O que eu vou contar hoje é só para aqueles que viveram o
tempo, onde uma expressão de “bullying” para gozar os trabalhadores da limpeza
urbana era muito comum, principalmente no Rio de Janeiro. Isso há muito
tempo... Era um sábado e o trânsito fluía encantadoramente. Percebi que não me
atrasaria para o encontro marcado com meu amigo, no clube da cidade. Ledo
engano. Mal dobrei o sinal, ou a sinaleira, como costumam chamar aquelas três
luzes coloridas do trânsito, por estas bandas do sul, onde agora resido, vi
tudo parado. Pensei num baita desastre, pois os fins de semana são tranquilos nas
ruas esburacadas dessa bela cidade germânica, fundada pelo Dr. Hermann Blumenau,
há muitos e muitos anos... O mais estranho é que se ouvia uma berraria danada.
Umas músicas esquisitas, cantadas e esgoeladas por alguém de voz de taquara
rachada. E quem cantava corria em redor de um enorme veículo verde, roncando o
motor, na frente de carros que, educadamente não buzinavam. Percebi que a
companhia de limpeza urbana estava trabalhando, não em silencio, mas
euforicamente, na voz de um dos alegres lixeiros que pulava do balaústre
traseiro do grande veículo, para as calçadas, recolhendo os sacos pretos e as
caçambas de detritos das casas e dos prédios, cantando alto e bulindo com os
passantes, chamando, mesmo, a atenção de todo mundo. Feliz com seu ofício ia se
retorcendo agilmente da traseira do caminhão para o meio-fio das calçadas, com
uma satisfação emocionante naquilo que fazia, nem se importando com o cheiro
desagradável que saía de alguns sacos de lixo, já rasgados por cães vadios da
cidade. Muitos carros à minha frente conseguiram trocar de faixa de rolamento e
eu fiquei bem atrás da oficina de trabalho daquele jovem lixeiro, que parecia
ter tirado a sorte grande, trabalhando penosa, mas alegremente num ofício, misto
de picadeiro de circo e usina de reciclagem de dejetos urbanos. E o rapaz cantando,
jogava todo o lixo lá para dentro. Pulava para todos os lados e não deixava um
só saco negro na calçada. Apanhava dois, três ao mesmo tempo, e voltava para o
estribo traseiro do caminhão, sempre falando muito alto e bulindo com todo mundo.
Pelo caminho, às vezes, não havia nada para apanhar e o nosso herói ia, aos
berros, dizendo gracinhas para os que passavam ou estavam parados na rua. Gritava
e fazia piruetas, verdadeiras acrobacias na traseira do caminhão de lixo. Sua
alegria extravagante, naquele trabalho insalubre, era também observado, com
espanto, pelos motoristas dos carros que seguiam a procissão. Quando o caminhão
passou por uma grande estação terminal de ônibus urbanos, cheia de gente, o
rapaz exagerou e botou pra quebrar, caçoando de todo mundo, de maneira até quase
desrespeitosa. Nesse momento, juro que ouvi, saindo lá de dentro, do fundo do
tempo, uma voz cavernosa, lançando no ar um grito espetacular: A GALINHA COMEUUUUUUUUUUUU! Creio que ninguém
entendeu aquele urro, um urro atemporal de “bullying” de rua, dos tempos de
minha juventude, no Rio de Janeiro. Voltei ao passado alegre de minha infância, quando a gurizada gozava,
inocentemente, todos os lixeiros, que se empoleiravam atrás de caminhões
fedorentos de lixo, sem saber o que significava essa enigmática expressão,
desconhecendo totalmente o valor daqueles trabalhadores que se engajavam num
trabalho quase degradante, para deixar limpinha a cidade que nós todos sujávamos,
infantilmente, sem nenhuma noção adquirida de cidadania...
ATÉ A PRÓXIMA
Um comentário:
Eu estava à procura de alguma menção a esta frase que me transportasse ao passado, me lembrando que esses trabalhadores não tinham o mínimo de proteção que lhes desse dignidade.
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