ATÉ A PRÓXIMA
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31 de outubro de 2018
COMO UMA PESQUISA ARQUEOLÓGICA, MAS LITERÁRIA TAMBÉM
17 de outubro de 2018
A SOLIDÃO
Somos
todos indivíduos que só existimos porque nossas vidas dependem de companhias.
Não se pode entender o homem isolado em sua amedrontadora solidão. Somos
sociais. Dependemos do outro. Só por ficção e na ficção, o homem vive isolado.
Reflexões
sociológicas, antropológicas, psicológicas, psicanalíticas à parte,
contrariando todos os textos teóricos de Marx, Durkheim, Weber, Claude
Lévi-Strauss, Freud e Lacan, por mais que o meio em que vivo esteja repleto das
mais instigantes e significativas figuras, que pretensamente interagem comigo,
sinto-me, muitas vezes solitário.
A
solidão é amedrontadora, mas sei conviver com ela. Ela, muitas vezes me inspira
e me faz pensar que sou mais forte do que realmente o outro pensa que não sou.
Ficar livre da mesquinhez do meu vizinho não é uma boa? Não ser prejulgado por
cabecinhas ridículas e presunçosas não é uma dádiva? Para me aliviar das
confusões mentais que embaralham as muitas reflexões que faço, quando pretendo
criar um texto mais requintado, escrever um poema, ou simplesmente fazer um rol
das necessidades comezinhas para as compras do supermercado, refugio-me sempre
no minúsculo e ridículo quartinho de leitura de meu reflexivo apartamento. Lá
produzo com satisfação, sozinho, boca calada e pensamento falante. É a solidão
produtiva e benfazeja.
Mas a
vida exige multiplicidades de atitudes e clama por muitos outros tipos de
alegria e êxtase. Realmente não somos uma ilha. Temos um compromisso atávico
com a multiplicidade de acontecimentos que nos fazem pessoas sociais. Pessoas
comprometidas com, também, todos os sentimentos, os mais variados possíveis,
inerentes ao ser humano, que interage para ser, e reage à solidão. Então também
aprendi a afastar esse tormento que nos isola e que nos aprisiona. Aprendi a
viver nessa dualidade barroca, gostosa, que projeta a alegria de viver em grupo
e recrimina o pluralismo, restringindo a aglomeração, tudo, muitas vezes,
talvez, por pura incompreensão dos fatos ou por se estar limitado a adquirir
repertórios mais sofisticados.
Mas a
vida é assim mesmo, misteriosa e incrivelmente criadora de situações
dicotômicas. Saber conviver com esse burburinho especial que alucina, porque
encanta (a alegria encanta, mesmo), mas que, também, deprime e mata (a solidão
é um terrível assassino), é para poucos. Esses mistérios não foram explicados
nas escolas regulares por onde todos nós passamos, quando estudamos os
mercantilismos; os socialismos; os positivismos; os estruturalismos; os
revisionismos e todos os demais ISMOS possíveis e imaginários de nossa
alucinada cultura clássica, enquanto ciência. Esses mistérios pertencem à
escola da vida. Pertencem a outro sistema simbólico.
Um
dia, visitando a românica ou muito mais antiga Catedral da Sé, em Braga,
perguntei ao solitário guia como os corpos de dois bispos do século XVII, lá
enterrados, estavam ainda intactos. Aquele estranho funcionário, de aparência
frágil, com rugas profundas em seu rosto macilento e triste, que morava sem
família num pequeno cômodo, anexo à catedral, depois de duas horas rodopiando
por púlpitos e pedras, repetindo mecanicamente todas aquelas estórias escritas
nas etiquetas coladas às vitrines dos suntuosos monumentos do interior do
sagrado templo bracarense, respondeu-me que aqueles corpos intactos por mais de
duzentos anos representavam um mistério de Deus. E transformando-se, alegre e feliz,
quase que gritava: “Mistérios de Deus. Mistérios de Deus! ”
ATÉ A PRÓXIMA
4 de outubro de 2018
UMA FORMA GENÉRICA DE VERBO
A 35ª Oktoberfest começou ontem, mas
a chuva impediu a realização do desfile que abre as festividades dessa que é a
maior festa da cerveja fora da Alemanha. Ela é realizada, aqui, em Blumenau, no
início do mês de outubro, do dia 3 ao dia 21.
O plano B dos organizadores foi
executado dentro dos vastos salões do Parque Vila Germânica. Lá estavam os
principais meios de comunicação do Vale do Itajaí e uma repórter da NST,
afiliada da Rede Globo, em Santa Catarina, depois do desfile interno terminar, mas
ainda durante a festança animada, que iria varar a madrugada, perguntou a um
jovem como ele estava se sentindo. O rapaz entrevistado, de boa aparência,
fantasiado de “Fritz”, muito alegre e sorridente, respondeu:
- A gente foi “surpreso” pela chuva.
