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12 de agosto de 2017

A GALINHA COMEU




O que eu vou contar hoje é só para aqueles que viveram o tempo, onde uma expressão de “bullying” para gozar os trabalhadores da limpeza urbana era muito comum, principalmente no Rio de Janeiro. Isso há muito tempo... Era um sábado e o trânsito fluía encantadoramente. Percebi que não me atrasaria para o encontro marcado com meu amigo, no clube da cidade. Ledo engano. Mal dobrei o sinal, ou a sinaleira, como costumam chamar aquelas três luzes coloridas do trânsito, por estas bandas do sul, onde agora resido, vi tudo parado. Pensei num baita desastre, pois os fins de semana são tranquilos nas ruas esburacadas dessa bela cidade germânica, fundada pelo Dr. Hermann Blumenau, há muitos e muitos anos... O mais estranho é que se ouvia uma berraria danada. Umas músicas esquisitas, cantadas e esgoeladas por alguém de voz de taquara rachada. E quem cantava corria em redor de um enorme veículo verde, roncando o motor, na frente de carros que, educadamente não buzinavam. Percebi que a companhia de limpeza urbana estava trabalhando, não em silencio, mas euforicamente, na voz de um dos alegres lixeiros que pulava do balaústre traseiro do grande veículo, para as calçadas, recolhendo os sacos pretos e as caçambas de detritos das casas e dos prédios, cantando alto e bulindo com os passantes, chamando, mesmo, a atenção de todo mundo. Feliz com seu ofício ia se retorcendo agilmente da traseira do caminhão para o meio-fio das calçadas, com uma satisfação emocionante naquilo que fazia, nem se importando com o cheiro desagradável que saía de alguns sacos de lixo, já rasgados por cães vadios da cidade. Muitos carros à minha frente conseguiram trocar de faixa de rolamento e eu fiquei bem atrás da oficina de trabalho daquele jovem lixeiro, que parecia ter tirado a sorte grande, trabalhando penosa, mas alegremente num ofício, misto de picadeiro de circo e usina de reciclagem de dejetos urbanos. E o rapaz cantando, jogava todo o lixo lá para dentro. Pulava para todos os lados e não deixava um só saco negro na calçada. Apanhava dois, três ao mesmo tempo, e voltava para o estribo traseiro do caminhão, sempre falando muito alto e bulindo com todo mundo. Pelo caminho, às vezes, não havia nada para apanhar e o nosso herói ia, aos berros, dizendo gracinhas para os que passavam ou estavam parados na rua. Gritava e fazia piruetas, verdadeiras acrobacias na traseira do caminhão de lixo. Sua alegria extravagante, naquele trabalho insalubre, era também observado, com espanto, pelos motoristas dos carros que seguiam a procissão. Quando o caminhão passou por uma grande estação terminal de ônibus urbanos, cheia de gente, o rapaz exagerou e botou pra quebrar, caçoando de todo mundo, de maneira até quase desrespeitosa. Nesse momento, juro que ouvi, saindo lá de dentro, do fundo do tempo, uma voz cavernosa, lançando no ar um grito espetacular: A GALINHA COMEUUUUUUUUUUUU! Creio que ninguém entendeu aquele urro, um urro atemporal de “bullying” de rua, dos tempos de minha juventude, no Rio de Janeiro. Voltei ao passado alegre de minha infância, quando a gurizada gozava, inocentemente, todos os lixeiros, que se empoleiravam atrás de caminhões fedorentos de lixo, sem saber o que significava essa enigmática expressão, desconhecendo totalmente o valor daqueles trabalhadores que se engajavam num trabalho quase degradante, para deixar limpinha a cidade que nós todos sujávamos, infantilmente, sem nenhuma noção adquirida de cidadania... 

ATÉ A PRÓXIMA

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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.