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3 de setembro de 2006

O ÔNUS

O nosso Blog é do Sul, da Bola e das Letras

Algumas vezes apresentamos ao leitor textos para curtição, reflexão e análise. Hoje vamos publicar uma crônica do cotidiano, cujo tema é do conhecimento de todos que lidam com os famigerados cartões bancários de crédito .

A crônica se chama
O Ônus


Luiz César Saraiva Feijó


Recebi minha fatura do cartão de crédito do banco do Brasil, bem próximo do dia de pagar a conta. Estava mesmo ansioso, pois gastara muito naquele mês em que viajei ao Rio de Janeiro. Foi lendo a bendita fatura que encontrei uma maneira, nunca antes testada, de recordar o passado. Pensava que isso só acontecia com as fotografias dos álbuns de família ou com as que a gente encontra dentro de gavetas cheias de cacarecos.
A informatização dos bancos está mesmo sensacional! Eles apresentam o débito com dia, mês e ano, além do nome da cidade onde a compra foi efetuada. Esse procedimento lembrou-me outras formas de cobrança, como, por exemplo, a planilha dos escritórios de contabilidade, espalhados por toda parte, apresentando os gastos a seus clientes. Mas os bancos estão demais! Agora, eles dizem também os nomes dos estabelecimentos onde a compra foi efetivada, e destacam, em colunas bem organizadas pelos programas da rede Windows, os nomes genéricos do tipo de consumo ocorrido, como, por exemplo, restaurantes, farmácias, supermercados, mala direta e muitos outros. Isso, inegavelmente, facilita a conferência do usuário do cartão de crédito, pois o cara vai se lembrando rapidinho de onde torrou a grana fácil, fácil...
Foi nesse momento de conferência que me vieram à mente quase todas as lembranças dos bons momentos de minha visita ao Rio de Janeiro. Conheço muito bem a Cidade Maravilhosa, pois sou carioca da gema, nascido na Lapa, nos bons tempos em que a cidade era só encanto, com uma qualidade de vida invejável e cheia de amor pra dar... Mas de lá já saí, há uns dez anos e vim para o Sul, depois de me aposentar. Assim, obedecendo ao poeta quando diz que “quem é do mar não enjoa”, sempre que posso vou à terrinha para ver minha gente humilde nas calçadas suburbanas, tentando imitar novamente outro poeta-cantor. Mas numa visita dessas, nem sempre acontecem coisas espetaculares, pois a gente se gripa, tem um torcicolo, dá uma topada numa pedra do caminho... E isso tudo eu fui relembrando enquanto via a minha despesa nos bares e restaurantes. Que maravilha! Como foi sensacional aquela reunião no Costa Brava! Que espetáculo o pôr do sol no Recanto do Arpoador, com chopinho estupidamente gelado, refrescando o calor e a alma da gente, num verão que insistia em ficar para sempre nas praias cariocas! Mas também revivi a mesma dor nas costas que me levou a gastar uma grana na Farmácia Rabelo, comprando um remédio errado. E depois outro certo, até a danada ir totalmente embora! Bem, nos supermercados gastei muito com picanha, carvão, cerveja, lingüiça, sal grosso, refrigerante e mais mil outras coisinhas para aquele encontro com os amigos da velha-guarda. Fiz questão de recebê-los no clube ao qual ainda pertenço. Revivi todos aquelas histórias antigas, contadas pelos amigos reunidos em torno do magnífico filé-mal-passado, regado a chope e caipirinha. Continuando a percorrer com o dedo as linhas da fatura, senti-me envolvido pelo perfume francês que ela fingiu não querer, momentaneamente, alegando que a despesa do dia já tinha sido muito grande, mas não resistiu à fragrância do Minotaure, de Paloma Picasso, nem à do Light Blue, da Dolce Gabbana. Tudo conferia com minha memória e agradava o meu coração...
Porém, quase na última linha, antes do pagamento à proteção do cartão – coisa quase insignificante – mas muito estranha, chamou minha atenção. Lá estava, na coluna Compras Parceladas, um débito de alguns reais, referentes a gastos com o jornal O Globo. Aí fiquei tonto mesmo, porque aquilo fez com que voltasse à realidade dos custos operacionais que minha conta iria sofrer em poucas horas, assim que o vencimento da fatura se verificasse, pois o débito em conta corrente não perdoa nenhum cristão! De fato, não me lembrava de ter feito naquela data nenhum negócio com o conhecidíssimo e importante veículo de comunicação do Rio de Janeiro.
Liguei para o 0800 do Banco do Brasil e fiz minha reclamação. Fui muito bem atendido e minha solicitação foi registrada com um número de nove dígitos, ao qual eu deveria me referir, quando procurasse saber a solução daquele problema, um lançamento a débito de que não me lembrava, por mais que me esforçasse. Ao desligar o telefone, percebi, dentro de minha carteira de documentos, com a qual viajo, uma papeleta amarela que registrava o texto de um anúncio feito por telefone e colocado no jornal O Globo, no dia oito do mês passado. Pronto! Lembrei-me. Não fora para mim e sim para um amigo que estava precisando. Tornei a ligar para o 0800 do Banco, repeti todo aquele ritual cibernético e consegui dar baixa na minha consulta, pois já sabia do que se tratava. Então, perguntei à atendente - as conhecidas telefonistas de telemarketing - se aquele procedimento havia ou não gerado, para mim, algum ônus. A atendente, sem saber o que responder, falava coisas absurdas, sem o menor sentido. Repetia como robô uma cantilena estranha, dizendo que o Banco tem inúmeros procedimentos para ajudar seus clientes... Coisas sem nenhum sentido. Percebi que o ruído estava no significado do vocábulo “ônus”. Indaguei: -Você sabe o que é ônus? E ela respondia: “-Senhor, sua consulta foi registrada, o Banco do Brasil agradece!. E eu, insistia. Você sabe ou não sabe o que a palavra ônus significa? Cheguei a perguntar o seu grau de instrução. –“Tenho o segundo grau completo – respondeu, e voltava com a cantilena anterior. Eu fui me irritando, mas penalizei-me da rapariga. Concluí que o segundo grau está mesmo precisando de uma grande revisão. O segundo, o primeiro e o terceiro graus. Todos. Tudo. Toda a Educação. Mas eu queria mesmo é saber se estas consultas geram ou não algum encargo. Pedi que ela perguntasse a um superior hierárquico e a resposta veio assim: “-Senhor, nada será cobrado pela consulta, mas se tem ônus ninguém aqui sabe dizer. O Banco do Brasil agradece a sua ligação e tenha uma boa tarde”.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sr Professor, Seu blog sempre muito instrutivo.
Percebo que a com a chegada do pan do barsil, no Rio de Janeiro, o snehor poderia abordar esportes desconhecidos, para que todo seu publico pudesse conhecer, por exemplo, o softbol. O que acha?
Grande abraço
Ana Luiza
Nora Ney

tatá disse...

excelente esta sua maneira de explicar o que realmente é onus muito obrigado!!!!!!!!!!!!!!!!!

Lety Mensitieri disse...

Me identifiquei com a situação!

Cotidiana falta de habilidade comunicativa.

Atenciosamente,
Letícia Mensitieri

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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.