma partícula intensiva. Talvez esteja aí a ligação
semântica, através do processo conhecido como etimologia popular (aqui não
fonética), pois é forte o sema contido em ESCRITA, relacionado a MARCADO,
ANOTADO, ROTINEIRAMENTE ANOTADO, ROTINEIRAMENTE ESCRITO, ROTINEIRAMENTE
MARCADO. Mas isso é uma especulação etimológica, uma hipótese diacrônica, num
estudo superficial que pode até estar correto, mas é duvidoso e especulativo.
Contudo, a nosso juízo crítico e aprofundado, não existe essa ilação e o que
ocorre mesmo é que está se dando um novo significado ao significante antigo
TABU, quer por desconhecimento dos sentidos primeiros do termo polinésio ou por
se querer encontrar no invulnerável, no sagrado de tabu, uma relação qualquer
com ROTINA. Não vejo como conciliar isso. A não ser que, através de um tremendo
esforço semântico, se imprimisse ao sintagma QUEBRAR UM TABU, o sentido de
QUEBRAR UMA ESCRITA e, nesse caso, o termo TABU perderia totalmente o seu
significado primeiro. Isso, contudo, poderia ocorrer e não seria nenhuma
surpresa, pois é muito difícil, como já dizia Freud (Totem e Tabu, Standard,
1996) encontrar uma tradução final para o TABU polinésio, pois não se possui
mais o primitivo conceito que conotava e o definia como um termo que possuía
dois sentidos contraditórios: o sagrado e o proibido. Observem os exemplos
abaixo. Lá não se encontram os sentidos de sagrado nem de proibido:
a) "O
Brasil nunca foi campeão olímpico. Vamos quebrar esse Tabu Essa Escrita , em
2014”; (Agora já o é)
b) “Veja
esse Tabu (Essa Escrita) futebolístico(a). O Brasil sempre perde nas
Olimpíadas”; (agora já venceu)
c) “O Brasil possui o título de campeão
olímpico. Isso é um Tabu (Uma Escrita) a ser quebrado(a)”. (Agora já o tem)
Portanto,
não concordamos com a criação de novos significados
para TABU, deixando essa palavra que era conhecida entre os antigos romanos
como “sacer”, entre os gregos como “äyos” e entre os hebreus como “kadesh”,
todas com o sentido aproximado do termo polinésio. TABU será, portanto, tanto
sagrado, consagrado, como misterioso, perigoso, proibido, impuro. Mas, nunca
ROTINA, e muito menos ESCRITA. Mas tudo
pode mudar...
ATÉ A
PRÓXIMA
Um comentário:
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