Realmente, no horário do desfile de
abertura, lá pelas 17 horas, caiu um aguaceiro danado na cidade de Blumenau. Ninguém
esperava por isso, mesmo com algumas nuvens negras ainda no céu, depois mesmo
de alguns pinguinhos sem nenhuma pretensão.... Até um solzinho pálido havia
saído lá pelo meio da tarde, dando muita confiança aos patrocinadores de que
mais um belo desfile alegórico, tradicional na abertura dessa festividade, iria
acontecer. O povo esperava assistir a ele com muita sede e disposição para
entornar cerveja de graça, goela abaixo. Mas não foi isso o que aconteceu. Caiu
chuva para desanimar. Mas o plano B solucionou o problema e o desfile foi
transferido para dentro daqueles enormes salões. Lá, com a festa bombando, a
repórter fez a redundante pergunta ao nosso “Fritz” e obteve a tal esquisitíssima
resposta. É claro que todos os telespectadores entenderam o que foi dito pelo
rapaz, que não falou em alemão, não. Respondeu em nossa língua, mesmo. Ele quis
dizer que todos que estavam esperando pelo desfile foram surpreendidos pela
chuva intensa, que desabou naquela hora. Mas por que o rapaz disse “surpreso”,
em vez de surpreendido?
Bem, ainda tem uma coisinha antes de tentar
explicar isso. Ele usou o termo A GENTE, uma expressão composta por duas palavras
(a – gente), uma espécie de pronome pessoal, correspondente a “nós”, mas que se
refere à 3ª pessoa do discurso. Então, esse pronome pessoal A GENTE leva o
verbo para a 3ª pessoa, no caso, singular. Assim: A gente foi “surpreso”.......
E ainda se incluiu na concordância, pois disse “foi surpreso”, usando a forma no
masculino, utilizando-se, ainda, da voz passiva... Agora vamos para o
“surpreso”.
Nós pensamos rápido. As palavras que
vão vestir nossos pensamentos, materializando-os com bonitas letras e seus sutis
acentos, já estão prontinhas para entrar em cena. O Rapaz, ao responder à
repórter da Globo regional, já tinha pensado na chuvarada que atrapalhou o
desfile e nada foi mostrado ao público, como as formidáveis máquinas de servir Chopp, muito
criativas e engraçadas, que a cada ano aparecem modificadas e mais engraçadas.... Mas o rapaz tinha de colocar, também, as famigeradas palavras,
para dizer que ninguém esperava pelo temporal que desabou. Aí é que a porca
torceu o rabo. O cara sabia que a chuva
pegou todo mundo de surpresa. Sabia que todo mundo ficou triste com o fato de a
chuva ter prejudicado o desfile. Sabia, também, que foi uma surpresa geral para
todos.... Mas cadê as palavras? As danadas não saiam.... Onde elas estariam? A
surpresa é que dominava o pensamento do rapaz. O negócio foi a surpresa! Foi
uma grande surpresa essa chuva danada! Eu fiquei surpreso, pensou lá no fundo de sua cabeça, já
encharcada com as mais saborosas cervejas artesanais! É isso mesmo! Todos
ficaram surpresos. Mas eu sei que existe o verbo SURPREENDER, pensava o rapaz
vestido de alemão Fritz, já meio bêbado! Eu sei que o verbo é esse. Mas minha cabeça
não está funcionando bem! Como eu coloco esse verbo aí nessa minha frase? Meu
Deus! Socooooorrro! No entanto, naquela confusão mental, a palavra mais
significativa que representou tudo aquilo foi SURPRESA, sem dúvida alguma.
Então, simplesmente, ela se adaptou à forma verbal do verbo SURPREENDER. Não
saiu o FUI SURPREENDIDO, mas saiu o seu genérico: “fui surpreso”. Afinal, não
existem as formas PRESO ou PRENDIDO, de PRENDER e também SUSPENSO ou
SUSPENDIDO, de SUSPENDER? Por que não pode existir e ser usada a forma “surpreso”,
que me veio claramente à cabeça? Claro! Vou emprega-la. É ela mesma! E o rapaz,
vestido de “Fritz”, meio bêbado e bem-apessoado, soltou essa “pérola linguística“,
com um sorriso repleto do melhor lúpulo e da mais recatada e distinta cevada: -
A gente foi “surpreso” pela chuva.
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Quem sou eu
- Professor Feijó
- Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
- Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.