Já havia dito, em crônicas anteriores, que, quando estivera em Portugal, trabalhando num projeto apresentado ao meu Departamento de Lingüística da Universidade do Estado do Rio de janeiro, conheci um simpático fantasma que morava na antessala de entrada do Palácio da Pena ou Castelo da Pena como é mais conhecido na região de Sintra. Estivemos juntos durante boa parte de minha estada pelas plagas lusitanas e nos identificamos tanto, que o trouxe em minha bagagem de mão, a bordo de um Boeing de longo curso da TAP. Pois bem, aqui no Brasil também estivemos juntos e minha preciosa e cultíssima aparição visitou comigo muitos lugares encantadores, principalmente da Região Sul, onde moro atualmente. Nosso último passeio tinha sido à festa da Marejada, em Itajaí, há uns dois ou três anos atrás. Divertimo-nos muito, principalmente com as encenações folclóricas da sua terra natal, a Serra da Lua ou Monte Sagrado. Depois disso sumiu. Pensei que o tivesse magoado com algumas observações sobre como deveria se comportar, para não assustar ninguém, quando estivéssemos nas residências de meus amigos, em reuniões de fim-de-semana ou em tertúlias literárias como acontecem em Florianópolis e Blumenau. Mas não, creio que ele sentiu saudade de seus parentes da corte de D. Dinis, fantasmas gentis e agradabilíssimos como ele e voltou para Sintra. Depois de algum tempo desaparecido eis que, bruscamente, ele se materializou valendo-se de uma branca fumaça que saia de uma churrasqueira repleta de grandes sardinhas, quando eu, novamente, visitava a 23ª Marejada, em Itajaí. Deu-me um baita susto naquela tarde cinzenta, pois há muito tempo nem pensava nele. Mas ele veio. Vestia um elegante ectoplasma e sentou-se comigo num banco de jardim, do lado de fora do novo e grande galpão que abriga os comes-e-bebes, de variadíssimas receitas portuguesas do pessoal de Itajaí. Percorremos o interior dos pavilhões, conversamos sobre as novidades e modernidades de Lisboa, bem pertinho de Sintra. Falamos, é verdade, um pouquinho da vida alheia e já estávamos para sair, quando meu hialino amigo me repreendeu, com toda a veemência de sua cavernosa voz, dizendo que era um absurdo, numa festa portuguesa por excelência, haver uma quantidade incontável de barraquinhas de cachorro-quente, pizzas de estranhos sabores e vinhos vagabundíssimos. Alem, é claro, de tudo estar armado em horrorosas barraquinhas toscas, num ambiente arquitetônico de infinito mau gosto. Não pude tirar sua razão, pois fiquei do mesmo modo muito decepcionado, não só pela péssima gastronomia exposta, como pela sujeira que imperava nos ambientes internos. Meu etéreo e exigente amigo é assim mesmo. É um fantasma europeu. Jamais esquecerá que Sintra, sua terra natal, exerceu considerável influência romântica na harmoniosa arquitetura européia. Isso é que é fantasma culto e refinado, o resto é assombração....
ATÉ A PRÓXIMA
ATÉ A PRÓXIMA
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