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29 de setembro de 2014

UM OVO DE 86 ANOS



“Urutu” é um óleo sobre tela, de  60  x  72 cm, pintado por Tarsila do Amaral em 1928, portanto, com 86 anos agora. Urutu é o nome de várias espécies de cobras da “família crotálidas”.
Vamos à composição desse belo quadro de nossa pintora modernista. O conteúdo pictórico apresenta-nos, em um único plano, um ovo branco dominante, a cobra-grande (urutu), cor de cobre, enroscada em um símbolo fálico vermelho e preto de cabeça para baixo. Fundo azul-chumbo e terra verde. Esta composição está comprometida tematicamente com o movimento antropofágico, mutação do movimento Pau-Brasil.
O movimento antropofágico, só para ficar bem registrado, teve como líder Oswald de Andrade, que o redigiu, assinou e o datou: ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. Reconheço que esse movimento fora estudado nas escolas de nível médio e aparece redigido em compêndios didáticos de Literatura Brasileira, para o grande público, como um movimento de características bem simplistas e factuais, não interpretadas à luz de suas verdadeiras pretensões, ditas sobre o que é manifesto e esquecidas quanto ao que é latente. Assim, entendemos a antropofagia oswaldiana como uma nova utopia. Oswald de Andrade recoloca o posicionamento freudiano na transformação do tabu em totem. Trata-se de uma revisão da ótica freudiana. O tabu, proibição, é desmitificado ao ser explicitada a sua representação. Totem seria a manifestação exterior de parentesco; animais, vegetais, fenômenos naturais etc. Relações teológicas e de parentesco. O totem estaria vinculado à estrutura matrilinear de parentesco e sua adoção visa evitar o incesto. O tabu seria o mistério, a proibição tácita, o sagrado, estabelecendo relações teológicas e de parentesco, vinculado à estrutura patrilinear de parentesco. Sua adoção, da mesma forma, visa evitar o incesto. Então, sob a ótica freudiana, o totem é substituído pelo tabu na evolução dos grupos tribais, para que a repressão seja simbólica, evidenciando e tornando sobredeterminado o nome do Pai. Isto, segundo Freud, construiu a nossa cultura, dita civilizada. O que fez Oswald de Andrade? Colocou Freud de cabeça para baixo. Sob a ótica de Oswald, o tabu fora substituído pelo totem. Assim, o matriarcado de Pindorama somou-se ao mito grego da plenitude da Idade de Ouro, para ser afastada a repressão simbólica, o nome do Pai, de nossa cultura, dita civilizada, onde tentou fazer a releitura da Escola pela Selva. Mas, como só a manifestação exterior, que é o totem, explicita o tabu, isso retira a interiorização da Lei, logo é uma utopia, porque o incesto é proibido tanto no totem, como no tabu. Portanto, é sob estas considerações que devemos analisar e interpretar o quadro “Urutu” de Tarsila do Amaral, não esquecendo que o movimento Pau-Brasil foi um grande impasse e o movimento antropofágico foi uma utopia. Seguindo:
Podemos dizer que este óleo sobre tela comportaria a seguinte legenda: A cobra-grande engole o Ovo de Colombo.
O símbolo nativo e seu totem fálico, representando a Selva, deglutindo a Escola, simbolizada pelo Ovo de Colombo, é o marco da dominação europeia. Neste discurso antropofágico, Tarsila do Amaral coloca-se sob a ótica oswaldiana, substituindo o tabu pelo totem, explicitando um ideal social de liberdade, característica do matriarcado de Pindorama (entenda-se Pindorama como o nome gentílico do Brasil). Se a manifestação exterior, o totem fálico, que o “Urutu” segura, explicita o tabu (mistério) imposto pela cultura europeia, a repressão simbólica da nova estrutura social estaria afastada, pois teria sido deglutida pela Selva, que impõe, agora, novos valores, liberando o desejo louco. Assim, os objetos básicos da gênese da vida estão simbolizados nessa concepção pictórica de Tarsila do Amaral, como diria Roberto Pontual, “onde o universal se particulariza e o popular se funde no erudito”.


ATÉ A PRÓXIMA

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.