Cada povo tem uma lógica diferente no que diz respeito ao seu relacionamento com a realidade circundante. Os povos primitivos têm uma lógica diferente, sob este aspecto, muito distante da lógica exercida pelo pensamento do homem europeu, colonizador das Américas, por exemplo. Assim, o grupo étnico tupi se comportava de maneira diferente do europeu conquistador, dominador e de uma cultura, erroneamente dita superior. Superior só poderia ser entendido como acúmulo de experiências específicas. O resultado desse relacionamento histórico se expressou através das línguas em confronto, o tupi e o português. É sempre bom lembrar que o povo esquimó tem mais de uma centena de termos para expressar o conceito de neve, pois vive envolto em um mundo branco de gelo. O índio brasileiro vivia, do mesmo jeito, envolvido por um mundo verde de matas cobrindo vales e montanhas. Seu modo de interpretar essa realidade, isto é, a lógica lingüística que usava para nomear as coisas desse mundo era uma das características toponímicas que marcavam os nomes das paragens por onde vivia e por onde passava em sua trajetória nômade, atravessando os verdejantes vales e as densas matas das terras de Ibirapitanga. Os dois povos, colonizados e colonizadores, num determinado momento de co-existência, nem sempre pacífica, se comunicavam com os códigos lingüísticos das duas línguas, o que vale dizer que o Brasil foi, num dado período de sua história, bilíngüe. Pelo menos a classe dominante, que comercializava e se relacionava com os povos indígenas entendia e se expressava também em tupi. Isso significa que termos da língua ágrafa tupi passaram para o português, num processo lingüístico conhecido como substrato. Mas é sempre importante lembrar que muitos topônimos com raízes tupis formaram vocábulos locativos, dados pelo homem branco, sem aquele entendimento especial que o índio tinha do espaço geográfico circundante. Comentei um desses casos no Congresso Internacional Comemorativo dos 500 do Descobrimento do Brasil, em 2000, na Universidade do Estado do Rio de janeiro (UERJ), a respeito do topônimo Ibicuí, distrito do município fluminense de Mangaratiba, ao sul do Estado. Com essa compreensão etnolinguística, Lino João Dell’ Antonio apresenta seu livro NOMES INDÍGENAS DOS MUNICÍPIOS CATARINENSES – significado e origem – , editado pela Odorizzi Editora, Blumenau, 2009. O livro apresenta uma interessante abordagem sobre a etimologia de muitos nomes indígenas que entram na composição da nomenclatura de vários municípios catarinenses. A novidade é o enfoque antropolinguístico, reconstituindo origens, muitas dadas como definitivas. Aliás, em etimologia, nada é rigorosamente definitivo, principalmente tratando-se de étimos presos a línguas ágrafas, como é o caso do tupi. A cosmovisão do índio brasileiro é totalmente diferente da do homem branco, haja vista as inúmeras lendas sobre a criação do mundo e muitos mitos sobre incríveis seres que povoam o imaginário de nossos silvícolas. Partindo, portanto, de pesquisas de campo e com um abalizado foco antropológico, tudo aliado a uma segura abordagem lingüística do problema, Lino João Dell’ Antonio apresenta um trabalho sério, científico, com metodologia apropriada à sua pesquisa e mostra, inclusive, inúmeros casos de corruptelas linguísticas, casos interessantíssimos relacionados com uma ultra-correção antropo-etinológica com implicação direta na formação dos vocábulos toponímicos. Pode-se dizer, sem dúvida alguma, que se trata de importante hipótese, destruidora de inúmeras etimologias populares, mostrando que a ultra-correção pode ser, além de lingüística, também e sobretudo, nesses casos, antropológica. Desta forma, temos um exemplo nas mãos de como se trabalha seriamente com as ferramentas que a Lingüística oferece ao estudioso culto e preparado. Esse livro é uma significativa pesquisa aplicada às línguas de nossos habitantes pré-cabralinos, escrita e publicada fora do eixo cultural Rio-São Paulo. Vamos ler e conferir.
ATÉ A PRÓXIMA
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