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19 de julho de 2015

UM PALIMPSESTO MODERNO







Muitos dos meus amigos professores que trabalhavam no Ensino Médio Oficial do Estado do Rio de Janeiro e em colégios particulares já não mais estão entre nós. Muita saudade! Mas, também, muita admiração pelo trabalho abnegado desses meus colegas de profissão, que com denodo e sabedoria largavam o couro no elevado tablado das salas de aula, com baixíssimas remunerações. Mas compensava o sacrifício. É verdade, sempre foi assim, mas a minha geração sacudiu o ensino Médio das décadas de 70 e 80.
E como se produzia! Estávamos constantemente nos aperfeiçoando em seminários, congressos, simpósios nas universidades públicas, como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade da UFRJ e a do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ, ali, colada ao Maracanã, erguida na antiga Favela do Esqueleto. Não havia, ou melhor, os Cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado eram incipientes, engatinhavam ou não tinham saído do papel. O máximo, mesmo, eram os Congressos de Língua e Literatura, tanto os da UFRJ como os da UERJ. Estive presente em muitos, lá na Avenida Chile, na Faculdade de Letras da UFRJ e na UERJ, no 11º andar, no Instituto de Letras.
A grande deficiência dos alunos, nas aulas de Português, estava na interpretação dos textos. Creio que ainda hoje muita gente não entende ainda o que lê. Mas a culpa sempre caía sobre os professores. Lembro-me muito bem de três amigos professores, ou professores amigos – e aqui a dialética machadiana é importantíssima, pois desaparece a dicotomia  – que se batiam incessantemente contra a falta de compreensão dos alunos para com os textos que eram lidos em sala de aula e que constavam das provas finais de cada ano. Um horror!
Então, Antônio Jesus da Silva, José Ricardo da Silva Rosa e Roberto Augusto Soares Leite resolveram atacar o problema de frente e de verdade. Nunca, em suas aulas, deixavam de desenvolver os conteúdos programáticos, sem um texto da literatura brasileira, bem conhecido de todos, para motivar e testar o entendimento do que se lia e do que, gramaticalmente, se desenvolvia e se explanava. Muitas vezes traziam mimeografadas as letras das músicas de maior sucesso, tocadas no rádio e aplaudida pela juventude nos programas de televisão. Suas aulas foram se transformando e eles conseguiram, em pouco tempo, laçar, pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo, uma coleção memorável, que muitos alunos daquela época usaram nas aulas. Muitos professores, no início de suas carreiras, adotaram os três volumes do “Português Interpretação” de Jesus, Ricardo e Roberto. Pois é! Tive até um poema de meu livro, Morro Que Morre, trabalhado no Segundo Volume: Escola de Samba. Eu sabia que muitas gerações pelo Brasil a fora estudara a língua pátria nesses livros sensacionais de meus amigos, mas hoje me emocionei, quando neste sábado ensolarado de inverno, petiscando no Mercado Municipal de Itajaí, Santa Catarina, vi, estendido num sebo ao ar livre, placidamente irradiando um enclausurado  conhecimento de linguística textual, aquele livro amarelecido, um dos três volumes do famoso e inesquecível “Português Interpretação”. Comprei-o.
Folheando-o, antes do Texto Nº 1, Cena Carioca, de Carlos Drummond de Andrade, na página 6, percebi nomes apagados e, sobre eles, ainda, possivelmente,  de quem o usou pela última vez: Suely Cruz e Maria Eunice Nonato. Talvez, duas jovens estudantes ginasianas, que escreveram seus nomes nas páginas mágicas de um livrinho tão incrível como os palimpsestos históricos, que continuam até os dias atuais irradiando conhecimento e emoção. 

ATÉ A PRÓXIMA



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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.