A FLOR E A FONTE
*Vicente de Carvalho
"Deixa-me,
fonte!" Dizia
A flor, tonta de
terror.
E a fonte, sonora e
fria
Cantava, levando a
flor.
"Deixa-me,
deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida
no monte...
"Não me leves
para o mar."
E a fonte, rápida e
fria,
Com um sussurro
zombador,
Por sobre a areia
corria,
Corria levando a flor.
"Ai, balanços do
meu galho,
"Balanços do
berço meu;
"Ai, claras gotas
de orvalho
"Caídas do azul
do céu!..."
Chorava a flor, e
gemia,
Branca, branca de
terror.
E a fonte, sonora e
fria,
Rolava, levando a
flor.
"Adeus, sombra
das ramadas,
"Cantigas do
rouxinol;
"Ai, festa das
madrugadas,
"Doçuras do
pôr-do-sol;
"Carícias das
brisas leves
"Que abrem
rasgões de luar...
"Fonte, fonte,
não me leves,
"Não me leves
para o mar!"
As correntezas da vida
E os restos do meu
amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da
flor...
*In Rosa, Rosa de Amor.
Em primeiro lugar, é bom colocar,
mesmo sabendo que a informação nada tem de literário, mas sim de curiosidade, que
o bairro carioca de Vicente de Carvalho, na região oeste da cidade do Rio de
Janeiro, não tem seu nome ligado ao poeta paulista, de verve parnasiana, com
intensa conotação romântica. O nome do bairro se prende ao homônimo Vicente de
Carvalho, fazendeiro do lugar que deu nome ao próspero reduto suburbano.
O
poeta parnasiano Vicente de Carvalho nasceu em Santos, SP, a 5 de abril de 1866 e faleceu também na bonita praia
paulista, em 22 de abril de 1924, vivendo, portanto, 58 anos, dentro da média
de vida do brasileiro daquela época. Vicente de Carvalho foi bacharel na
Faculdade de Direito de São Paulo SP, atuou como abolicionista, foi redator do
Diário de Santos, fundou o Diário da Manhã em Santos e se tornou Deputado Constituinte,
participando da Comissão Redatora da Constituinte de 1891. É considerado um dos
principais nomes da poesia parnasiana brasileira, juntamente com Olavo Bilac,
Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Segundo Massaud Moisés, "o culto a Camões, modelo de poesia lírica e
de soneto de recorte preciso e discursivo, o gosto do lirismo tradicional, a
projeção para o mar e os temas histórico-poéticos, denunciam, em Vicente de
Carvalho, um poeta formalmente apegado ao ideário parnasiano". Vicente
de Carvalho foi um poeta que aderiu ao parnasianismo aniquilador do sentimento
romântico, embora seus versos demonstrem melancolia, emotividade, alguma
ironia, sugerindo influência simbolista.
Ainda nas palavras de Massaud Moisés, ele foi "um romântico autêntico", que nem o formalismo parnasiano nem o
transcendentalismo simbolista haviam conseguido mudar. Vicente de Carvalho adere
ao mar como principal tema de sua lírica, talvez um resquício dos tempos da sua
infância em Santos, SP. Foi jornalista e redator do Diário de Santos e fundador
do Diário da Manhã, da cidade de Santos. Escreveu para O Estado de S. Paulo e
publicou, no fim de sua vida, muitos poemas na revista A Cigarra. Sua obra
poética: a) Ardentias, 1885,
eminentemente romântica; c) Relicário,
1888; c) Rosa, Rosa de Amor, 1902; d)
Poemas e Canções, 1908; e) Versos da Mocidade, 1909. Publicou em
prosa Páginas Soltas, 1911 e Luizinha, 1924, uma comédia e alguns
contos. Somente a partir de Relicário se afirma como poeta
parnasiano, sem o historicismo e o retorno às origens míticas greco-romanas, que
predominou , por exemplo, na conhecida trindade parnasiana: Alberto de
Oliveira, Olavo Bilac e Raimundo Correia. Por outro lado, o romantismo em Vicente
de Carvalho se faz presente no sentimento vivo da natureza; na visão do mar e
das matas tropicais brasileiras; na visão das nossas montanhas e na beleza da
mulher, muitas vezes comparando-a com aspectos da natureza, mas numa
transfiguração muito mais ideal do que real da realidade circundante. Sua
linguagem nesse momento é fácil, corriqueira, familiar, original, sempre
mesclando versos curtos, como as redondilhas, com os decassílabos e seus quebrados
de seis sílabas, num turbilhão de ritmos sugestivos e criativos. O Eu-lírico do
poeta, finalmente, envolve-se com o tema do mar e da água, em alegorias e
metáforas reflexivas e meditativas.
Este
poema, A flor e a Fonte, do livro Rosa,Rosa de Amor, é composto por oito quadras,
estrofes de quatro versos heptassílabos, redondilha maior. O esquema de rimas
em todas as estrofes é ABAB. Trata-se de uma história fácil de entender. Numa delicada
prosopopeia, duas peças da natureza em confronto. De um lado uma flor. Do
outro, as água de uma fonte a correr para o mar, inexoravelmente. Surge, então,
o diálogo, pela verve poética do sujeito lírico, narrador onisciente do poema,
mas sem ufanismos e pieguices (características românticas), mas traçando
objetivamente, uma transfiguração da realidade, numa linha de raciocínio lógico
(Vicente de Carvalho era admirador e leitor de A. Comte e Spencer), pois a
corrente da fonte não tem como, por sua natureza, atender aos clamores da flor.
Flor sem qualificações, adjetivos. Simplesmente uma flor, talvez retratada na
frialdade botânica da espécie... Contudo o poeta não consegue separar o
sensorial do emotivo e na última estrofe, única vez que a voz do eu-lírico se
pronuncia, o poeta, em lamúria sentida, compara sua desgraça à da flor impelida
por uma força da natureza, maior do que ela, “numa descida como a da fonte e da
flor”, um verdadeiro determinismo, imposto pelo destino das coisas, na visão de
mundo do poeta. Além disso, percebe-se no poema vestígios de significantes
marcantes do simbolismo romântico em toda a lamúria da flor, carregada pela
fonte. A flor pertence à terra, seus galhos são seu berço e as gotas de orvalho
são as lágrimas da flor em pranto! Por tudo que se observa no poema A Flor e a Fonte, de Vicente de
Carvalho, pode-se dizer que se trata de uma composição parnasiana, que envolve
o leitor e o extasia, pela simplicidade e metáforas telúricas, numa nova
linguagem, rica em imagens da natureza e eivada de psicologismos. Um
parnasianismo bem característico de Vicente de Carvalho, com perfeição de forma
(ó), sem se enquadrar na forma (ô) do estilo de época, e com intensa ambição de
isso realizar, criando sempre, fazendo-nos meditar na beleza da vida e sonhar
com ela.
ATÉ A PRÓXIMA
2 comentários:
Agradeço pela postagem desse belíssimo poema e pela coerente e elucidativa análise literária, feita pelo Professor Feijó sobre o mesmo. Gostei de saber também a identificação das pessoas que tinham o mesmo nome de Vicente de Carvalho. Assim, nesse mundo de tantas chamadas para espetáculos que nada nos acrescentam, vamos, nós, os professores, seguindo na nossa digna missão de clarear a beleza, embotada pelo fulgor da superficialidade passageira, do aqui e do agora! Vamos em frente professor e parabéns pelo belo trabalho!
Talita Batista.
Escolhi este poema, em uma enciclopédia comprada pelo meu pai e declamei em um evento religioso. Eu estava com seis anos de idade e hj aos 58 ainda me encanto por ele.
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