Quantos me visitaram ?

11 de dezembro de 2017

O PÂNICO



 


Não queiras, em hipótese alguma, enfrentar a ira de uma autoclave enferrujada, servindo bravamente a uma velha sanita, não muito confiável! Insisto. Em hipótese alguma!
Tudo transcorria normalmente, até com a chuvinha fina, muito bem-vinda por todos -  e fazia tempo que ela não aparecia -  pois estava tudo muito seco, desde a capital até o interior das terras no entorno do Porto, lá por Oliveira de Azeméis. O fogaréu nas matas de pinheiros e eucaliptos já havia matado muitas pessoas e interrompido as comunicações de várias estradas vicinais que cortam os encantadores vales de Ossela, cidade de meus antepassados e que visitava com alguns parentes. Depois a chuva aumentou, mas não tirou o ânimo de conhecermos tudo, nos mínimos detalhes. Era uma comitiva alegre e culta. Sabedor de minhas pretensões, um grande amigo preparou magnífico e interessante roteiro, com guia e tudo, para que visitássemos os sítios onde meus bisavós viveram e minha avó paterna nascera. Quanta alegria e ansiedade para conhecer tudo!  Significativa foi a visita à igreja do século XVII onde minha avó Emília foi batizada numa vetusta pia de pedra. Lá, também, poucos anos depois, recebeu este santo sacramento o escritor Ferreira de Castro -  ele mesmo -  o autor de “A Selva”, “A lã e a Neve” e muitas outras obras em que meu amigo Pedro Calheiros é especialista, analisando doutamente suas escrituras e escriturações. Muitas emoções estavam reservadas nessa visita.
A primeira ocorreu quando a chuva ficou mais forte e esbranquiçou o fundo da igreja, entre o altar-mor e a sacristia lateral que dá acesso à torre, recentemente restaurada. Por lá, surgiu o meu sumido amigo fantasma, todo paramentado, em grande estilo, com uma alva túnica inconsútil, própria dos grandes espíritos etéreos. Surgiu sorridente bem mais branco e radiante, pois estava em casa e me encontrou em terras conhecidas, onde viveu, também, em tempos memoriais, aventuras de muitos e variados tipos. Ele é incrível, ou fora incrível! Já não sei, pois sempre me confundo ao lidar com esse estranhamento, sui generis, onde a noção de tempo-espaço ainda não está totalmente definida em meus pensamentos.  Disse-me que sua alegria eterna estava a transbordar de ansiedade, pois como não podia se materializar para qualquer um, queria, porque queria desejar ao seleto grupo todo o sucesso em seu empreendimento. Acalmei-o. Seus desejos seriam transmitidos ao pessoal, sem que ninguém suspeitasse de minha sanidade mental. Já sou especialista em lidar com essas singelas e etéreas criaturas nefelibatas.
O grupo fotografava o interior da igreja, quando minha prima perguntou onde ficava a casa-de-banho. A segunda emoção do dia estava prestes a acontecer. Quem quisesse utilizar o banheiro teria de sair pela porta lateral sul, passar por cima dos inúmeros túmulos, estirados eclesiasticamente sob o piso de pedra da nave central, passar por uma calçada estreia e se servir daquela, talvez, única dependência que não estava plenamente restaurada. Foi seguida pela simpática guia. Entraram. Serviram-se. Mas, de repente, lá de dentro, veio a nos assustar um grito desesperador.
- Credo! Não acredito!
 - Como foi possível isso acontecer!  - E agora?
 - Perdi todas as fotos! - Estou sem comunicação com o mundo.
 - Não vivo sem celular!
E suava frio de raiva, desesperando-se com o terrível acidente, somente presenciado por nossa guia que nos acompanhava desde a chegada à vila de Oliveira de Azeméis. Foi ela quem disse, com seu sotaque carregado, repleto de tons consonantais vibrantes, o que tinha acontecido:
- “A menina deixou cair o telemóvel à sanita, puxou a autoclave, e entrou em pánico”!

ATÉ A PRÓXIMA 

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei primo. Estava com saudades do amigo Fantasma. Foram dias maravilhosos recheados com grandes aventuras e muitas emoções. Fiquei feliz de fazer parte desta história também ����

Dina Feijo disse...

Imagino as emoções transbordando,reencontro de gerações e vivência de momento ímpar para poucos eleitos e abençoados...Confesso ter viajado nas linhas escritas ,descritas e nada discretas no banho do telemovel.Vale declarar gostaria de ter podido estar com vocês.Parabéns!

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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.