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12 de setembro de 2006

TODOS GOSTAM DE FUTEBOL



O nosso Blog é do Sul, da Bola e das Letras

TODOS GOSTAM DE FUTEBOL



LUIZ CESAR SARAIVA FEIJÓ


Por que todos os povos deste planeta gostam de futebol? Talvez porque o futebol, além de ser uma linguagem gestual, fácil de ser decodificada, é, acima de tudo, uma grande metalinguagem. Isso significa que o seu significado ou sentido é explicado por seus próprios movimentos, entendidos por quase todos, independentemente de classe social, cultural ou econômica. E, por isso mesmo, pode ser analisado por inúmeros discursos de várias áreas do campo social, como o da psicologia, da lingüística, da história, da sociologia, da antropologia, da filosofia, da comunicação, do direito, da medicina, da literatura e muitos outros, por mais distantes que parecem, como o discurso da economia, como veremos ao fim desse artigo, quando sustentamos que o futebol não é afetado por qualquer tipo de ideologia. Portanto, podemos dizer que o expectador, o torcedor, o jogador, enfim, todos entendem o que vêem, mesmo não sabendo exatamente as regras do jogo. Com essa visão, pode-se e deve-se enquadrar o futebol na categoria de esporte redundante. Tentem entender o xadrez ou qualquer jogo de cartas, como o “truco”, que dizem ser caboclo e ingênuo! Tentem entender, de imediato, o chamado futebol americano. Ou o golfe, jogado em um ambiente quase sempre paradisíaco... mas com poucos jogadores. Não é tão fácil como entender o futebol. No xadrez, o expectador, sem nenhum conhecimento prévio a respeito desse jogo, vai demorar muito para compreender os movimentos das peças e seu objetivo final. O xadrez não é um jogo redundante. O expectador inocente não é capaz de saber o nome das peças, mesmo daquelas cuja aparência poderia denunciar seus nomes.

Por outro lado, quem assiste a um jogo ou a uma partida de futebol percebe logo que há uma perseguição constante de um objetivo: colocar a bola dentro das redes que envolvem as balizas por trás, utilizando todas as partes do corpo, menos as mãos. Quem investe com a bola ou sem ela no sentido de umas das duas balizas é um “atacante”, porque ataca (eis mais uma vez a redundância). Quem “defende” seu espaço é o defensor. Quem defende a bola com as mãos é um único privilegiado, o goleiro, o golquíper, o arqueiro. Isso tudo é muito óbvio. Muito redundante. Isso significa que o ato da comunicação é automático. Esse automatismo, exemplificando, funciona da mesma forma, quando alguém responde “alô” a uma chamada telefônica. Essa resposta é automática. A redundância está associada ao automatismo, no relacionamento emissor-receptor. Portanto, cremos que a redundância parece ser o principal elemento desse jogo chamado futebol, capaz de torná-lo compreendido por qualquer um, e isso irá determinar sua popularidade em qualquer lugar onde seja praticado. O futebol, assim mesmo, sendo profissão para muitos, é, também, jogo, esporte, prazer, recreação, passa-tempo, distração, descontração, exercício... e benefício.

Por tudo isso, pode-se afirmar categoricamente que o futebol encanta as multidões. Excita platéias de todas as classes sociais, em qualquer país do mundo. Exerce uma pressão constante sobre as emoções de todos aqueles que dele tomam conhecimento.

Esse fenômeno intriga tanto os intelectuais como os homens mais simples do povo. Por quê ? Continuamos com a indagação inicial.

No dia 10 de junho de 2006, durante a semana que marcou o início da Copa do Mundo, no canal 40 “Globo News”, da Sky, o apresentador e repórter, William Waak, em seu programa “Globo News Painel”, entrevistando os filósofos, Denis Rosenfild, professor de Filosofia da UFRS, José Arthur Gianotti, da USP-CEBRAP e Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da UNICAMP, propôs que os renomados intelectuais tecessem considerações sobre o fenômeno futebolístico planetário. Iniciou sua mediação, instigando a inteligência de seus convidados, com uma afirmação da revista alemã SPIEGEL, onde se lia que “no futebol, ser inteligente não ajuda nem atrapalha” (Eis aí a presença da redundância, mais uma vez. Só que dando ao contexto uma conotação nihilista...). É claro que convidados, a partir daí, começaram a tecer os mais variados comentários sobre o futebol, todos enfocando esse jogo por diversas formas, mostrando eles que “futebol é colaboração”, “solidariedade”, “forma de fazer amigos”, chegando, mesmo, a tecerem comentários sobre “futebol como religião”. William Waak fazia interessantes considerações sobre este esporte, classificado pelos comentaristas presentes como esporte de massas, sem nenhuma dúvida. O apresentador ainda tentava tirar dos intelectuais os argumentos que poderiam sustentar suas colocações a respeito da relação entre “futebol e política”. Até “futebol como religião” foi discutido pelos eméritos filósofos. Realmente, ligar futebol à religião lembrou-me a perífrase que muitos radialistas diziam, sem nenhuma preocupação intelectual, motivados unicamente pelo poético da linguagem - isso há muito tempo - que o estádio do Maracanã era o “templo do futebol”...



