Mais uma crônica de LUIZ CESAR SARAIVA FEIJÓ, publicada no jornal português

, Porto. Ela também aparece no seu livro UMA FLOR AMARELA.


Num domingo de sol fraco e muitas nuvens ameaçadoras resolvi, para matar o tempo, visitar a cidade de Castro, distante uns 150 quilômetros de Curitiba. Sabia que num fim de semana com céu cinzento e chuva fina iria encontrar a cidade praticamente vazia. Mas isso seria muito bom para meus propósitos. Indicaram-me o Museu do Tropeiro para satisfazer minha curiosidade sobre a história da antiga Freguesia de Sant’Ana do Iapó, dos idos do século XVIII.
A simplicidade e a simpatia do encarregado do museu foram fundamentais para que eu pudesse perguntar sobre tudo, ficando muito à vontade para passar de um assunto a outro, verificando sempre que o Sr. João Monteiro de Souza estava bem preparado para responder às minhas mais minuciosas perguntas, até sobre as origens da toponímia regional. Aliás, iapó significa pântano, em tupi, justificando os diversos e encantadores recantos da cidade, aproveitados como parques de laser. O rio alaga as margens protegidas pelas matas ciliares, repletas de pássaros e flores coloridos, fazendo nossa imaginação percorrer os séculos. Visualiza-se, então, o relvado da várzea, onde os aventureiros colonos portugueses e capitães-do-mato, com suas capas pretas e arcabuz na mão, contemplam o mar de araucárias e a revoada de garças e gralhas azuis no céu nacarado. Estão prestes a instalar nestas paragens, definitivamente, um paraíso. E todos trabalharam para isso. Mas como doeu! Quantas vidas foram sacrificadas! Como o poder e a natureza mexeram com a mente desses homens! Extensas sesmarias, maiores que muitas cidades européias atuais, foram requeridas à Coroa Portuguesa e doadas a famílias de não muitas pessoas e poucas virtudes. E todos estavam ali. Matas, animais e índios desafiavam os desbravadores. A força das armas de fogo suplantava os óbices. A cruz de Cristo perdoava os pecados. As atividades econômicas do garimpo do ouro, das pedras preciosas e dos rebanhos de gado precipitavam o progresso por aquelas plagas. O amor multiplicou os habitantes livres, mas não conseguiu atingir os miseráveis escravos negros. Contudo, todos eles foram trabalhadores pioneiros de grande valor: homens, mulheres, negros e índios.
O sol se pôs no horizonte, depois de uma trégua articulada com a chuva fina que caía sempre. Tomei o caminho de casa, rumo a Curitiba. Mas olhando pelo vidro semi-aberto vi, claramente, refletido no espelho retrovisor do carro, o aceno de um Tropeiro e de um Capitão-do-mato, saídos de um valão do brejo, em seus trajes de couro cru e lã pesada, desejando-me boa viagem...
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