O ritmo inspiratório e expiratório do
ato da respiração corresponde ao tempo da pronúncia de um verso de redondilha
maior, ou heptassílabo, na língua portuguesa. Por isso, existem versos de
rendondilha maior que são pronunciados nesse tempo subjetivo, muitas vezes, e
que não correspondem aos parâmetros dos pés poéticos de nossa língua. Sabemos
que em português há os seguintes pés métricos:
• troqueu
ou trocaico: ó – o (ca
– sa)
• jambo ou
jâmbico: o – ó
(can- tar)
• dáctilo
ou dactílico: ó – o – o (pá
– li – do)
• anapesto
ou anapéstico: o – o – ó
(per – ce – ber)
• péon
primo ou peão primeiro: ó – o – o – o (ví – a – mo – lo)
• péon
quarto ou peão quarto: o – o – o – ó (re –
vo – lu - ção)
Todos correspondem a vocábulos morfológicos ou a vocábulos
fonéticos. Vocábulos morfológicos são as palavras da língua, com mais de uma
sílaba. Ex. os substantivos, os adjetivos, os verbos, os
advérbios, algumas preposições, algumas conjunções, algumas
interjeições. Vocábulos fonéticos são vocábulos morfológicos que
aglomerados formam um tipo de pé métrico. Ex. Visconde de Abaeté.
Observe: 1- na
pronúncia, houve a queda da preposição DE. Esse fenômeno é uma haplologia sintática. 2- em seguida, houve, ainda na
pronúncia, a formação de um ditongo crescente intervocabular, formado pela
última sílaba de VISCONDE e a
primeira sílaba de ABAETÉ. /dya/.
É, também, importante salientar que
na língua portuguesa não há a possibilidade de existir mais de três sílabas
átonas seguidas, sem que uma se torne tônica. Portanto, não existe, em português,
o seguinte pé métrico: (- o – o – o – o -), isto é, sequência de três sílabas
átonas. Se houver, uma vai se tornar forte, tônica.
Assim, a pronúncia de Visconde de
Abaeté será viscondyabaeté,
formando dois pés métricos. Um jâmbico (o – ó), vis – com; e outro péon quarto
(o – o – o – ó), dya – ba – e – té.
Na métrica portuguesa os versos de
duas a doze sílabas têm nomes especiais, de acordo com o número de sílabas, mas
só apresentam cesura fixa rígida os versos decassílabos e alexandrinos, isto é,
os de dez e doze sílabas métricas, respectivamente, e alguns outros. Portanto,
os chamados versos menores não apresentam necessariamente cesura, isto é, não
precisam se enquadrar nos tipos dos pés métricos apresentados acima. Contudo,
os pés existem, pois foram adaptados à estrutura fônica da língua portuguesa,
que é de ritmo intensivo e não de ritmo quantitativo, como o grego e o latim. Joaquim Ribeiro dizia que o ritmo é tão
presente na língua falada que até os xingamentos são vociferados em redondilha
maior...
Isso posto, passemos a examinar, os versos da seguinte trova
de Antônio Juraci Siqueira:
Cinco litros entornava!
Nunca vi alguém beber tanto!...
E, quando alguém perguntava,
dizia que era "pro santo".
Trata-se de versos heptassílabos como
ocorre nas trovas, um tipo de poema de forma fixa, composto de quatro versos de
sete sílabas métricas cada um, com rimas no esquema ABAB.
O que tentaremos ressaltar nessa
análise é justamente um fenômeno fonético interessante, que ocorre em versos
menores, quanto ao número de sílabas métricas, justamente aqueles que não
apresentam cesura fixa. Ocorre que a pronúncia do verso desfaz a cesura que se
consubstanciou, não fora propositadamente estabelecida no verso. Isso ocorreu no segundo verso da trova. “Nunca vi alguém beber tanto”. Se
aplicarmos as cesuras, teremos: Um pé anapéstico: NUN – CA - VI (o – o – ó); um pé jâmbico: AL – GUÉM (o- ó);
outro pé jâmbico: BE – BER (o – ó); e um pé trocaico: TAN – TO (ó – o). Mas na
leitura, obtém-se sete sílabas métricas, desprezando-se os pés métricos, por
força do surgimento de um tritongo, fenômeno fonético intervocabular / vyaw /,
caso específico de sinalefa.
Concluindo, diríamos que o verso pode
ter sete ou oito sílabas métricas, bastando o leitor focar a leitura,
inconscientemente, nos pés métricos ou obedecer ao seu ouvido, buscando o ritmo
heptassílabo, vindo do primeiro verso, que possui, indiscutivelmente, sete
sílabas métricas, distribuídas pelos três vocábulos morfológicos: cinco,
litros, entornava: um numeral, um substantivo e um verbo, todos
vocábulos com plena significação semântica.
O terceiro verso da trova apresenta uma conjunção aditiva, que tem o
papel fônico de compor a estrutura rítmica, apresentando o quarto e último
verso uma sinalefa forçada, para compor, igualmente, o ritmo da redondilha
maior.
Esta trova, um tipo de quadra, é uma
peça humorística, onde a brincadeira compõe uma estrutura rítmica dentro dos
padrões da língua portuguesa. Portanto, vimos que qualquer texto poético,
estruturado ritmicamente, isto é, enquadrado dentro de parâmetros e regras de
confecção, pode servir de matéria prima para a microanálise estrutural de formas
e conteúdos. Trata-se de uma entre outras formas de poema fixo, que nos deu bom
exemplo de um tipo de humor: o humor como riso.
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