Muitas outras televisões abertas ou a cabo realizaram programas nessa linha, envolvendo esporte e cultura, e esses acontecimentos midiáticos serviram para ratificar a importância do futebol como o mais fabuloso esporte de massas do planeta. São numerosos, também, os livros publicados e lançados no mercado, nessa época de Copa do Mundo, estando nossas livrarias repletas de exemplares novos que falam do futebol como alguma coisa bem diferente de um simples e agradável jogo de bola.

Com a presente análise, tenta-se, mais uma vez, ampliar considerações a respeito do fenômeno futebol, possível de ser explicado e entendido por inúmeros discursos de saber.



Para tanto, alguns itens devem ser listados, e com eles tentar-se-á responder à pergunta que abre esses comentários, isto é, “por que todos os povos do planeta gostam de futebol?” É claro que as respostas iniciais merecem mais detalhamento, pois a proposta dos primeiros parágrafos foi a de preparar o leitor para um “tira-gosto”, um jogo preliminar, como acontecia nos campeonatos estaduais de futebol, antigamente disputado em muitas capitais, por exemplo. Sabe-se, de antemão, que um ou dois motivos apresentados não podem explicar essa paixão planetária pelo futebol. Trata-se, portanto, da combinação de quase todos esses aspectos, que vamos continuar apresentando e analisando.

Todos os povos do mundo gostam de futebol. Poderíamos sustentar, inicialmente, essa afirmação, dizendo que nesse esporte, o corpo todo se move, num exercício aeróbico constante, gostoso de se praticar. Salta-se, corre-se, cabeceia-se, arremessa-se a bola com as mão nas cobranças de laterais. O goleiro se atira de encontro à bola, utiliza as mãos para defendê-la. O jogador observa os movimentos corporais de seus companheiros e de seus adversários, e todos têm uma visão extraordinária de um balé, singelo, nos dribles desconcertantes, nas “firulas” acrobáticas e na coreografia da armação de um contra-ataque fulminante. O futebol mistura os fundamentos do atletismo e da ginástica com o do balé. Tudo isso pode estar presente dentro do campo de jogo, como nas arrancadas dos jogadores com a bola em direção à meta adversária. Os saltos a grandes distâncias para as cabeçadas ou o lançamento da bola, com as mãos, pelo goleiro, dando uma saída de jogo são movimentos de muita plástica e sua prática dá prazer ao corpo e à mente.

Uma outra visão dessa prática desportiva está ligada ao local onde é praticado: campos gramados, a céu aberto. O espaço onde o jogo se desenrola é agradável e a presença do relvado aumenta a vontade de participar, de atuar, de correr, e, ao mesmo tempo, nos proporciona uma inconsciente e relaxante sinestesia, unindo percepções sensórias distintas, como a visão (a cor da relva) e o olfato (o aroma da relva), relaxando o espírito e excitando o corpo, ao verde perfume da grama. O contato com a natureza é benéfico à mente e até treinar, por obrigação profissional, é bom! O futebol por ser um esporte praticado ao ar livre é mais chamativo do que muitos outros. Todos gostam disso.

Se observarmos as condições necessárias para que alguém jogue futebol, vamos ver que este é um dos únicos esportes que democratiza o corpo, isto é, jogadores de diferentes estaturas podem competir com idênticas chances de êxito. Isso não acontece com o basquete, com o vôlei, tênis e natação onde, nessas práticas esportivas, a estatura dos atletas definem as partidas, podendo-se dizer que o tamanho do competidor é um grande documento.


Desde os tempos do futebol de várzea e do início dos campeonatos estaduais, como se pode encontrar nas crônicas citadinas de Lima Barreto, por exemplo, o futebol sempre empolgou e sacudiu as torcidas, provocando, inclusive, muitos tumultos de ruas e, por isso mesmo, incomodou realmente. Mas a empolgação é uma sensação gostosa, pois se trata de uma animação extrema. Essa empolgação se dá pelas táticas e estratégias exercitadas. Táticas e estratégias de ataque, de defesa e, principalmente, de envolvimento do adversário pelas atividades dos jogadores do meio-campo.

Todos sabem que o futebol é jogado com 22 jogadores em campo. Onze de cada lado. Isso indica um jogo de equipe, articulado em conjunto, para se alcançar o objetivo final, que é marcar o gol. Os jogadores praticam essa prática esportiva uniformizados e isso dá às partidas tom de espetáculo, que caracterizaríamos como show, alegrando o ambiente e regalando a vista.

