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8 de junho de 2016

VERSO & PROSA





Li, há pouco tempo, algo que me fez refletir sobre os aedos gregos, suas músicas e seus poemas. Realmente, o que mais me impressionou foi o pancronismo contido no texto, pois poesia, filosofia e o material de trabalho de poetas e filósofos se misturavam, nos tempos dourados da Grécia antiga.

Em matéria literária, a imaginação sempre precede a reflexão. Assim sendo, o verso surge bem à frente da prosa, em todas as literaturas. Não poderia ser diferente com a mais antiga das civilizações, que legou ao ocidente, via Roma, as suas pujantes e significativas formas estéticas: a civilização grega. Entre o profícuo pulsar da poesia (em verso, pois retorna, enquanto a prosa continua) e o surgimento efetivo da prosa grega, há um período de aproximadamente trezentos anos. Se a poesia grega deu asas à imaginação ciclópica, a prosa dos gregos proporcionou, com exclusividade, o surgimento do pensamento filosófico e científico. Escrevi, certa vez, que o rádio moderno, em determinadas situações, exerce a função de oráculo, junto ao ouvinte crédulo, pelo discurso produzido à distância e em prosa, através de um narrador que transmite acontecimentos formidáveis. E é tão forte esta narrativa mágica que o ouvinte lhe dá total crédito, mesmo que, in presentia, seja testemunha ocular dos acontecimentos que se desenrolam à sua frente, pois a ansiedade de ouvir supera a obrigatoriedade de ver, isto porque a voz do outro, a do oráculo, é a expressão da suprema verdade, minimizando magicamente o entendimento do receptor, que se vê impossibilitado de maximizar sua capacidade reflexiva (Ver: A linguagem dos esportes de massa, Rio de Janeiro, UERJ/Tempo Brasileiro, 1994, p. 54). Com o passar do tempo, o oráculo grego deixou de dialogar em verso, obrigando os consulentes a se comunicarem em prosa. Portanto a linguagem da razão suplantou, pontualmente, a linguagem da emoção e assim seguiram os acontecimentos históricos. A prosa no lugar da poesia comandou, a partir deste momento, a comunicação interpessoal e também as múltiplas interpretações do mundo circundante, na voz dos filósofos, pedagogos e historiógrafos.

O termo verso, em grego “stícsos”, veio, portanto, antes da prosa, e era estruturado, na língua grega, de acordo com certas medidas  – e eram muitas -  ,sempre constituído em “pés” ou medidas, que se pautavam pela quantidade e não pela intensidade das sílabas. Isto significa que uma sílaba longa, por exemplo, correspondia ao dobro de uma sílaba breve. Já nas línguas de ritmo intensivo, como o português, as sílabas de um verso se caracterizam pela predominância de uma sílaba sobre a outra, significando que uma é fraca e a que predomina sobre ela é forte. Isto ocorre num determinado grupo de força, quando não pode haver uma sequência de três sílabas fracas, chamadas átonas, sem que uma delas se torne forte, chamada tônica. Não existe, portanto, na língua portuguesa, que é de ritmo intensivo e não quantitativo mais de três sílabas fracas, átonas, seguidas, sem que uma se torne forte, tônica. São raros os casos de três sílabas fracas seguidas, como no exemplo: “dé-ra-mos-lo”, forma verbal do verbo DAR mais a forma pronominal LO. Assim, pode-se, também, afirmar que os versos gregos, dos séculos V e seguintes, antes de Cristo, constituídos pelas epopeias (– épe -), pelo lirismo (– méle-) e pelo elegíaco ( –elegueia),  não apresentavam RIMAS, pois seu ritmo era marcado por modelos de oscilação quantitativa, chamadas “pés”, como dissemos acima.

Já as RIMAS foram introduzidas nos versos das línguas românicas ou neolatinas depois de o latim vulgar ou romance, no caso do português, estar disseminado pelas terras do antigo Condado Portucalense, no século XII e já neste mesmo século surgiu a “Cantiga da Guarvaia”. Portanto, afirmar-se que os antigos poetas gregos, sucessores da poesia de Píndaro, foram os inventores da RIMA para que a poesia pudesse se harmonizar e se equilibrar é uma forma poética de exegese, só para o acalanto das almas românticas, funcionando mesmo como metapoesia... Mas isso é bom, porque nos faz refletir sobre o pretérito da arte poética.


ATÉ A PRÓXIMA


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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.