A culinária já foi tema de minhas crônicas no PROGRESSO DA FOZ, jornal no qual colaboro há muitos anos e é dirigido pelo competente jornalista, Joaquim Pinto da Silva. Ultimamente percebi que muitos amigos meus estão se transformando em gastrônomos amadores, pois nas festinhas, que sempre acontecem lá pelas bandas de Canto Grande, praia de Santa Catarina, o assunto é só comilança. Então, resolvi voltar a falar sobre esse tema que está na moda. Nos bate-papos da última reunião de amigos, mostrei aos interessados nas comidas exóticas ou tradicionais que os cuidados com as receitas de iguarias já existiam em Portugal, pelo menos, desde o século XV. Todos ficaram interessados no assunto. É mesmo fascinante. Como sabemos, a nacionalidade portuguesa, fundada por D. Afonso Henriques, data do século XII. Logo, o que estou mostrando aos amigos, apreciadores da boa e farta mesa, foi escrito 300 anos depois da fundação do Condado Portocalense, que se notificou por suas suas gloriosas histórias de lágrimas, amor e sangue. Portanto, esse documento histórico tem 6 séculos. Seiscentos anos.
Vejam. Estou apresentando um trecho de uma receita portuguesa do século XV. A impressão inicial é de total confusão. Letras amontoadas, brigando umas com as outras. Não dá para se entender quase nada, mas especialistas em ecdótica, como o Pe. Augusto Magne e A. G. Cunha, entre tantos outros doutos filólogos brasileiros apresentaram-nos leituras diplomáticas e modernas desse e de muitos outros pergaminhos medievais, num trabalho minucioso de crítica textual. Este aqui chegou até nós e mostra a vida de então pulsando nas cozinhas dos castelos, dos mosteiros, das vilas, das casas simples dos campos e das fazendas e em muitos sítios daquela época quinhentista, fazendo-nos refletir sobre os momentos de reqinte, mas também de aflição e angústia, talvez diante de tempos de escassez, vividos por aquela gente igual a nós, com os mesmos anseios, tentando encontrar na cozinha a satisfação da degustação como supremo encantamento de vida. Pode-se acreditar que procuravam a todo instante, entre temperos, caldos, pastas e água fervente, articular o pensamento reflexivo, porque, segundo afirma Claude Lévi-Strauss, em seu livro Le cru et le cuit, o homem não cozinha para comer e sim para pensar...
Este pedaço de manuscrito é fantástico porque guarda interessante material filológico, como os termos "albarada" e "sartãa" ou "sertãa", que equivalem hoje a saco-de-confeitar (aqueles com bicos para decorar bolos) e frigideira, respectivamente. Mostra, ainda, a vida girando em torno do forno e do fogão, chegando até nós, através de desenhos que mais parecem rabiscos em caracteres arábicos ou garranchos feitos por iniciantes na alfabetização. Trata-se de um texto medieval, retirado da obra, editada pelo Instituto Nacional do Livro, do MEC, em 1963, intitulada UM TRATADO DA COZINHA PORTUGUESA DO SÉCULO XV, cuja edição foi preparada pelo professor Antônio Gomes Filho. Bem, agora pergunto. Descobriram qual é a receita que o título indica?
Acertou quem disse
PASTÉIS DE CARNE.
Parabéns para quem acertou, mas eu vou correndo para um barzinho, à beira mar, aproveitar a sugestão e degustar essa iguaria de mais de quinhentos anos, com um chopinho estupidamente gelado, porque ninguém é de ferro!
Até a próxima.
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