Pensamos que o prazer lúdico desse esporte está também na execução dos movimentos dos atletas, pois o futebol é o único jogo coletivo com muitos jogadores em campo, onde somente um jogador tem o direito de colocar a mão na bola, a qualquer hora, dentro de um espaço a ele reservado. Os demais, só podem colocar os pés e a cabeça na bola. Com as duas mãos, qualquer jogador cobra o lateral. Isso é muito significativo para o raciocínio rápido do atleta em campo e proporciona grande satisfação ao ser executado.

A bola do jogo não é grande nem pequena. É proporcional a qualquer tipo físico de atletas. A visão da bola do jogo pelo expectador das arquibancadas é sempre muito boa, não deixando nenhuma falsa interpretação das jogadas. Isso agrada, pois todos se orientam perfeitamente dentro do espaço onde o jogo é realizado. O tamanho da bola, no jogo de futebol, parece mais um ingrediente significativo para despertar o gosto por esse esporte. A bola não é tão grande como a do basquete, nem tão pequena como a do tênis e a do golfe. Isso pode não parecer pertinente, mas, se observarmos bem, veremos que seu tamanho e peso são ideais para que o atleta a carregue com os pés, cabeceie com firmeza e o goleiro a defenda, inclusive encaixando-a ao peito. É importante lembrar que a bola é um objeto da arte circense e toda criança, desde a mais tenra idade, já brincou com ela. É, pois, um objeto predestinado a levar às massas as alegrias do futebol. E com mais requinte, às platéias que apreciam ao futebol-arte.

Em outra dimensão, percebe-se que o futebol tem uma interessante característica que o aponta como uma prática esportiva imune a ideologias. Tal característica é a paixão clubística, que afasta, pelo seu subjetivismo, a razão, que poderia caracterizar uma espécie de luta interna no campo de jogo, pelo comando da equipe, estendendo-se ao clube, inclusive. O que vemos ocorrer nas agremiações futebolísticas, como entidades esportivas, é uma política de mando e comando, nada caracterizado como ideologia, sistema de crenças característico de um grupo ou uma classe. Tampouco sistema de crenças ilusórias, contrastando com o conhecimento verdadeiro ou científico. Muito menos como processo da produção de significados e idéias. Se o futebol foi taxado de “o ópio do povo” por Cláudio D. Shikida e Pery Francisco Assis Shikida, professores de Ciências Econômicas do IBMEC de Minas Gerais, no artigo que ambos assinam, intitulado “É o Futebol o Ópio do Povo? Uma Abordagem Econômica Preliminar” (Ibmec MG Working Paper – WP19, 2004), é porque percebeu-se que o conteúdo ideológico está na relação entre o Futebol e o Estado e não intrinsecamente nele. A visão dos economistas citados está relacionada com o formidável fenômeno social que é o futebol, pertencendo a quase todas as áreas do social, por isso mesmo, como já dissemos, considerado como uma grande metalinguagem, que tem e pode ser estudado por todos os discursos de saber da área a que está inscrito. Portanto, não se pode estranhar que tenha sido estudado por investigadores universitários da área econômica.

O futebol é neutro, em relação a problemáticas extracampo, e atrai um considerável público, que, este sim, pode ser objeto de manipulação. Já para as torcidas e para os praticantes, esse esporte não se compromete com políticas partidárias, por exemplo. Muitos poucos dirigentes foram eleitos pela torcida dos clubes que dirigiam. Os campeonatos interclubes, nacionais e internacionais, ficam blindados, quanto à impregnação de ideologias alienígenas, discriminações raciais, econômicas, e ações belicosas. Sobre esta característica do futebol, o Professor de ética e filosofia da Unicamp, Roberto Romano, participante do programa da “Globo News” a que nos referimos anteriormente, evocando o pensador búlgaro, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, Ellias Canetti, afirmou que o futebol não se enquadra nas categorias de “massa de fuga”, nem “massa de vingança”, teoria desenvolvida pelo autor de Massa e Poder, 1960, pois este esporte, absolutamente, e, somente em casos especialíssimos, jamais concentra em si mesmo a necessidade de se deslocar para outras áreas sociais, disputando prestígio e mando com outros seguimentos da sociedade.

Finalmente, numa Copa do Mundo de futebol, como a que aconteceu na Alemanha, no mês de junho, de 2006, pôde-se perfeitamente observar a empolgação que esse esporte proporcionou e proporciona, atraindo o gosto e a simpatia de milhões de pessoas, dentro e fora dos estádios, quando se apresentou como excepcional elemento para o surgimento da colaboração e da solidariedade entre os equivalentes e, basicamente, um dos maiores agentes formadores de amigos e de verdadeiros cidadãos.
























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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.