
Em minhas pesquisas sobre a linguagem especial do futebol confirma-se aquela máxima lingüística que diz que ninguém escreve como fala. Em nenhum comentário sobre qualquer partida de futebol, que aparece posteriormente nos jornais, o analista deixa de apresentar seus comentários, retratados na escrita, numa forma gramatical correta, deixando de lado muitas pontuações da oralidade, como, por exemplo, os anacolutos. Mas a fala dos locutores e comentaristas, descrevendo e analisando os acontecimentos em campo, está repleta dos mais clássicos vícios de linguagem e impropriedades gramaticais, muitas até irrelevantes. Dou como exemplo o uso do verbo assistir, no sentido de ver, presenciar, principalmente usado na voz passiva, como em “O jogo foi assistido por dez mil expectadores”. Mas voltando aos anacolutos. Eles podem ser considerados como verdadeiras marcas da oralidade, pelo menos nesses casos que pesquiso. Sabemos que o anacoluto ou FRASE QUEBRADA foi muito usado no grego antigo e na nossa literatura clássica, sendo hoje combatido pela disciplina gramatical, como, aliás, afirma Mattoso Câmara Jr. Mas a língua literária ainda está repleta de anacolutos e, na língua escrita, funcionam muito mais como marca estética do que como sobreposição de pensamentos que surgem, uns após outros, como, por exemplo, no decorrer de uma transmissão esportiva ou no auge de um comentário emocionante, feito por jornalista especializado nessa área. O conhecido anacoluto do clássico soneto de Machado de Assis, À Carolina, no último terceto “Que eu, se tenho nos olhos mal feridos/Pensamentos de vida formulados,/São pensamentos idos e vividos”, é um recurso estilístico de intensa pujança, sugerindo mesmo um soluço de dor. Mas a elaboração e o refinamento ao se escrever, tudo bem pensado, bem refletido, ou até mesmo intuitivo, é que vão diferenciar o anacoluto da língua escrita do anacoluto da língua oral. Podemos procurar nas resenhas esportivas escritas nos jornais, sobre os resultados dos jogos do dia anterior e não vamos encontrar nenhum vestígio dessa filigrana, representada por essa figura da língua literária. Na linguagem esportiva, lembro-me dos comentários sobre as arbitragens de futebol feitas pelo comentarista Mário Vianna (com dois ENES, como ele insistia em dizer em alto e bom som), ex-árbitro de futebol e que fazia a linha “bateu-levou”, dentro e fora de campo. Quando era chamado, no decorrer do jogo, pelo narrador da partida, para comentar uma decisão tomada pelo juiz, podíamos encontrar na sua falação inúmeros anacolutos. Mário Vianna falava por anacoluto. Quem não se lembra da expressão que ele gritava ao microfone: LA MANO, LA MANO.... E com essa expressão da língua castelhana ele punha em relevo a idéia primordial que tinha em mente (a falta, a mão na bola), destacando-a como a grande mensagem sobre a qual iria falar. Outra passagem célebre de Mário Viana ocorreu quando ele disse que o porco e o peru eram duas aves que sempre compareciam ao campo de futebol: o peru, referindo-se a um “enorme frango” do goleiro e o porco.... Bem, o porco foi a imagem encontrada para o juiz que faz muita bobagem. É claro que por mais desinformado que Mário Vianna fosse sobre os assuntos mais elaborados, da ciência, inclusive, ele não iria escrever isso. Mas falando, no auge de um comentário, querendo agradar seu público, querendo mostrar que entendia do seu ofício, ele colocou como pertencentes à mesma espécie um ovíparo e um mamífero. Haja coração!