Num dia frio de chuva irritante, arrumando umas caixas e tirando a poeira de umas fotografias antigas, comecei a sentir saudade. É isso mesmo! Gosto do pretérito. Sempre tive uma profunda vontade de viajar no tempo, principalmente para o passado. Aquelas fotos - agora quase todas são digitais - ainda estavam em bom estado, pois o papel fotográfico era de primeira qualidade. Que emoção! Estava em Lisboa e passeava todos os dias por seus arredores, procurando tudo que pudesse me extasiar. Verdadeiramente consegui! Naquele papel brilhoso, de tamanho 10 x 15, identifiquei um mosteiro santo de doces lembranças. Eram quitutes para ninguém botar defeito. Uma delícia! Estava em Odivelas, envolvido por sua história e por seu rei-poeta, o impulsionador do progresso, que erguendo mosteiros e igrejas, atraiu muitos monarcas, príncipes e artistas para a região. Andava pelos dolmens das Pedras Grandes e por terrenos das fabulosas batalhas ali travadas entre fortes e nobres combatentes. Pisava em pedras de templos romanos, onde um dia o povo que ali viveu respirou a beleza do mármore, cantou ao som da lira e a brisa temperada do verão amenizou, como de costume, os trabalhos do campo. Recordando esse passado de feitos petrificados nos livros escolares, lembrei-me de que foi no Paço de Odivelas, em 1415, que Dona Filipa de Lancastre, no leito de morte, abençoou seus filhos D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, que partiram com Deus e a cavalo, em direção ao Restelo, onde embarcaram para Ceuta. Então, percebi outra coisa interessantíssima. Uma espécie de superstição, vinculada ao nome Isabel, que me acompanha, há alguns anos, envolvendo-me numa atmosfera de relaxamento e alegria. Esse nome de mulher chegou à língua portuguesa, lá pelo século XIII, do espanhol, Isabel, vindo pelo francês Isabelle, sendo as formas mais antigas Ysabel e Isabeau. Posso até dizer que esse nome me perseguiu e me deu sorte. No Rio de Janeiro, morei, por mais de vinte e oito anos, no bairro boêmio de Vila Isabel. Lá, vivi muito feliz e fiz inúmeras amizades. Tenho uma neta que se chama Maria Isabel, linda e muito inteligente. Ela sempre vem passar conosco as férias escolares, por estas bandas do sul do país, onde vivo agora, alegrando nossa casa com sua ativa presença, reconfortando-nos de quaisquer aborrecimentos ocorridos nessas plagas de cultura estranha e interiorana. Sua presença faz cessar esses incômodos, que passam logo e desaparecem completamente com a tagarelice de sua vozinha fina e sorridente. O nome próprio Isabel ocorre em minha família, atualmente, em mais de cinco pessoas e deixou seu registro em muitos parentes próximos, lá nas folhas amareladas dos cartórios de algumas cidades do interior longínquo. Esse nome da princesa brasileira, a Redentora, filha de D. Pedro II, é, também, o nome de uma santa, rainha de Portugal, de origem aragonesa, nascida em Saragoça, no século XIII, em 1271, filha do rei Pedro II de Aragão e Constança da Sicília. Santa Isabel casou-se aos 17 anos, por procuração, com Dom Dinis, rei de Portugal, homem de muita cultura e um dos maiores representantes da poesia trovadoresca, de visão ampla, mas de vida um tanto quanto desregrada. A bondade e a piedade de Isabel contrastavam com a avidez por prazeres e com as inúmeras incursões extraconjugais do rei. Segundo a lenda, conta-se que sabendo a Rainha que o marido ia constantemente visitar as damas de um determinado sítio, em vez de recriminá-lo, dizia, angelicalmente: “Ide vê-las, senhor.” Daí, por corruptela popular, teria nascido o nome da cidade de Odivelas. Essa etimologia é muito mais bela do que dizem os filólogos. Eles só estão interessados em vogais átonas, consoantes mudas, mutações vocálicas no árabe e muitas outras coisas sem nenhuma graça e poesia. Então, Odivelas e Isabel, dois nomes próprios de instigantes significados para mim, me vêm à mente, trazendo lembranças de doces e mimos familiares. Os famosos doces, produzidos nos mosteiros e conventos dessa cidade portuguesa, sempre foram mantidos em segredo durante muito tempo, mas não resistiram aos cochichos das cozinheiras e as receitas vazaram, chegando ao conhecimento do grande público. Assim, esses segredos se transformaram em clássicos da doçaria sazonal, como o arroz-doce, o pão-de-ló, a aletria e tantos outros. Seguindo a tradição deixada, por exemplo, pelo Mosteiro de S. Dinis, ocupado pelas monjas até ao século XIX, Odivelas orgulha-se da sua doçaria conventual e do fabrico de especialidades, como a marmelada e o doce de abóbora. Já o nome de mulher Isabel ficou ainda mais vibrante em meu coração, depois da sessão de nostalgia e história, motivada pelas fotos que eu tirei, há muito tempo, em Odivelas, situada na área da Grande Lisboa e que está, indelevelmente ligada ao nome Isabel, de que minha família tanto gosta, e, também, relacionado à vida da santa portuguesa de Aragão, a rainha da paz, morta no dia 4 de julho de 1336.
