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21 de janeiro de 2017

O ROMÂNTICO NO PARNASIANISMO DE VICENTE DE CARVALHO






A FLOR E A FONTE  

*Vicente de Carvalho

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar."

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!..."

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr-do-sol;

 "Carícias das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!"

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

*In Rosa, Rosa de Amor.

            Em primeiro lugar, é bom colocar, mesmo sabendo que a informação nada tem de literário, mas sim de curiosidade, que o bairro carioca de Vicente de Carvalho, na região oeste da cidade do Rio de Janeiro, não tem seu nome ligado ao poeta paulista, de verve parnasiana, com intensa conotação romântica. O nome do bairro se prende ao homônimo Vicente de Carvalho, fazendeiro do lugar que deu nome ao próspero reduto suburbano.
O poeta parnasiano Vicente de Carvalho nasceu em Santos, SP, a 5 de abril de  1866 e faleceu também na bonita praia paulista, em 22 de abril de 1924, vivendo, portanto, 58 anos, dentro da média de vida do brasileiro daquela época. Vicente de Carvalho foi bacharel na Faculdade de Direito de São Paulo SP, atuou como abolicionista, foi redator do Diário de Santos, fundou o Diário da Manhã em Santos e se tornou Deputado Constituinte, participando da Comissão Redatora da Constituinte de 1891. É considerado um dos principais nomes da poesia parnasiana brasileira, juntamente com Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Segundo Massaud Moisés, "o culto a Camões, modelo de poesia lírica e de soneto de recorte preciso e discursivo, o gosto do lirismo tradicional, a projeção para o mar e os temas histórico-poéticos, denunciam, em Vicente de Carvalho, um poeta formalmente apegado ao ideário parnasiano". Vicente de Carvalho foi um poeta que aderiu ao parnasianismo aniquilador do sentimento romântico, embora seus versos demonstrem melancolia, emotividade, alguma ironia, sugerindo influência simbolista.  Ainda nas palavras de Massaud Moisés, ele foi "um romântico autêntico", que nem o formalismo parnasiano nem o transcendentalismo simbolista haviam conseguido mudar. Vicente de Carvalho adere ao mar como principal tema de sua lírica, talvez um resquício dos tempos da sua infância em Santos, SP. Foi jornalista e redator do Diário de Santos e fundador do Diário da Manhã, da cidade de Santos. Escreveu para O Estado de S. Paulo e publicou, no fim de sua vida, muitos poemas na revista A Cigarra. Sua obra poética: a) Ardentias, 1885, eminentemente romântica; c) Relicário, 1888; c) Rosa, Rosa de Amor, 1902; d) Poemas e Canções, 1908; e) Versos da Mocidade, 1909. Publicou em prosa Páginas Soltas, 1911 e Luizinha, 1924, uma comédia e alguns contos.  Somente a partir de Relicário se afirma como poeta parnasiano, sem o historicismo e o retorno às origens míticas greco-romanas, que predominou , por exemplo, na conhecida trindade parnasiana: Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia. Por outro lado, o romantismo em Vicente de Carvalho se faz presente no sentimento vivo da natureza; na visão do mar e das matas tropicais brasileiras; na visão das nossas montanhas e na beleza da mulher, muitas vezes comparando-a com aspectos da natureza, mas numa transfiguração muito mais ideal do que real da realidade circundante. Sua linguagem nesse momento é fácil, corriqueira, familiar, original, sempre mesclando versos curtos, como as redondilhas, com os decassílabos e seus quebrados de seis sílabas, num turbilhão de ritmos sugestivos e criativos. O Eu-lírico do poeta, finalmente, envolve-se com o tema do mar e da água, em alegorias e metáforas reflexivas e meditativas.

Este poema, A flor e a Fonte, do livro Rosa,Rosa de Amor, é composto por oito quadras, estrofes de quatro versos heptassílabos, redondilha maior. O esquema de rimas em todas as estrofes é ABAB. Trata-se de uma história fácil de entender. Numa delicada prosopopeia, duas peças da natureza em confronto. De um lado uma flor. Do outro, as água de uma fonte a correr para o mar, inexoravelmente. Surge, então, o diálogo, pela verve poética do sujeito lírico, narrador onisciente do poema, mas sem ufanismos e pieguices (características românticas), mas traçando objetivamente, uma transfiguração da realidade, numa linha de raciocínio lógico (Vicente de Carvalho era admirador e leitor de A. Comte e Spencer), pois a corrente da fonte não tem como, por sua natureza, atender aos clamores da flor. Flor sem qualificações, adjetivos. Simplesmente uma flor, talvez retratada na frialdade botânica da espécie... Contudo o poeta não consegue separar o sensorial do emotivo e na última estrofe, única vez que a voz do eu-lírico se pronuncia, o poeta, em lamúria sentida, compara sua desgraça à da flor impelida por uma força da natureza, maior do que ela, “numa descida como a da fonte e da flor”, um verdadeiro determinismo, imposto pelo destino das coisas, na visão de mundo do poeta. Além disso, percebe-se no poema vestígios de significantes marcantes do simbolismo romântico em toda a lamúria da flor, carregada pela fonte. A flor pertence à terra, seus galhos são seu berço e as gotas de orvalho são as lágrimas da flor em pranto! Por tudo que se observa no poema A Flor e a Fonte, de Vicente de Carvalho, pode-se dizer que se trata de uma composição parnasiana, que envolve o leitor e o extasia, pela simplicidade e metáforas telúricas, numa nova linguagem, rica em imagens da natureza e eivada de psicologismos. Um parnasianismo bem característico de Vicente de Carvalho, com perfeição de forma (ó), sem se enquadrar na forma (ô) do estilo de época, e com intensa ambição de isso realizar, criando sempre, fazendo-nos meditar na beleza da vida e sonhar com ela.


ATÉ A PRÓXIMA

2 comentários:

Talita Batista disse...

Agradeço pela postagem desse belíssimo poema e pela coerente e elucidativa análise literária, feita pelo Professor Feijó sobre o mesmo. Gostei de saber também a identificação das pessoas que tinham o mesmo nome de Vicente de Carvalho. Assim, nesse mundo de tantas chamadas para espetáculos que nada nos acrescentam, vamos, nós, os professores, seguindo na nossa digna missão de clarear a beleza, embotada pelo fulgor da superficialidade passageira, do aqui e do agora! Vamos em frente professor e parabéns pelo belo trabalho!
Talita Batista.

Anônimo disse...

Escolhi este poema, em uma enciclopédia comprada pelo meu pai e declamei em um evento religioso. Eu estava com seis anos de idade e hj aos 58 ainda me encanto por ele.

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.