
É claro que ninguém fala como escreve, mas quando qualquer fala é passada para o registro escrito, deve-se ter muito cuidado para que as formas mais relaxadas da oralidade sejam adaptadas à norma culta da língua. Mas será que isso sempre acontece? Por estas bandas isso é um problema. Presenciei algo estarrecedor ao ler um agradecimento de um político que recebia de mão beijada um cargo oficial, mesmo não apresentando, pelo que disse em sua falação, o menor cacoete para o tal cargo. Então, insisto. Não
é possível que algum texto que venha à luz publicamente, saído de uma entidade
oficial de qualquer governo, quer seja federal, estadual ou municipal, apresente
uma redação, capaz de colocar em estado de alerta os seus cidadãos, tamanha a
falta de comprometimento linguístico com as mais comezinhas regras do bem falar
e do bem escrever. Esses textos devem ser confeccionados, dentro do registro
culto da língua portuguesa. E o texto que motivou esses comentários foi o
pronunciamento de um senhor, investido no cargo de Secretário de
Cultura do Município de Balneário Camboriú, SC. O que vamos apresentar aos nossos
leitores foi a origem e o “in fine
obrarum”. Antes, porém, é bom observar que toda língua de cultura, e o
português o é, apresenta registros diferentes em sua manifestação. Língua de
cultura, é bom lembrar, é aquela com que o país se comunica com os seus
cidadãos e tem representação na ONU. Outrossim, como se sabe, a língua pode ser
oral, quando é falada e escrita, quando é grafada. Sempre foi assim com línguas
de cultura, que são aquelas, como foi dito, usadas por um Estado, política e
geograficamente constituído. A Língua
Padrão apresenta duas variações: a Língua Padrão escrita e a Língua
Padrão coloquial. A língua padrão , que escrita, quer coloquial, obedece a uma estrutura ideal que abrange
a nação inteira, apresentando uma disciplina gramatical disseminada no âmbito social. Quando utilizada por
escritores, em poesia ou ficção, naturalmente apresenta propriedades
estilísticas individuais. A língua literária, portanto, não raro reestrutura
esteticamente os elementos da língua padrão, para a criação de um estilo
próprio. Fora do âmbito literário ou artístico, ou seja, em estudos técnicos e
pronunciamentos oficiais, a língua deve se manter fiel à sua tradição gramatical.
E isso é ensinado nas escolas. É o principal objetivo da Escola. A língua padrão deve ser utilizada em todas e
quaisquer situações onde a formalidade seja evidente. Mas foi o que não
aconteceu na posse de um membro do Governo Municipal de uma cidade de Santa
Catarina, onde o seu Prefeito deu posse ao Presidente da Fundação Cultural da
cidade, com status de secretário de governo, como acima apontei. Vejam o seu discurso e as nossas
anotações. Um total de 20 erros gravíssimos para quem assume a Direção de uma
Fundação que se diz cultural, em nome de um governo, que diz trabalhar em prol
da cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil.
Cruzes!!!!!!
Vejam
o tal pronunciamento:
“Boa
Noite Senhores e Senhoras.
Amigas
e Amigos, a 1 minha Mãe aqui presentes e demais familiares.Colegas do
Governo, Companheiros e como diz Isaque Borba 2- Boa noiestão
apresentados para o Setor da Cultura e o Governo Municipal3;
pessoa humana 4 a
educação, o trabalho, a sustentabilidade, a cultura, a ciência, a tecnologia, a
saúde, o meio ambiente e incluo a militância política.5
as6 diretrizes
do seu governo e promova a cultura para as pessoas da nossa cidade.
pois este é o
local onde os cidadãos criam, interagem, reproduzem e consomem cultura.7
a8 cultura, que investirá em projetos culturais de teatro,
dança, música, literatura, audiovisual, artes visuais, artes populares e circo.
m e valorizem9 a cultura
local e artistas praianos.
propor e desenvolver uma proposta10 para a
elaboração do Plano Municipal de Cultura que permita contemplar, revitalizar e
dar visibilidade a11 diversidade cultural de Balneário
Camboriú.
à12 exemplo do Governo Lula, o governo da
presidenta Dilma, tem investido no setor da Cultura por meio de programas como
o Cultura livre, pontos de cultura e o vale cultura e 13 cabendo a
nós, município, habilitarmos14, perante o Ministério da Cultura, para
incorporar esses programas no cotidiano da nossa cidade. A relação estreita ( ....)15 com o Minc,
cooordenado pela companheira Marta Suplicy do PT, certamente nos enche de expectativa.
potencial16 a Equipe da Fundação Cultural e a
Companheira do Partido dos Trabalhadores Guilhermina Stuker, Licenciada em
História e Mestre em Educação, que assume a Diretoria de Artes.
para17 a cultura que queremos, no qual cada
cidadão, cada cidadã desfrute de espaços culturais adequados as 18 suas manifestações; que tenham oportunidade de acessar,
criar e consumir o produto cultural que desejar19 , que sejam
disponibilizados cursos para as diversas linguagens e que as escolas, pela 20 parceria com a Secretaria da Educação,
irradiem cada vez mais arte e cultura.
.”
AGORA, AS CORREÇÕES:
1 - sem
necessidade.
2- “Não é autor que se cite”, como dizia também
Eduardo Portela, que foi citado indiretamente.
3- "que estão apresentados para o Setor da Cultura
e o Governo Municipal" – Sintaxe equivocada.
Ou seria: ...que estão sendo apresentados pelo Setor da Cultura e do Governo
Municipal... ou seria: ...que serão apresentados pelo Setor da Cultura e do
Governo Municipal. Em ambos os casos, por que a “imensa satisfação” ?
4 - “pessoa humana”. Haverá
pessoa que não seja humana?
5 - é essencial para a pessoa humana a educação, o
trabalho, a sustentabilidade, a cultura, a ciência, a tecnologia, a saúde, o
meio ambiente e incluo a militância política. Qual é o sujeito de é ? Resposta: a sustentabilidade, a cultura, a
ciência, a tecnologia, a saúde, o meio ambiente e incluo a militância política.
Logo, o verbo SER deverá estar no plural, assim: são.
6
- Corrige-se para às.
7 - Comentário: isso é óbvio!
8 - Corrige-se para à.
9 - Corrige-se para ...estimulem
e valorizem . (Houve um crasso erro de concordância).
10 - "propor e desenvolver uma proposta". Vocabulário redundante.
11
- Corrige-se para à.
12 - Corrige-se para a.
13 – Um – e - a
mais, antes de gerúndio.
14 - habilitarmo-nos
e não habilitarmos.
15 - ( ....) = que temos (ou
coisa parecida, para fazer sentido).
16 - potenciais e não potencial (erro de concordância).
17 - de, em vez de para.
18 - às suas em vez de as suas.
19
- desejar – errado. Deve ser desejarem.
20 - pela .
Errado, corrija para em.
Então,
eu pergunto.
CULTURA ? QUE CULTURA ?
ATÉ
A PRÓXIMA,