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6 de julho de 2007
UM NOME DE MULHER
Num dia frio de chuva irritante, arrumando umas caixas e tirando a poeira de umas fotografias antigas, comecei a sentir saudade. É isso mesmo! Gosto do pretérito. Sempre tive uma profunda vontade de viajar no tempo, principalmente para o passado. Aquelas fotos - agora quase todas são digitais - ainda estavam em bom estado, pois o papel fotográfico era de primeira qualidade. Que emoção! Estava em Lisboa e passeava todos os dias por seus arredores, procurando tudo que pudesse me extasiar. Verdadeiramente consegui! Naquele papel brilhoso, de tamanho 10 x 15, identifiquei um mosteiro santo de doces lembranças. Eram quitutes para ninguém botar defeito. Uma delícia! Estava em Odivelas, envolvido por sua história e por seu rei-poeta, o impulsionador do progresso, que erguendo mosteiros e igrejas, atraiu muitos monarcas, príncipes e artistas para a região. Andava pelos dolmens das Pedras Grandes e por terrenos das fabulosas batalhas ali travadas entre fortes e nobres combatentes. Pisava em pedras de templos romanos, onde um dia o povo que ali viveu respirou a beleza do mármore, cantou ao som da lira e a brisa temperada do verão amenizou, como de costume, os trabalhos do campo. Recordando esse passado de feitos petrificados nos livros escolares, lembrei-me de que foi no Paço de Odivelas, em 1415, que Dona Filipa de Lancastre, no leito de morte, abençoou seus filhos D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, que partiram com Deus e a cavalo, em direção ao Restelo, onde embarcaram para Ceuta. Então, percebi outra coisa interessantíssima. Uma espécie de superstição, vinculada ao nome Isabel, que me acompanha, há alguns anos, envolvendo-me numa atmosfera de relaxamento e alegria. Esse nome de mulher chegou à língua portuguesa, lá pelo século XIII, do espanhol, Isabel, vindo pelo francês Isabelle, sendo as formas mais antigas Ysabel e Isabeau. Posso até dizer que esse nome me perseguiu e me deu sorte. No Rio de Janeiro, morei, por mais de vinte e oito anos, no bairro boêmio de Vila Isabel. Lá, vivi muito feliz e fiz inúmeras amizades. Tenho uma neta que se chama Maria Isabel, linda e muito inteligente. Ela sempre vem passar conosco as férias escolares, por estas bandas do sul do país, onde vivo agora, alegrando nossa casa com sua ativa presença, reconfortando-nos de quaisquer aborrecimentos ocorridos nessas plagas de cultura estranha e interiorana. Sua presença faz cessar esses incômodos, que passam logo e desaparecem completamente com a tagarelice de sua vozinha fina e sorridente. O nome próprio Isabel ocorre em minha família, atualmente, em mais de cinco pessoas e deixou seu registro em muitos parentes próximos, lá nas folhas amareladas dos cartórios de algumas cidades do interior longínquo. Esse nome da princesa brasileira, a Redentora, filha de D. Pedro II, é, também, o nome de uma santa, rainha de Portugal, de origem aragonesa, nascida em Saragoça, no século XIII, em 1271, filha do rei Pedro II de Aragão e Constança da Sicília. Santa Isabel casou-se aos 17 anos, por procuração, com Dom Dinis, rei de Portugal, homem de muita cultura e um dos maiores representantes da poesia trovadoresca, de visão ampla, mas de vida um tanto quanto desregrada. A bondade e a piedade de Isabel contrastavam com a avidez por prazeres e com as inúmeras incursões extraconjugais do rei. Segundo a lenda, conta-se que sabendo a Rainha que o marido ia constantemente visitar as damas de um determinado sítio, em vez de recriminá-lo, dizia, angelicalmente: “Ide vê-las, senhor.” Daí, por corruptela popular, teria nascido o nome da cidade de Odivelas. Essa etimologia é muito mais bela do que dizem os filólogos. Eles só estão interessados em vogais átonas, consoantes mudas, mutações vocálicas no árabe e muitas outras coisas sem nenhuma graça e poesia. Então, Odivelas e Isabel, dois nomes próprios de instigantes significados para mim, me vêm à mente, trazendo lembranças de doces e mimos familiares. Os famosos doces, produzidos nos mosteiros e conventos dessa cidade portuguesa, sempre foram mantidos em segredo durante muito tempo, mas não resistiram aos cochichos das cozinheiras e as receitas vazaram, chegando ao conhecimento do grande público. Assim, esses segredos se transformaram em clássicos da doçaria sazonal, como o arroz-doce, o pão-de-ló, a aletria e tantos outros. Seguindo a tradição deixada, por exemplo, pelo Mosteiro de S. Dinis, ocupado pelas monjas até ao século XIX, Odivelas orgulha-se da sua doçaria conventual e do fabrico de especialidades, como a marmelada e o doce de abóbora. Já o nome de mulher Isabel ficou ainda mais vibrante em meu coração, depois da sessão de nostalgia e história, motivada pelas fotos que eu tirei, há muito tempo, em Odivelas, situada na área da Grande Lisboa e que está, indelevelmente ligada ao nome Isabel, de que minha família tanto gosta, e, também, relacionado à vida da santa portuguesa de Aragão, a rainha da paz, morta no dia 4 de julho de 1336.
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Quem sou eu
- Professor Feijó
- Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
- Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.
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