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4 de outubro de 2018

UMA FORMA GENÉRICA DE VERBO



A 35ª Oktoberfest começou ontem, mas a chuva impediu a realização do desfile que abre as festividades dessa que é a maior festa da cerveja fora da Alemanha. Ela é realizada, aqui, em Blumenau, no início do mês de outubro, do dia 3 ao dia 21.

O plano B dos organizadores foi executado dentro dos vastos salões do Parque Vila Germânica. Lá estavam os principais meios de comunicação do Vale do Itajaí e uma repórter da NST, afiliada da Rede Globo, em Santa Catarina, depois do desfile interno terminar, mas ainda durante a festança animada, que iria varar a madrugada, perguntou a um jovem como ele estava se sentindo. O rapaz entrevistado, de boa aparência, fantasiado de “Fritz”, muito alegre e sorridente, respondeu:

- A gente foi “surpreso” pela chuva.

Realmente, no horário do desfile de abertura, lá pelas 17 horas, caiu um aguaceiro danado na cidade de Blumenau. Ninguém esperava por isso, mesmo com algumas nuvens negras ainda no céu, depois mesmo de alguns pinguinhos sem nenhuma pretensão.... Até um solzinho pálido havia saído lá pelo meio da tarde, dando muita confiança aos patrocinadores de que mais um belo desfile alegórico, tradicional na abertura dessa festividade, iria acontecer. O povo esperava assistir a ele com muita sede e disposição para entornar cerveja de graça, goela abaixo. Mas não foi isso o que aconteceu. Caiu chuva para desanimar. Mas o plano B solucionou o problema e o desfile foi transferido para dentro daqueles enormes salões. Lá, com a festa bombando, a repórter fez a redundante pergunta ao nosso “Fritz” e obteve a tal esquisitíssima resposta. É claro que todos os telespectadores entenderam o que foi dito pelo rapaz, que não falou em alemão, não. Respondeu em nossa língua, mesmo. Ele quis dizer que todos que estavam esperando pelo desfile foram surpreendidos pela chuva intensa, que desabou naquela hora. Mas por que o rapaz disse “surpreso”, em vez de surpreendido?

Bem, ainda tem uma coisinha antes de tentar explicar isso. Ele usou o termo A GENTE, uma expressão composta por duas palavras (a – gente), uma espécie de pronome pessoal, correspondente a “nós”, mas que se refere à 3ª pessoa do discurso. Então, esse pronome pessoal A GENTE leva o verbo para a 3ª pessoa, no caso, singular. Assim: A gente foi “surpreso”....... E ainda se incluiu na concordância, pois disse “foi surpreso”, usando a forma no masculino, utilizando-se, ainda, da voz passiva... Agora vamos para o “surpreso”.

Nós pensamos rápido. As palavras que vão vestir nossos pensamentos, materializando-os com bonitas letras e seus sutis acentos, já estão prontinhas para entrar em cena. O Rapaz, ao responder à repórter da Globo regional, já tinha pensado na chuvarada que atrapalhou o desfile e nada foi mostrado ao público, como as formidáveis máquinas de servir Chopp, muito criativas e engraçadas, que a cada ano aparecem modificadas e mais engraçadas.... Mas o rapaz tinha de colocar, também, as famigeradas palavras, para dizer que ninguém esperava pelo temporal que desabou. Aí é que a porca torceu o rabo.  O cara sabia que a chuva pegou todo mundo de surpresa. Sabia que todo mundo ficou triste com o fato de a chuva ter prejudicado o desfile. Sabia, também, que foi uma surpresa geral para todos.... Mas cadê as palavras? As danadas não saiam.... Onde elas estariam? A surpresa é que dominava o pensamento do rapaz. O negócio foi a surpresa! Foi uma grande surpresa essa chuva danada! Eu fiquei surpreso, pensou lá no fundo de sua cabeça, já encharcada com as mais saborosas cervejas artesanais! É isso mesmo! Todos ficaram surpresos. Mas eu sei que existe o verbo SURPREENDER, pensava o rapaz vestido de alemão Fritz, já meio bêbado! Eu sei que o verbo é esse. Mas minha cabeça não está funcionando bem! Como eu coloco esse verbo aí nessa minha frase? Meu Deus! Socooooorrro! No entanto, naquela confusão mental, a palavra mais significativa que representou tudo aquilo foi SURPRESA, sem dúvida alguma. Então, simplesmente, ela se adaptou à forma verbal do verbo SURPREENDER. Não saiu o FUI SURPREENDIDO, mas saiu o seu genérico: “fui surpreso”. Afinal, não existem as formas PRESO ou PRENDIDO, de PRENDER e também SUSPENSO ou SUSPENDIDO, de SUSPENDER? Por que não pode existir e ser usada a forma “surpreso”, que me veio claramente à cabeça? Claro! Vou emprega-la. É ela mesma! E o rapaz, vestido de “Fritz”, meio bêbado e bem-apessoado, soltou essa “pérola linguística“, com um sorriso repleto do melhor lúpulo e da mais recatada e distinta cevada: - A gente foi “surpreso” pela chuva.

 ATÉ A PRÓXIMA


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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.